16 de abr. de 2021

O NOVO MORADOR

 

 

Por Adriano Siqueira

 

            O apartamento 213 estava com um novo morador. O rapaz tinha aproximadamente 33 anos e usava roupa social. Ele andou pelos apartamentos do seu andar para se apresentar aos vizinhos. Muitos acharam o rapaz estranho por ter cicatrizes profundas no rosto. 
 
            Quando ele bateu na porta do último apartamento para se apresentar, um garoto aparentando 10 anos abriu a porta e se assustou. Correu para dentro gritando que o caçador apareceu.
 
            O casal e uma adolescente de 17 anos viram ele sorridente na porta. Mandaram ele ir embora, mas o rapaz da cicatriz só sorriu e disse: "Vocês já me causaram problemas demais". Empurrou toda a família para dentro da casa e trancou a porta.

            Tirou o cinto da sua calça e movimentou várias vezes até que ficou reto e endurecido como uma estaca de madeira pontuda. Era uma arma da sua agência de caçadores. Enfiou no coração do homem de 40 anos e ele gritou enquanto seu corpo virou poeira. "Maldito seja!" foram suas últimas palavras. A mulher segurou o rapaz enquanto a adolescente, com suas unhas afiadas rasgou a sua barriga. O rapaz colocou a mão no bolso da sua calça e puxou um frasco de plástico bem sensível e arrebentou na cara da mulher que o soltou com rapidez e começou a gritar em agonia com seu rosto todo queimado pela água benta. Ele recuperou a sua barra pontuda e enfiou no coração dela.
 
            A adolescente mostrou seus caninos pontiagudos e correu em direção ao seu pescoço. O rapaz chutou uma mesa em sua direção que a desequilibrou e caiu atordoada. O rapaz agiu e enfiou a barra no seu coração. Ela gritou muito antes de virar poeira.
 
            Ainda faltava o garoto de 10 anos. Ele deveria estar em algum lugar na casa escondido. O rapaz tinha que destruí-lo antes dos vizinhos descobrirem o que estava acontecendo. Abriu a porta do quarto do garoto e o viu sentado na cama jogando videogame. Ele se aproximou vagarosamente e o garoto olhou para ele e depois voltou a jogar.
 
            Os dois olharam a tela do jogo. O rapaz perguntou se faltava muito e o garoto respondeu dizendo que era a ultima fase. Ele sentou ao lado do garoto e ficou lá paciente até ele terminar.

14 de abr. de 2021

A REVELAÇÃO KYNGÁ

 

                                                                    

 Por André Bozzetto Junior

 

            – Ora, mas que surpresa agradável! Vini! Meu velho amigo Vinicius! – exclamou Roberto ao abrir a porta de forma receptiva.

            – Olá, Roberto. Eu estava passando casualmente por aqui e vi que tinha luz na casa. Então resolvi parar e pedir como está a pequena Taís.

            – Mas claro! Entre, entre! Você não vai acreditar: a Taís está ótima! Completamente curada!

            – É mesmo?! Graças a Deus! Então todos esses meses de quimioterapia em Porto Alegre trouxeram resultado...

            – Na verdade a quimioterapia ajudou pouco. A cura estava em outro lugar. Mas, sente-se! Aguarde um minuto até que pego algo para bebermos.

            Enquanto Roberto se afastava, Vinicius não pode deixar de perceber alguns nuances estranhos em seu comportamento. Ele estava agitado, se movendo de forma quase frenética e falando em um tom de voz que era ao mesmo tempo alto e apressado, evidenciando uma empolgação que não era comum a sua habitual conduta discreta e austera. “Deve estar exultante em função da recuperação da filha”, pensou.

            Roberto retornou trazendo dois copos de uísque. Entregou um nas mãos de Vinicius e sentou-se na poltrona diante dele.

            – Vini, vou lhe contar algo incrível! – disse o anfitrião, com um grande sorriso nos lábios e um brilho inquietante no olhar – Você não vai acreditar no que eu descobri! Lembra-se dos tempos de faculdade, quando comentávamos sobre os índios Kyngá?

            – Mais ou menos. Lembro de algumas especulações que foram levantadas em meio às discussões antropológicas. Pelo que eu sei trata-se de uma lendária tribo de guerreiros nômades que vagava por toda a região meridional. Parece-me que seria uma derivação dos Kaingang.

