9 de fev. de 2021

O MISTÉRIO DO CASTELO MAIS LINDO DO MUNDO

 

 

Por Adriano Siqueira

    Demorei dias para chegar até aqui. Meus pés estavam doloridos. Minha boca estava seca. Não tinha forças nem para passar a língua nos lábios. Apenas olhava para frente. Meus passos seguiam um rumo quase robótico. Não estava mais no comando do meu corpo.  Em minha mente, Só apareciam as imagens de um passado cheio de poucos resultados, poucas conquistas e pouco reconhecimento.
 
    Fui deixado de lado várias vezes. A primeira vez pelas pessoas que me amavam. Elas sabiam que eu iria sofrer se eu não mudasse meu modo de pensar. Elas não queriam me ver sofrendo, não queriam me ver como eu estou agora. Saíram da minha vida enquanto eu estava bem para que eu não sentisse falta deles. Acredito que fizeram certo. Ninguém gosta de ver alguém sofrer, ainda mais quando este alguém acha que o que estava fazendo era o certo. Que o que estava fazendo era o que faria a diferença. Que o mundo não era tão carregado de manipulações mesquinhas e que as armadilhas criadas foram produzidas apenas para serem vencidas ocasionalmente. Que as armadilhas eram colocadas ao acaso e não de propósito e que eu seria visto como um vírus que deveria ser eliminado com todo o poder existente pois, se um dia alguém tentasse trilhar o mesmo caminho, sentiria a mesma fúria e desafios seriam ainda piores.
 
    Mas eu era teimoso. Eu assistia diariamente tudo se perder. Tudo ir embora. Mesmo assim eu persistia. Queria mostrar que poderia chegar neste castelo de uma forma mais fácil, sem levar meses. Com uma charrete certamente eu chegaria mais rápido. Mas o meu reino iria desconfiar se eu saísse de lá com uma. Precisava prosseguir para mostrar que eu estava certo.
 
    Agora estou perto. Tão perto que consigo ver com detalhes as paredes daquele castelo, As pedras e os vãos detalhados. Meus passos não aceleram. Continuo na mesma velocidade calma e vagarosa. Minhas mãos estavam duras como pedra. Meus dedos não se mexiam. Não conseguia tocar os próprios dedos. Meus braços não tinham forças nem para chegar até o rosto. Tudo estava dormente. Só a minha mente funcionava. Todo o passado aparecia como uma bomba nuclear. As festas, os encontros com os amigos, as ameaças encobertas como um conselho ou um toque de "amizade". Eu era uma peça que deveria ser eliminada se eu continuasse a seguir este caminho. Me senti ameaçado, mas o meu sonho era maior que tudo. Maior do que eu.
 
    Eu tropecei. Cai... rastejei... levantei com muitas dores. O impacto foi gigantesco. Pensei que era o meu fim. Nunca imaginei que um exército seria criado só para me eliminar. Fui derrotado. Não consegui lutar com todos pois cada um que eu vencia era logo substituído por três. Não tive muitas opções. Após uma sucessão de quedas eu me rendi. Me entreguei. Pensei que era o meu fim. Que eu iria morrer. Mas ao invés de ter uma morte rápida, colocaram as mãos em meus ombros e disseram: Queremos afastá-lo. apenas isso. Não é nada pessoal. Você é uma pessoa admirável por muitos, porém, o que você está fazendo é uma ameaça e você deve ser detido. Você não tem experiência para lidar com a situação quando vencer. Nós temos. Nós sabemos como devemos agir. O caminho que está construindo pode acabar com o sonho de muitos.
 
    Eu não entendia. Lutei muito para descobrir este caminho. Lutei muito para nada. E o que era pior. Eu estava fazendo o caminho para eles trilharem também. Mas a reação deles tinha sido exatamente ao contrário do que eu esperava. Descobri algo que para eles poderia ser o fim de tudo. O fim do reino. Então continuei ouvindo o que eles diziam.
 
    "Você sempre foi muito criativo." Diziam. "Sempre nos ajudou de muitas formas. Mas quando começou a dizer que havia descoberto um caminho mais rápido do que tínhamos para chegar ao castelo mais lindo do mundo, você estava condenando o nosso reino. Estava condenando nosso povo."
 
    Eu não entendia. Como um caminho novo e mais curto poderia condenar um reino? "Você é ingênuo. Vamos deixá-lo aqui nesta floresta. Se quiser trilhar o seu novo caminho para encontrar o castelo, então continue. Mas nunca mais você poderá voltar ao nosso reino e nem entrar em contato com o nosso povo. Você está sendo banido para sempre. Se voltar, vai morrer."
 
    Eles me deixaram seguir o novo caminho sem água e sem comida. Com certeza imaginavam que eu morreria no caminho. Pois talvez, a morte seria dolorosa também para eles. Seria uma forma de não se responsabilizarem por nada, pois me deram uma chance e isso aliviaria a consciência deles.
  
    Agora faltava poucos metros para entrar no castelo. Muito pouco. O caminho que fiz foi quatro vezes menor do que faziam para chegar por aqui. E eles usavam cavalos e charretes para ir mais rápido. Eu estava em frente a porta do castelo. Não tinha forças para olhar para cima. Encostei a testa na porta. Meu corpo tentada desligar dos passos tudo ainda estava em um movimento lento que foi detido pela porta. Eu balançava algumas vezes. Tentava falar. Avisar que eu estava na porta, mas eu não conseguia me mover. Achei que eu iria morrer ali. Sem entrar no castelo. Seria uma morte triste, mas pelo menos eu havia conseguido chegar lá.
 
