28 de jan. de 2022

O DIABO NAS TAQUARA

 

 

Por André Bozzetto Junior

 

    Isso daí aconteceu num ano em que fui trabaiá no interior de Ilópolis, a tal de “Terra da Erva-mate”. Tava na época de podá as planta e levar os gáio para moer nas ervateira e fazer a erva para o chimarrão. Como o povo toma muito chimarrão por aquelas banda, tinha bastante serviço e precisavam de gente de fora para trabaiá, como eu. Fiquemo nas terra do véio Luiz, que tinha bastante hectare de ervero pra desgaiá. Quinze dia de serviço puxado.

    No fim de semana, quem morava por perto foi pra casa, mas quem era de longe, quem nem eu, ficou pousando no galpão do véio Luiz. Além de mim, também ficou um outro vivente chamado Toninho. Na sexta-feira, fim da tarde, ele convidô pra ir tomar umas canha na bodega do Bépi, que não ficava muito longe de lá, e depois ir na zona, farreá um pouco com as quenga. Como não tinha nada pra fazê, concordei. O véio Luiz escuitô nossa conversa e disse que não era pra atalhar pelo bambuzal porque lá de noite costumava aparecer o "Diabo nas Taquara”. Eu fiquei meio desconfiado, mas o tal de Toninho disse que era muito macho, que não tinha medo nem de hôme nem de assombração, quem se alguém aparecer para se fresquear ele dá uma tunda de laço e fura o bucho com uma peixeira que ele carrega na cinta. Bancava o machão o vivente.

    Daí fumo na bodega. Os caminho era tudo no meio das roça ou pelo mato e já tava começando escurecer. Fiquei ressabiado, mas não falei nada. O Toninho andava de peito estufado que nem um galo véio. Dizia que se aparecesse mula sem cabeça ou curupira ele dava uma camaçada de pau. Quando comecemo a beber graspa no bodega, ele logo ficou bêbido e começô e encher o saco dos outro, até que deram um tapão na orêia dele e jogaram pra fora. Eu saí também, meio com vergonha e medo de apanhá junto.

    Então fumo pra zona. Já tava tudo escuro, só se enchergava um pouco da estrada por causa da lua. Quando cheguemo numa encruzilhada, o Toninho quis ir pelo bambuzal, porque era mais perto. Eu já tava me cagando de medo, quando me pareceu ter escutado um assobio vindo do meio das taquara. Acho vi um vulto passando lá no meio. Parei, com as canela tremendo que nem vara verde. O Toninho seguiu em frente, disse que se aparecesse alguém ele ia surrá como fez com os cara da bodega e sumiu no meio do bambuzal, me chamando de “cagão”, “veado” e “Maria Bonita”.

    De repente, dos meio das taquara começô uma barulheira dos inferno. Escutava umas gargalhada como se fosse de alguém meio louco da cabeça, com uma voz mais feia que de uma cadela dando cria de atravessado, e os grito desesperado do Toninho, que não parecia ter mais nada de machão naquelas hora. Também começô uns estouro no meio das taquara e uma claridão que parecia de uma fogueira andando de um lado pro outro. E não é que aquilo parecia tá vindo na minha direção?!

    Pulei pra fora da estrada e me escondi detraiz dumas capoira. Até essa hora, já tinha me mijado duas veiz de medo. E daí eu vi. O Toninho vinha correndo pela estrada, com as calça pegando fogo. Ele batia com as mão tentando apagar as labareda, das veiz rolava no chão, mas não adiantava. Então continuou correndo e gritando, com o fogo no rabo. Mas o pior era o que vinha correndo detraiz dele. Digo, “correndo” num tava, porque como um vivente poderia correr cum uma perna só?! Era um rapaizinho moreno, com uma cara feia igual um cão chupando manga e uma toquinha vermeia na cabeça. Numa mão ele tinha uma tocha, e na outra ia balançando a peixeira do Toninho, como se tivesse debochando da cara dele. E não parava com aquelas gargalhada do inferno que me fazia arrepiá até os cabelo da nuca. Eu fechei os zóio de medo, fiquei quieto igual piá cagado e, drento da minha cabeça, rezava pra Virge Maria, Menino Jesuiz de Praga, São Jorge e o Neguinho do Pastoreio me salvar. Jurei que não ia mais ficá bêbido, nem ir na zona e nem olhar mais revista de muié pelada.

    Quando tive corage de abrir os zóio, aquela visage já tinha se sumido e a estrada tava deserta de novo. Corri de volta pra fazenda do véio Luiz, cagado de medo. Quando cheguei na minha cama, me ajoelhei e rezei trinta e dois Pai Nosso e vinte e sete Ave Maria . Depois peguei no sono, de ropa e tudo. Quando acordei de manhã, Toninho não tinha voltado. E nem voltô, nunca mais. Os outro trabalhador diziam que ele tinha ido embora porque era vadio, não gostava de trabaiá no pesado. Eu não contei nada pro povo, só pro véio Luiz eu falei a verdade. Ele suspirô fundo e disse “Eu avisei”. Depois não foi mais tocado no assunto.

    O tempo passô e eu acabei descumprindo as promessa que tinha feito. Todas elas. As veiz eu ainda sonho com o Toninho correndo pela estrada, como fogo detraiz da bunda, e as veiz me parece de escutar ao longe, de madrugada, os assobio e as gargalhada daquilo que vi perseguindo ele.  Por via das dúvida, nunca mais passei perto de nenhum bambuzal de noite. Nunca se sabe.

2 comentários:

  1. Anônimo2/13/2022

    Que saudade que eu tava dos seus contos André, nostalgia do caramba lembrando das escrituras da lua cheia 🥺 e agora com outros seres, nunca pensei que teria medo de um saci, sempre lembrei da versão do sítio do pica pau amarelo kkk, mas agora quem não passa perto de bambuzal sou eu

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    1. Que legal você ser leitor do blog antigo e continuar acompanhando o meu trabalho por aqui. Valeu pela força!

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