            – Não! – retrucou Roberto, com certa rispidez – Apenas o tronco linguístico é o mesmo. É um grupo completamente diferente. Tanto que enfrentou os Kaingang e os Guarani na “Grande Guerra dos Pampas”, que ocorreu antes da chegada dos espanhóis.

            – Pode ser... – disse Vinicius, com constrangimento – Você sempre se interessou mais pelo estudo dos povos indígenas do que eu. Mas, de qualquer forma, lembro-me também que na época os professores alertavam para o fato de que não havia evidências científicas que atestavam a real existência dessa tribo.

            – Pois saiba que eles estavam errados! – gritou Roberto, saltando da poltrona com grande empolgação – Eu os encontrei! Sim, depois de exaustivas e onerosas buscas eu finalmente encontrei a tribo Kyngá no interior de Bagé!

            – Você encontrou os descendentes daqueles índios...?

            – Não! Eu encontrei a tribo original! O grupo que já circulava por estas terras séculos antes da chegada dos europeus!

            – Mas, Roberto... Como seria possível? – questionou Vinicius, tentando dissimular suas crescentes desconfianças quanto à saúde mental do amigo.

            – Eles não morrem, Vini... – sussurrou o anfitrião, com os olhos arregalados e expressão nitidamente perturbada – Pelo menos não do mesmo jeito que as pessoas normais!

            A partir desse momento, Vinicius desistiu de tentar dissimular suas preocupações. Levantou-se do sofá de forma abrupta e caminhou na direção do amigo.

            – Escute, Roberto... Será que você não está bebendo demais? Espero que não se ofenda, mas penso que...

            – Eu posso provar, Vini! – interrompeu Roberto, sacudindo o visitante pelo braço – Posso provar com facilidade! Ou melhor: a Taís vai lhe provar!

            – A Taís?! Que relação ela tem com essa história?

            – Foram os Kyngá que a curaram, Vini! Por Deus, foi preciso um grande sacrifício, mas eles a curaram! Marta sabia que valeria a pena se sacrificar!

            – Marta?!

            – Sim, a minha esposa, Marta. Ela concordou com tudo.

            – Roberto, eu não entendo o que você está dizendo...

            – Nós precisávamos provar aos Kyngá que éramos dignos de receber a ajuda deles. Então Marta aceitou se sacrificar. Ela foi devorada, Vini! Foi devorada por toda a tribo em um grande banquete lunar! Mas foi por uma boa causa.

            – Meu Deus, Roberto! Você está louco! Está completamente louco!

            Vinicius se desvencilhou e deu dois passos na direção da porta, fazendo menção de que iria embora. Porém, Roberto tornou a agarrá-lo pelo braço – desta vez de forma mais agressiva – e puxou-o através de um pequeno corredor que conduzia a outro aposento. Contrariado, o visitante preparava-se para protestar quando, já em um quarto diferente, teve diante de si a visão mais bizarra da qual poderia se recordar em seus trinta e poucos anos de vida.

            O aposento em que tinham acabado de adentrar possuía todas as paredes e janelas revestidas por pedaços de isopor e caixas de ovos, que desempenhavam a clara função de proporcionar um isolamento acústico ao ambiente. No meio do quarto havia um único objeto: uma jaula de pouco mais de dois metros de altura, composta por grossas e robustas barras de ferro. No seu interior estava Taís, a filha de Roberto. A menina, que tinha oito anos de idade, usava um vestido azul com detalhes em branco. Os cabelos loiros que pendiam em cachos de sua cabeça eram escassos, se comparados a outras épocas, e denotavam a fragilidade natural decorrente de um tratamento quimioterápico. Contudo, esse era o único sinal de debilidade que Vinicius identificou na criança. Em todos os outros aspectos ela parecia muito bem, de forma que o visitante chegou a supor intimamente que ela parecia possuir naquele instante uma vivacidade maior do que em qualquer outro momento do passado. Porém, havia algo em seus grandes olhos azuis que gerava desconforto. Um brilho anormal, que parecia denotar um misto de força, ódio e até mesmo perversidade. Vinicius – que até então vinha sendo dominado por uma crescente sensação de angústia – teve um calafrio e sentiu suas pernas vacilarem sutilmente ao ser encarado pela menina.