    Meus olhos estavam fechando. Eu estava morrendo. Eu estava lá. Olhando para a porta e nem podia ver a beleza do castelo mais lindo do mundo. Meus olhos estavam tão secos que eu nem conseguia chorar. Gostaria que tivesse alguém aqui...Estava imaginando vozes.
"Uma visita depois de tantos anos." "Você está fraco. Vou levá-lo até a cama."
 
    Meus olhos abriram lentamente. Eu ainda não sabia o que estava acontecendo. Eu arriscava em dizer que estava morto. Porém as dores que eu sentia em meu corpo deixava este pensamento de lado. Fiquei pensando em meu anfitrião. Quem era? Não consegui saber nada sobre ele. Eu estava tão fraco que nem percebi que fui carregado para cá. Andei vagarosamente pelo quarto. Estava tudo impecavelmente limpo. Era o castelo dos sonhos de qualquer um do meu reino. De repente escuto uma voz que vem de todas as paredes do quarto.
  
    "Meu nome é Vladlúvia Cegova. Sou uma mulher ou já fui uma." "Você deve descansar." "Ainda não está recuperado da viagem." "Eu já estou melhor." "Podemos conversar?"
 
    Um silêncio tomou conta do local. Depois de algum tempo a porta começou a abrir lentamente. Eu olhava atentamente. Queria ver que era aquela mulher. Depois que a porta estava completamente aberta ela apareceu e calmamente andou até uma cadeira, se sentou e fez um gesto para que eu me sentasse na cadeira ao lado. "Deve ter muitas perguntas." Embora os lábios dela se moviam quando falava, o som da sua voz parecia sair das paredes do castelo.
 
    "Eu sou Damiano Colídio. Eu era um cidadão do Reino de Roz. Ela escondeu uma risada com suas mãos e logo voltou a sua posição e tornou a olhar para mim. Seus olhos eram escuros muito brilhantes.  "Fez bem em sair de lá."
 
    "Não existe mais ninguém neste castelo?"
 
    Ela se levantou e começou a andar e a mexer no seus cabelos que eram escuros. O seu vestido era todo vermelho. Seu rosto era pálido e os seus lábios eram muito vermelhos. Ela era uma mulher alta e se movimentava como uma rainha. Certamente ela era a dona do castelo.
 
    "Fazia tempo que não recebia visitas." "Alguns anos."
 
    Fiquei surpreso com a resposta. Como poderia estar sozinha por tanto tempo? Pelo que sei, o reino fazia excursões para este castelo semanalmente. Fiquei muito intrigado e curioso.
 
    "Meu antigo reino sempre trazia os visitantes para este castelo." Ela olhava para mim e sorria. Seus dedos tocavam levemente a mesa ao seu lado e enquanto ela caminhava eles passavam pela mesa. "Acredite. Nunca viram este castelo."
 
    Isso me deixou um pouco confuso, mas ela continuava a falar. "O caminho que eles criaram para chegar até aqui era longo demais. Eles acabavam desistindo."
 
    Eu pensava, como puderam fazer isso? O castelo não era tão longe assim. Levei alguns dias para chegar mas se tivesse cavalos chegaria rápido. No máximo em dois dias. "Por que fariam um caminho tão longo assim?"
 
    "Você é ingênuo. O seu antigo reino colocou muitas casas no caminho e cada uma delas tinha algo que era referente ao castelo. Peças do castelo, pinturas, cortinas, tapetes, vinhos com o nome do castelo, uma pequena peça de teatro que mostrava a importância do local, roupas e flores."
 
    Então o caminho era feito para isso. Eu pensava. Assim eles gastavam tudo o que tinham para levar lembranças do castelo antes de chegar nele e acabavam sendo vencidos pelo cansaço.
 
    "Havia também um lugar para eles descansarem. Com muita comida e um lago para se divertirem."
 
    "Por isso eles não gostaram da minha ideia quando eu disse que havia um caminho mais fácil de se chegar aqui."
 
    "Então você não sabia que era assim que seu reino recebia os tributos dos visitantes? Me desculpe. Não consegui segurar uma boa risada."
  
    "Isso explica eles terem me banido do reino. Eu estava para descobrir toda a armação. Queriam o meu silêncio."
 
    Olhei para os lados. Coloquei a mão na minha cabeça e comecei a andar em volta do quarto. Eu era mesmo muito ingênuo. Achei que estava achando uma solução para ajudar o reino e na verdade estava condenando o que eles construíram por anos para ganhar os tributos através deste caminho longo. Ela tornou a falar. 
 
    "Sei que sente enganado. Eu não o culpo. Nem todos pensam como você. A sua forma de ajudar os visitantes poderia ter condenado seu reino a pobreza absoluta. Eles tiveram que fazer uma escolha, ou era você ou o reino. Sinceramente acho que foi muita sorte você ainda estar vivo... ou quase."
 
    Desta vez eu fiquei preocupado. Ou Quase? O que isso significava? Afinal eu estava vivo. Eu perguntei aflito.
 
    "O que quer dizer Vladlúvia?"
 
    "Como eu disse, já fui uma mulher. Agora sou diferente."
 
    Um calafrio tomou conta do meu corpo. Com tudo que aconteceu eu não havia prestado atenção em suas palavras. Estava tão revoltado com as atitudes do meu antigo reino que nem percebi que ela poderia ser uma criatura perigosa. Eu precisava ficar calmo. Tentar conseguir as respostas que queria e sair logo de lá ou eu poderia estar em uma armadilha que seria fatal.
 
    "Acho melhor você se sentar."
 
    "Estou bem assim. Me conte. O que fez comigo?"
 
    "Você está morto."
 
    "O quê? Mas eu estou me mexendo e pensando. Como poderia?"
 
    "Você pode se sentir como era, mas isso é só o seu celebro que está te enganando. Você estava morrendo quando chegou. Não havia mais como te salvar. Então eu o transformei na mesma criatura que sou." 
 
    Eu fiquei em pânico. Segurei os seus braços e gritei como podia. "No que me transformou? O que eu sou agora?"
 
    Ela se livrou do meu aperto com uma força sobre humana. Andou por algum tempo. E começou a explicar.
 
    "Sou uma criatura lendária que já foi banida por muitos reinos. Sou considerada um perigo para humanidade. Sou o monstro que todos desejam nos seus sonhos. Só nos sonhos."
 
    Eu tive vontade de sair correndo daquele lugar. Ficar longe daquela mulher que agora vejo como meu real perigo. Mesmo assim, ela tentava explicar o que ela era.
 
    "Somos monstros que se alimentam de sangue."
 
    Eu estava apavorado. Tentei fugir. "Você está louca. Quero sair daqui."
 
    Ela me segurou pelos braços e me levou para um quarto escuro do castelo. Acendeu uma tocha e me mostrou o que havia no quarto. Eu fiquei gelado de pavor. Muitos corpos jogados um em cima do outro. Sangue por todo o lado. Ela era mesmo algo monstruoso. E agora eu fazia parte da sua espécie. Ela ria muito e as luzes da tocha refletiam nos seus olhos que deixavam ainda mais diabólicos. 

    "Não se preocupe. Você agora tem a força de muitos homens e tem o poder para dominar o seu antigo reino."

    Ela me beijou. Com muito desejo. Imaginei que está seria uma longa noite. Teria muito o que aprender. E em breve eu faria uma visita ao meu antigo reino.

8 de fev. de 2021

A FREIRA QUE ENGANOU O DIABO

 

 

Por Maria Ferreira Dutra

    Em um quarto no convento do Município de Varginha em Minas Gerais, a freira Lucretia Almate esperava ansiosa pela chegada da caminhonete que traria os mantimentos necessários para o local. A ansiedade era muito grande. Ela conhecia bem o motorista  Augusto, já eram amigos a muito tempo. 

    A caminhonete chegou e Lucretia foi correndo conversar com o seu amigo, e quando a caminhonete se aproximou e a porta se abriu,viu que dentro não estava seu amigo e sim um padre. Ele olhou para a Lucretia e se apresentou como  Padre Amando Culenia.  O padre  estava muito sério. Pegou um papel e entregou para Lucretia.

    Era um Atestado de Óbito, nele informava que o seu amigo Augusto havia falecido fazia três dias, numa tentativa de assalto , queriam levar a caminhonete e ele reagiu acabando sendo  baleado. Lucretia chorou no ombro do  padre que a abraçou de forma a acalma-la. Eles entraram e ficaram sentados no banco que havia no pátio do convento. O padre fez uma oração com ela e  pediu que lhe trouxesse em água com açúcar para ela tomar. Lucretia o agradeceu e ele ouviu o desabafo sobre como o seu amigo era um bom homem e que ele era jovem, tinha apenas 36 anos. Amando entendeu sua angustia,  explicou para a ela que ele ficaria no convento por uma semana e gostaria da sua companhia para mostrar o local.Lucretia ajudou a pegar as malas e o padre Amando agradeceu toda a ajuda da freira.

    Naquela noite, Lucretia estava dormindo em seu quarto e ouviu um ruído,  ela acendeu a luz mas não funcionava. Aos poucos, na frente da sua cama apareceu uma mesa com uma vela.  Dois  homens com chifres jogavam  cartaz nessa mesa e falavam algo sobre quem era o próximo a morrer e o outro dizia que já pegou muitos nessa semana. Esses homens tinham rabos com ponta de seta que pegava as cartas da mesa. Um deles perguntou onde estava o outro chifre dele. O Demônio passou a mão em sua testa e percebeu que realmente um chifre havia sumido e olhou e sorriu para a Lucretia que estava deitada e paralisada de medo.


    Ela sentiu algo em sua perna. Ela tentava impedir e o chifre foi mais para frente. Lucretia gritava de pavor e tentava impedir que aquele chifre viesse mais para o corpo dela. Estava subindo em sua perna e os dois demônios estavam rindo.


    Ela pegou o abajur e quando ia acertar a sua perna ela acordou do pesadelo e saiu correndo para o banheiro passar água no rosto. Quando ela pegou a toalha a madre superior estava na porta e  a perguntou se ela estava bem. Lucretia a respondeu que havia tido um pesadelo horrível. A madre superior a confortou e a levou para o seu escritório. Lá o padre Amando estava esperando a Lucretia e ela o abraçou. Contou o pesadelo e também informou que viu o rosto do seu amigo augusto em uma das cartas que os demônios manipulavam. O padre pediu autorização para falar com a Lucretia a sós. Ela concedeu e saiu. Amando segurou a mão de Lucretia e disse:


    ─ Esses demônios que viu eram capturadores de almas, eles tem a missão de coletar almas dos jurados pelo pacto. Seu amigo tinha pacto com um deles. Por isso a carta mostrou o rosto dele.


    Lucretia ficou muito impressionada com isso e dizia que era impossível que ele era bom e que jamais faria algo assim. Nunca venderia a alma para o Diabo.


    O Padre a informou que infelizmente ela estava errada e completou dizendo:


    ─ Sinto muito, mas a realidade é essa, eles levaram a sua alma; mas eu quero que saiba que podemos recuperar a alma do seu amigo e libertar do inferno.


    ─ Como? Como posso fazer isso? Eu faria qualquer coisa para libertar meu amigo desse lugar.
O Padre sorriu e perguntou:


    ─ Até mesmo reinar o inferno para toda a eternidade?