            – Roberto, eu não sei o que significa tudo isso... Mas eu vou embora e chamarei a polícia! Chamarei a polícia agora mesmo!

            – Ora, Vini! Não seja tão melodramático! – exclamou Roberto, com um sorriso doentio realçando-lhe as feições – Você está assim por causa da jaula? Pois saiba que ela é provisória. Estou confiante de que, dentro de pouco tempo, a Taís vai aprender a lidar melhor com a sua nova natureza e então não precisarei mais prendê-la. Creio que em breve ela poderá circular livremente, mesmo nas noites de lua cheia, como hoje.

            – Meu Deus! Eu não...

            – Lobisomens, Vini! – interrompeu Roberto, com um gesto teatral – Os Kyngá são todos lobisomens. Não é a toa que foram chamados em outras épocas de “Os Guerreiros da Lua Cheia”. Agora a minha pequena Taís é como eles... Não vai mais envelhecer, não vai mais adoecer... Nem vai morrer, desde que tenha o cuidado de evitar a prata. Mas convenhamos: essa é uma precaução perfeitamente aceitável, não é mesmo?

            Vinicius permaneceu em silêncio. Estava pasmo com as palavras delirantes do amigo. Sua única vontade era ir embora. Mas Roberto interveio de forma providencial.

            – Certo, certo! Estou vendo que o seu ceticismo só aumentou com o passar do tempo, Vini! Já vi que minhas palavras não bastam para convencê-lo. Está esperando um prova para finalmente acreditar, não é mesmo?! Pois que assim seja!

            Rapidamente, Roberto se embrenhou através do mesmo corredor através do qual havia conduzido o visitante e, depois de breves instantes que para Vinicius pareceram uma eternidade, retornou trazendo no colo um filhote de pastor alemão. Aproximou-se de jaula e colocou o pequeno cão para o lado de dentro. Em seguida, dirigiu-se para a menina – que observava o animal com um sorriso macabro nos lábios – dizendo:

            – Vamos, Taís! Mostre para o tio Vinicius a sua força! Mostre! Mostre!

            Prontamente, a menina consentiu, primeiro emitindo um urro tão potente que pareceu impregnar o ambiente de forma ensurdecedora, e em seguida entrou em um processo de metamorfose tão horrendo e desconcertante que fez com que Vinicius inconscientemente recuasse até a parede levando as mãos à cabeça, consternado. Diante do olhar apavorado do visitante e do sorriso triunfante do pai, o corpo delicado da criança se transformou em um ser monstruoso, coberto por uma espessa pelagem marrom e possuidor de presas e garras tão longas quanto afiadas. Seus olhos adquiriram tons avermelhados que pareciam flamejar e potencializar o brilho odioso e perverso de outrora. Dentro de poucos instantes, não havia mais nenhum vestígio da menina. Em seu lugar estava tão somente um monstro de feições lupinas aterradoras, tão grande que mal cabia na jaula.

            O pequeno cachorro – que até então tentava fugir desesperadamente se espremendo contra a tela de arame que revestia a parte inferior da jaula – foi agarrado pelo lobisomem que, em um gesto tão ágil quanto brutal, enfiou-o inteiro dentro de sua enorme bocarra e o mastigou de forma grotesca, fazendo os ossos estalar e o sangue verter por entre seus lábios hediondos.

            O horror desta visão foi demais para a mente abalada de Vinicius. Entregando-se definitivamente ao pânico, ele gritou de forma estridente e desesperada, para em seguida partir em uma fuga alucinada através do corredor. Atravessou a sala rapidamente e, quando chegou à porta principal da residência, começou a chorar de desespero ao constatar que a mesma estava trancada e a chave não estava ali. Sequer teve tempo para cogitar uma via de escape alternativa. Sentiu uma dor aguda na parte de trás da cabeça e depois tudo foi envolvido pelo silêncio e pela escuridão.

            – Estúpido! – vociferou Roberto, empunhando o martelo ensanguentado com o qual atingira o antigo colega de faculdade – Pessoas como você querem tanto conhecer a verdade, mas quando a tem diante dos olhos não conseguem suportar o peso da revelação. Gente assim não é digna de conhecer os mistérios que rondam por entre as sombras da noite.