    ─ Não deve estar falando sério. essa era a segunda coisa estranha em uma mesma noite. Eu sou uma freira. Como eu posso entrar no inferno, pedir licença para o capeta sair do trono, sentar lá e dizer que sou a rainha a partir de hoje? Lucretia é o meu nome e não Loucura ou Lunática.


    O padre riu. Ele concordou com ela, que isso parecia loucura, mas era possível e com a posse do inferno ela poderia libertar seu amigo. Lucretia começou a duvidar da sanidade do padre, mas ela continuou ouvindo. O padre pegou a sua mala e abriu. colocou alguns ingredientes colocados em potes e colocou eles em cima da mesa e começou a explicar.


    ─ Esses potes tem a função de transformá-la em um demônio. Vai ter a essência de vampiros e cobras e lobos.


    Lucretia interrompe e comenta:


    ─ Espera. Vampiros existem?


    ─ Se demônios existem, todas as criaturas fictícias também.


    ─ Como Lobisomens? Fadas? Sereias?


    ─ Sim. A igreja tem uma boa relação sobre essas criaturas. Elas são bem vivas e a maioria tem celular.


    O padre pediu para ela deitar no sofá e assim ele poderia passar os ingredientes que a igreja havia guardado por séculos.


    Lucrétia perguntou:


    ─ Por um acaso, se esses produtos me transformarem em uma demônia, imagino que o senhor tem o endereço do inferno?


    ─ Não é segredo para ninguém. Até no Google você encontra. Agora deixe-me aplicar os cremes que estão no pote. A transformação será imediata.


    Com a aplicação na pele, em minutos ela se transformou em uma demônia. O padre pediu para ela se levantar e se olhar no espelho. Ela ficou impressionada com a transformação. Amando a levou para o carro. Ele explicou como deveria agir e o que deveria fazer. Lucretia achou tudo isso uma insanidade, mas era para tirar o Augusto do inferno. Ela só estava fazendo isso por ele. O padre chegou no local. Ela olhou bem e logo em seguida perguntou para ele:

    ─ Isso é uma boate? Aqui é a entrada? Você deve estar brincando.


    ─ Eu nunca brinco Lucretia. Siga as instruções e boa sorte. Lembre-se que ao entrar lá, será impossível sair sem consentimento dos senhores do inferno.


    Lucretia entrou no local com facilidade. Os demônios sentiram o seu cheiro e ela conversou com um deles para causar confusão.


    ─ Eu gostei de você, mas aquele seu amigo me quer primeiro. Isso é uma pena.


    O demônio ficou furioso. Ele foi até o outro e deu um soco e começaram a brigar. Em pouco tempo eles estavam brigando entre si. Lucretia. aproveitou a confusão e subiu para a sala onde o Diabo estava. Ela o viu, estava sozinho em seu escritório. Ele ficou surpreso com a chegada da Lucretia e ela sentou no colo dele e disse:

    ─ Eu preciso de um garoto mau.


    Lucretia beijou o diabo e ele a levou para a cama que era no quarto ao lado do escritório. Eles fizeram amor por horas. Logo em seguida o Diabo chamou todos os demônios para uma reunião urgente. Em pouco tempo ele foi para a sala de reunião e sentou em sua cadeira. Ele pegou na mão de Lucretia e anunciou que a partir daquele momento ela seria tratada como rainha do inferno e que todos deveriam prestar contas a ela, somente ela.

    Todos os demônios concordaram. Lucretia agora era a rainha do inferno. Ela beijou a boca do Diabo e sorriu. Logo em seguida alguns soldados colocaram uma cadeira ao seu lado, mas ela não quis se sentar nela por enquanto. Ela reverenciou o Diabo e deu dois passos a frente. Olhou para os demônios que estavam no local e andou para perto de cada um com um sorriso. Lucretia foi para o meio da sala e com o olhar e o sorriso de todos, proferiu:

 

   "Sem este lugar o mundo não existiria. As vitórias e glórias obtidas por esse reino serão lembradas pela eternidade. Os talentos alcançados e descobertos não são frutos de um amor, mas sim por ódio de alguém. Tudo que se descobriu foi gerado na procura da vingança, da raiva e do ódio. Foi assim que se descobriu a eletricidade Thomas Edison discutia com sua mulher em casa e isso o fez fazer testes com seus métodos científicos. Elizabeth Bathory era tratada como uma empregada em seu próprio império e muitos a traíram para que o seu trono fosse tomado. O ódio deve abrir as portas para o conhecimento mais do que o amor. Einstein foi traído e usado por sua namorada e isso fez com que ele criasse a teoria da relatividade, pois ele acreditava que em algum lugar fora desse mundo, ela o amava de verdade e aqui no inferno, esses sentimentos devem permanecer, pois são eles que fazem o mundo progredir e estamos aqui para garantir que tudo isso permaneça. E quem tem, ou acha que pode reinar como um amado, deve ser punido, preso e abandonado."

    Todos os demônios da sala levantaram e aplaudiram a Lucretia e ela pegou a espada de Astaroth e apontou para o Diabo.


    ─O Diabo infringiu a nossa lei. Ele, em sua procura para preencher o reinado, se aproveitou do seu cargo para conquistar um amor e não alimentou o ódio que deveria.

    Os demônios concordaram e pediram para os guardas acorrentá-lo. O Diabo olhou para a Lucretia e, com tristeza, foi para a sua prisão.

    Lucretia andou até a cadeira do Diabo e enfiou a espada no acento. Logo depois, sentou em sua cadeira e sorriu. Pegou a relação das almas aprisionadas e localizou o seu amigo Augusto e liberou a sua alma. A sua missão estava terminada.

    No convento o Padre Amando arrumava as suas malas para sair do local. A sua missão havia terminado. Na porta do seu escritório, havia o corpo enforcado da Madre Superiora que balançava de um lado para o outro. Ele recebeu uma visita. Uma mulher de cabelos brancos e com uma roupa de látex entrou calmamente em sua sala e sentou em uma cadeira. Ela perguntou se ele se divertiu. O padre sorriu e agradeceu ao anjo a sua aliança e ajuda por ter passado alguns poderes que o protegiam contra esse local e evitaram que ele fosse descoberto do seu disfarce. O Anjo agradeceu, andou até o padre e o beijou rapidamente. Depois sorriu e disse "Padre! Eu pequei, ajudei um vampiro a colocar Lucretia como rainha do inferno. Esse vampiro é muito mau e se chama Neculai. Quantos tapinhas no bumbum devo levar?"


    Neculai terminou de arrumar as suas malas e sorriu. Ele olhou para o corpo da madre e comentou que ela arrecadava o dinheiro para as crianças e usava para comprar casas e depois alugava para ganhar dinheiro. Mas por causa da sua morte, será visto como vilão da história.


    Mais tarde no inferno Lucretia foi até a cela onde o diabo estava preso. Ela pegou as chaves e abriu a porta. O diabo olhou para ela e sorriu. Lucretia tira a sua roupa e pergunta ao diabo se pode aquecê-la.



Ilustração: Adriano Siqueira.
Edição de imagem: André Bozzetto Jr.

 

6 de fev. de 2021

JORNADA DO PAVOR


 

Por Renato Rosatti

                “Onde será que estou? Que lugar será esse? Sinto-me perdido nessa imensidão de um escuro infinito. O ar está infectado por um nauseante cheiro de putrefação, que parece corroer meu cérebro. Não vejo onde piso, mas sinto que o solo sob meus pés é úmido e pegajoso. Ouço um estranho ruído ao caminhar que me dá a impressão de estar pisoteando ossos e vísceras. Será um pesadelo? Uma alucinação? Não posso me desesperar. Tenho que manter o controle de minhas emoções, apesar do odor fétido queimar minhas narinas e tentar me tirar a consciência”.

                “Continuo caminhando e agora imagens começam a surgir à minha frente. Posso ver um aglomerado de corpos humanos, alguns em adiantado estado de decomposição, outros abundantemente ensanguentados e ainda outros pendurados invertidos em grandes ganchos como se fossem animais abatidos e prontos para serem desmembrados. Muitos dos cadáveres estão violentamente mutilados e outros apresentam ferimentos diversos como se provocados por horríveis torturas. Posso ouvir o barulho característico proveniente do impacto de ferramentas cortantes em pedaços de carne, seguido por gritos intermináveis e agonizantes Uma cruel carnificina celebrando a dor. Um verdadeiro matadouro humano. Sinto-me como se estivesse hipnotizado com essas imagens escatológicas se fixando em minha mente e tentando me enlouquecer. Que lugar infernal será esse? Um universo paralelo que mantém a dor e o sofrimento eternos?”.

                “Apesar do horror à minha volta, eu prossigo a caminhada tentando manter a calma e mais imagens começam a aparecer. Vejo homens lutando entre si e posso ouvir explosões ensurdecedoras e armamentos em disparos contínuos. Chamas, destroços, sangue e pedaços de órgãos humanos espalhados por todos os lados, e dor, muita dor. É a guerra, cuja lei vigente é matar para não morrer e onde a única vencedora é a Morte, soberana e insuperável. Posso avistar agora cidades inteiras sendo aniquiladas em poucos segundos, com suas populações sendo incineradas vivas. É o holocausto nuclear. Um genocídio irreversível. A destruição total!”.

                “Será tudo isso um pesadelo de sangue, real apenas em meu subconsciente? Ou será uma viagem aos confins da loucura explorando a dor humana? O tormento das macabras imagens tenta explodir-me a cabeça, mas com muita dificuldade eu consigo manter a sanidade e prossigo a jornada rumo ao infinito, tentando encontrar uma saída do inferno em que me encontro. As imagens cessam e não retornam mais, ficando apenas a escuridão ao meu redor. Porém, avisto agora uma espécie de criatura de aspecto sinistro não muito distante de mim. À medida em que me aproximo dela, suas feições se sobressaem na escuridão tornando-se mais nítidas. O misterioso ser aparenta estar vestido com uma capa escura que o envolve até a cabeça, e luzes fracas o iluminam precariamente. Em uma das mãos está segurando um grande objeto pontiagudo, semelhante a uma foice. Continuo me aproximando até poder visualizá-lo bem e meu espanto é indescritível ao reconhecer a criatura como sendo um esqueleto humano! A própria imagem da Morte! O desespero então se apossa de mim, não sendo mais possível o controle das emoções. Meus gritos de agonia ecoam de maneira ensurdecedora através das trevas abissais e...”.

                Acordo de repente, todo suado e com o corpo dolorido e cansado. Apesar de meus constantes questionamentos, é novamente mais um pesadelo de horror invadindo minha noite e importunando meu descanso. Imagens macabras celebrando a dor e povoando meus sonhos. Meu batimento cardíaco está acelerado, a respiração ofegante e os olhos vidrados na escuridão do quarto.

                Alguns minutos se passam e aos poucos me recomponho da insana viagem que realizei. Minha visão vai se acostumando ao escuro e me levanto sentando na borda da cama. O corpo dói e as roupas coladas devido ao suor dificultam meus movimentos. Apanho meus óculos na cabeceira da cama e olho para o rádio-relógio à minha frente. Não me surpreendo ao ver os displays vermelhos mostrarem três horas e trinta e três minutos. É sempre na mesma hora. A hora marcada para a jornada do pavor. Foi assim que batizei essa tortuosa experiência que vivencio em vários pesadelos seguidos. Sempre as mesmas imagens, a celebração da dor humana, o encontro da vida com o seu fim e a escuridão eterna reinando morbidamente.

                Levanto-me e vou até a cozinha beber um pouco de água gelada, na esperança de me reanimar novamente. A noite ainda está na metade e não é mais possível dormir. Como nas vezes anteriores, e não me lembro ao certo quantas foram, aguardarei o amanhecer do dia para trabalhar e tentar esquecer os horrores da noite mal dormida.

                O dia passa rápido e a noite novamente se aproxima. E com ela vem o desespero de enfrentar outra viagem pelos caminhos do macabro. Dormir tornou-se uma atividade dolorosa e sufocante. Eu era escravo de meus pesadelos e senti que minha vida estava se esvaindo cada vez que meus olhos se fechavam para... sonhar.

                Cansado e com o corpo dolorido, caminho em direção ao quarto como se fosse entrar numa cripta. Minha saúde estava terrivelmente abalada devido às inúmeras noites de tortura. Aproximo-me vagarosamente da cama e me sinto como se deitasse numa sepultura gelada. Minha resistência em vão cede perante o forte cansaço que me força a fechar os olhos vermelhos e lacrimejantes. Sinto como se fossem abertos os portais de um cemitério.

                    Tem início novamente a jornada do pavor.

                As imagens sangrentas começam a surgir e sinto minha energia vital sendo consumida pelo horror escatológico que me envolve. A viagem prossegue parecendo eterna e com ela a intensa batalha entre a razão e a insanidade. Quando surge a criatura vestida com a capa e com a foice em uma das mãos, eu interrompo a caminhada, já quase sem forças. Estou fraco e com o corpo extremamente dolorido. Parado ali, diante do sinistro esqueleto humano, sinto como se as viagens de sofrimento tivessem chegado ao seu fim, aliviando o martírio de uma vida atormentada pela dor.

                A criatura representante da morte levanta então seu braço direito erguendo a grande foice e vocifera com uma voz gutural que ecoa grotescamente na escuridão infinita:

                - Sua jornada chegou ao fim... e não tem volta!

                Os pesadelos acabaram... para sempre!

 

 

Publicações anteriores: fanzines Megalon 28 (Outubro 1993), Astaroth 18 (Outubro 1998) e Juvenatrix 168 (Fevereiro 2015).

Ilustração original: Roberto Schima.

Edição de imagem: André Bozzetto Jr. 

1 de fev. de 2021

ZINE NOTURNO Nº 01


 Por André Bozzetto Junior

             O ZINE NOTURNO é uma derivação aqui do blog RELATOS NOTURNOS, e visa se constituir em um espaço para a publicação não apenas dos meus próprios contos, mas também de autores já experimentados nas lides literárias – seja pelas vias independentes ou através de editoras profissionais –, bem como de escritores iniciantes que produzam material relevante aos fãs do gênero fantástico.

            Para esta primeira edição, cujo foco é a abordagem da temática do horror rural e do terror psicológico, trago um conto que perpassa, de forma quase psicodélica, a temática da licantropia, assunto seguidamente por mim revisitado no extinto blog Escrituras da Lua Cheia, em diversas antologias das quais participei, como Metamorfose – A Fúria dos Lobisomens (2009), Cursed City (2011) e Amor Lobo (2013), além dos romances sobrenaturais Na Próxima Lua Cheia (2010) e Jarbas (2011).

            Propositalmente optando por contar com artistas do oeste catarinense como integrantes do primeiro número, convidei para participar do projeto o lendário Petter Baiestorf, um dos mais icônicos nomes do cinema independente brasileiro, responsável por clássicos underground como O Monstro Legume do Espaço (1995), Zombio (1999) e Vadias do Sexo Sangrento (2008), entre outros, e que, em sua faceta multimídia, nos brindou com um conto perturbador.

            Completando a trinca de autores, temos o escritor e ator Alan Cassol – que atuou em filmes como Zombio 2 (2013) e Brasil 2020 (2019) dirigidos por Baiestorf, além de ter integrado o elenco do projeto Lua Perversa, idealizado por este que aqui escreve entre os anos de 2009 e 2012 – e possui textos publicados no e-book e no blog Mal do Horror e no zine e blog Impresso Marginal. Para esta edição, Alan nos trouxe uma história sinistra, quase uma fábula macabra, vista pelo olhar intrigante de uma criança.

            Esperamos que essa seja apenas a primeira de muitas edições e que este fanzine possa ser um ponto de contato entre autores e leitores aficionados por relatos oriundos dos recônditos escuros da noite. 
 
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         Boa leitura!

30 de jan. de 2021

CALAFRIO E MESTRES DO TERROR

Os grandes clássicos dos quadrinhos nacionais

Por André Bozzetto Junior

          Entre os diversos gêneros de histórias em quadrinhos que vieram a fazer sucesso – tanto em volume de vendas quanto em qualidade do material produzido – na prolífica trajetória da nona arte no Brasil, um dos que mais se destacou, com toda certeza, foi o Terror. Desde as décadas de 1930 e 1940 passou-se a ter alguma singela produção que, com a aceitação do público leitor e o despontar de artistas extremamente gabaritados, foi tomando fôlego de forma progressiva, até atingir o seu auge entre os anos de 1970 e 1980 e encontrar a decadência na primeira metade da década de 1990, onde a crise econômica da Era Collor, minou o poder de compra dos leitores e tornou o caro processo de impressão de revistas praticamente insustentável, levando inúmeras publicações ao cancelamento e editoras à falência.

          Durante a "Era de Ouro" dos quadrinhos de terror no Brasil, tivemos algumas publicações que se tornaram clássicas e até hoje são referência – não apenas da parte dos fãs, mas também de estudiosos do tema – pela qualidade do material publicado e pelo sucesso obtido junto a leitores ocasionais e colecionadores. Entre essas, é impossível deixar de mencionar as lendárias Kripta (RGE), Spektro (Vecchi), Capitão Mistério apresenta (Bloch), com suas infindáveis séries derivadas, Calafrio e Mestres do Terror (D-Arte). E são exatamente as duas últimas que se constituem no foco deste breve artigo, não apenas em função da minha predileção pelas mesmas, mas também por serem as únicas que continuam sendo editadas atualmente.

          A revista Calafrio passou a ser publicada em 1981, em São Paulo, pela editora D-Arte, surgida como uma derivação do estúdio de mesmo nome que prestava serviços a outras editoras, tendo como fundadores o argentino Rodolfo Zalla e o italiano Eugênio Colonnese, considerados por muitos como os maiores quadrinistas de terror que já atuaram em terras brasileiras. A publicação era impressa em preto e branco, com papel jornal no miolo e capa plastificada, no formato aproximado de 18 x 26 cm. Logo de cara, chama a atenção o extremo capricho com as capas, sempre ostentando belíssimas ilustrações que certamente contribuíam para atrair o interesse dos leitores nas bancas. No interior da revista, não era diferente. Os desenhos, geralmente excelentes, aliados a roteiros compostos por histórias quase sempre curtas e “avulsas” – que não demandavam conhecimento prévio ou obrigatoriedade de se continuar acompanhando futuras edições para conhecer o final – agradavam ao leitor esporádico e não comprometiam o interesse do colecionador. Os enredos em diversas ocasiões consistiam em adaptações de contos clássicos de autores estrangeiros, parecendo haver uma predileção por Edgar Allan Poe, mas na maioria das vezes eram histórias totalmente originais, abordando assombrações, vampiros, lobisomens, demônios e todo tipo de criaturas típicas do gênero.

          Neste ponto, creio ser muito válido mencionar aquela que provavelmente seja uma das características mais cativantes da revista, responsável por parte do grande apreço que possuo pela mesma, e que consiste justamente na brasilidade inerente à maioria das histórias. Ao longo da série há um constante desfiar de narrativas macabras vivenciadas por pessoas comuns, como o taxista da esquina, o açougueiro do bairro, eu ou você. São tramas que se passam nos subúrbios das grandes cidades, nas sombras perigosas dos arranha-céus de suas áreas centrais, nos recônditos isolados de cidadezinhas do interior, em áreas de matas afastadas ou nos sertões que entrecortam diversas regiões do nosso país. Figuras mitológicas oriundas de "causos" difundidos em nossa tradição oral e reminiscências do folclore popular e lendas urbanas seguidamente dão as caras, geralmente nas versões mais terrificantes possíveis. Tudo isso com aquela deliciosa “aura de anos 80”, que tanto agrada os nostálgicos de plantão, como este que aqui escreve.

          Alguns meses depois da Calafrio começar a ser publicada, a editora D-Arte coloca nas bancas a revista Mestres do Terror, supostamente com a intenção de pegar carona nas boas vendas da antecessora e reverter o prejuízo acumulado com a publicação do faroeste Johnny Pecos, cujo fracasso de vendas ocasionou o seu cancelamento na quarta edição. Em termos gerais, a Mestres do Terror seguia os mesmos moldes da Calafrio, tanto no que diz respeito ao material de impressão, quanto no esmero com as belíssimas capas. A já referida brasilidade das narrativas também estava ali, encantadoramente incrustada em muitas das histórias, até porque, boa parte dos roteiristas eram os mesmos em ambas as revistas.

          Em termos de diferencial, a Mestres do Terror tinha como marca registrada apresentar em cada edição algumas histórias com personagens recorrentes, ainda que em pequenos arcos fechados, que podiam ser compreendidos e apreciados sem a necessidade de se ler outras edições. Entre esses personagens, podemos citar os monstros clássicos imortalizados tanto na literatura como no cinema, a exemplo do Conde Drácula, Monstro de Frankenstein (em sua versão inspirada pelos lendários filmes em preto e branco da Universal), Kharis, a Múmia, além de personagens criados por artistas daqui, como Von Bóros, o Lobisomem, de Gedeone Malagola, Mirza, a Mulher Vampiro e o Morto do Pântano, idealizados por Eugênio Colonnese, entre outros.

          No que se refere aos roteiristas e desenhistas que transitaram pelas páginas das revistas, fica até difícil destacar algum em particular, pois havia uma profusão de grandes talentos como R. F. Lucchetti, Mozart Couto, Flávio Colin, Rubens Cordeiro, Ota, Jayme Cortez, Júlio Shimamoto, além dos já referidos Zalla e Colonnese, entre vários outros não menos gabaritados. Particularmente, sempre fui um grande fã das histórias do Ota – o reconhecidíssimo Otacílio Costa d'Assunção, lenda do meio dos quadrinhos nacionais, não apenas como artista, mas também como editor – pois muitos dos seus roteiros ambientavam as ações em gafieiras, bordéis, bairros decadentes, subúrbios sinistros, espeluncas diversas e estabelecimentos comerciais para lá de suspeitos, o que reforçava o tom de terror tipicamente brasileiro das narrativas, além das mesmas virem ocasionalmente pontuadas por perspicazes doses de ironia e humor negro.

          Infelizmente, em 1993 ambas as revistas foram canceladas. Calafrio parou na edição 52, tendo tido também cinco números especiais publicados. Mestres do Terror foi até o número 62, além de ter recebido quatro edições especiais.

          Em 2002, a editora Opera Graphica lançou um álbum especial comemorativo intitulada Calafrio – 20 Anos Depois, contando com histórias de autores como Eugênio Colonnese, Mozart Couto e Jayme Cortez, entre outros.

          No ano de 2011, Rodolfo Zalla decidiu ressuscitar a Calafrio com a alcunha “Edição de Colecionador” em parceria com a editora CLUQ. Apesar de retomar a publicação a partir no número 53, onde havia parado na editora D-Arte, a revista estava diferente, tanto nos aspectos de editoração quanto de impressão e, mesmo possuindo conteúdo de inegável qualidade, a baixa tiragem aliada ao elevado preço de capa e às restrições de distribuição fizeram com que o projeto tivesse vida curta, sendo cancelado na edição 64, em função das vendas inexpressivas.

          Depois de mais alguns anos de hiato, a Calafrio volta a ser publicada em 2015, quando Zalla fecha um acordo com os editores Daniel Saks e Fábio Chibilski, do selo Ink&Blood Comics. As novas edições, que notadamente procuram retomar os aspectos editoriais da séria clássica – acertadamente, diga-se de passagem – recomeçam a numeração de onde a editora D-Arte havia parado, ou seja, a partir do número 53. De quebra, a Mestres do Terror é igualmente trazida de volta da sepultura, depois de décadas de hibernação, também retomando a publicação de onde havia parado no início dos anos 90, ou mais especificamente, do número 63. Pouco tempo depois, Fábio Chibilski se desliga da edição das revistas para se dedicar a outros projetos e, com o falecimento de Rodolfo Zalla em 2016, Daniel Saks assume sozinho o papel de levar adiante a publicação de ambas. Editadas inicialmente sem uma periodicidade rígida, atualmente a Calafrio é publicada nos meses de abril, junho, outubro e dezembro, se encontrando na edição 69, e a Mestres do Terror, lançada nos meses de fevereiro e agosto, está no número 73.

          Publicadas de forma independente – e, inicialmente, quase amadora – as revistas da Ink&Blood Comics vêm apresentando uma notável evolução, tanto no que diz respeito a diagramação e impressão, quanto no que se refere ao conteúdo. Com a acertada proposta de republicar eventualmente algumas histórias clássicas de fase áurea, tanto a Calafrio quanto a Mestres do Terror têm aberto espaço para novos talentos dos quadrinhos nacionais, além de ter o grande mérito de trazer de volta às páginas diversos colaboradores da D-Arte que, com reedições de material raro ou conteúdo inédito, vêm abrilhantando cada novo número. Sidemar de Castro, Ivan Lima, Toni Rodrigues, Gian Danton e Bené Nascimento – o internacionalmente aclamado Joe Bennett – são alguns dos nomes encontrados nessa fase atual das revistas.

          Em um mercado editorial completamente diferente daqueles anos dourados da década de 1980, onde as bancas de revistas se encontram em extinção e até grandes editoras enfrentam problemas e recebem críticas em função de dificuldades de distribuição, e, principalmente, com um público leitor de quadrinhos muito menor do que no passado, é admirável a iniciativa da Ink&Blood Comics de manter a publicação das duas revistas, apesar do lento e baixo retorno financeiro. Percebe-se o profundo respeito com que o legado da Calafrio e da Mestres do Terror é tratado, e, apesar da natural necessidade de se adequar aos tempos atuais, o glorioso passado de ambas as publicações nunca é perdido de vista.

          Tanto com os autores novos quanto com os antigos, o que se lê, na grande maioria das vezes, são roteiros de alto nível, que atualizam o terror para os dias de hoje, mas ainda fazendo jus à tradição construída no passado. Na Mestres do Terror, por exemplo, novos personagens recorrentes passaram a dar as caras, renovando ou incrementando o plantel de monstros clássicos, sendo que podemos citar a vampira Anya, a Filha de Drácula, criada por Laudo Ferreira e Lillo Parra, e A Coisa do Tietê, também de Parra, entre outros.   Quanto aos desenhistas, a maioria é igualmente digna de mérito, embora alguns possuam um estilo de traço que parece não combinar muito bem com a temática das revistas – algo por diversas vezes mencionado por leitores nas sessões de correspondência das publicações. E por falar nas sessões de correspondência, elas se constituem em mais um elemento de ligação entre as diferentes fases das revistas, uma vez que as mesmas eram inegavelmente apreciadas no passado, não apenas pelo humor involuntário contido nas cartas de muitos leitores, mas também pelo tom irônico e por vezes ríspido das respostas por parte dos responsáveis, sobretudo do saudoso Reinaldo de Oliveira, um reconhecido ranzinza. Ao manter esse canal direto com o público, o editor possibilita um maior engajamento dos fãs junto às revistas.
 
          Calafrio e Mestres do Terror estão entre o que de melhor já se produziu em termos de quadrinhos de terror nacionais, sendo que vale muito a pena garimpar as edições antigas e acompanhar as publicações atuais, uma vez que elas representam não apenas um inegável elo de ligação com um passado saudoso para o público nostálgico, mas também possuem potencial suficiente para proporcionar um entretenimento de qualidade para todos os fãs, tendo ainda o mérito de possuir um preço de capa extremamente acessível quando comparado ao que se publica em termos de quadrinhos no Brasil atualmente.

       Para se adquirir as revistas, pode-se entrar em contato diretamente com o editor Daniel Saks através do e-mail: revistacalafrio@gmail.com