            De forma um tanto desajeitada, Roberto começou a arrastar o corpo de Vinicius para o quarto da jaula, deixando para trás um pegajoso rastro de sangue no assoalho.

            – Pelo menos amanhã a minha querida Taís não precisará comer carne de cachorro...

 

* Conto publicado originalmente no livro Extraneus - Vol. 2: Quase Inocentes (org. M.D. Amado), de 2011.        

12 de abr. de 2021

ENTREVISTA COM ADEMIR PASCALE

 

Ademir Pascale


 

Primeiramente, gostaria de pedir para que você fizesse uma breve apresentação aos nossos leitores, falando sobre seu envolvimento com a literatura fantástica:

Ademir Pascale: Agradeço pelo interesse no meu trabalho. Bom, antes de adentrar no universo da literatura fantástica, fui pesquisador, colunista/colaborador da Revista UFO, a maior revista de ufologia da América Latina, além do site “Sobrenatural.Org”, que abordava matérias sobre assuntos paranormais. Escrevi inúmeros artigos, entrevistei várias pessoas e isso ajudou muito no meu conteúdo na criação de histórias, títulos para coletâneas, etc. Depois fiz Letras, conheci obras clássicas, autores como Edgar Allan Poe, Mary Shelley, Bram Stoker, Irmãs Bronte, entre outros. Minha primeira publicação num livro foi na obra Caminhos do Medo, da editora Andross, isso em 2008. E em dois anos (2008-2010) publiquei em várias outras antologias. Em 2009 criei minha primeira coletânea, intitulada “Draculea – O Livro Secreto dos Vampiros”. Esse livro teve grande procura pelas livrarias e mídia. Teve muita gente no lançamento. Foi um sucesso. Em seguida veio o “Metamorfose”, que seguiu o sucesso do Draculea. Publiquei várias antologias pela editora All Print, publiquei romances por diversas editoras e a antologia “Possessão Alienígena”, pela Editora Devir. No total, participei em mais de 70 livros, como contista, prefaciador e romancista. Em 2015 criei a Revista Conexão Literatura (www.revistaconexaoliteratura.com.br) e hoje temos mais de 150 mil leitores.

Parece haver consenso entre uma parcela significativa de leitores, autores e mídia especializada acerca de um ótimo – ainda que curto – ciclo dentro da cena da literatura fantástica nacional que durou de 2009 até aproximadamente 2014, onde houve uma profusão de antologias, séries, coletâneas, sites e blogs especializados, eventos e publicações de livros solo de muitos autores nacionais que conseguiram espaço para expor seus trabalhos em editoras de pequeno, médio e até grande porte. Muitos consideram que você foi um dos responsáveis pelo boom dessa época, tendo organizado várias antologias que hoje já são consideradas clássicas no gênero, como Draculea: O Livro Secreto dos Vampiros (2009), Metamorfose: A Fúria dos Lobisomens (2009), Poe 200 Anos (2010) e Draculea: O Retorno dos Vampiros – vol. 2 (2010), que acabaram por revelar autores que a partir de então construíram carreiras sólidas não apenas escrevendo, mas também atuando como editores e organizadores, sendo que podemos citar Adriano Siqueira, M. D. Amado e Duda Falcão, entre vários outros. Eu mesmo, depois de participar de duas das suas antologias, publiquei livros como Na Próxima Lua Cheia (2010) e Jarbas (2011), que esgotaram suas tiragens, o que não deixa de se configurar em sucesso para editoras de pequeno e médio porte. Hoje, passados mais de dez anos, como você avalia aquele momento e o legado deixado por aquele ciclo?

Ademir Pascale: Aprendi muito naquela época. Não fui o primeiro a fazer esse trabalho, mas um dos primeiros. Sempre fiz tudo com muito carinho e amor, por isso acredito que bons livros foram lançados. Hoje, muitos editores fazem coletâneas e dou muito valor para elas. O autor aprende sendo publicado, mostra o seu trabalho e adquire conhecimento e novos leitores.

Como mencionamos anteriormente, apesar de intenso, aquele ciclo não teve longa duração. Se pesquisarmos na internet, veremos que a quase totalidade dos sites e blogs sobre literatura fantástica surgidos naqueles períodos estão abandonados há muito tempo, ou já não existem mais. Os eventos também arrefeceram, mesmo antes da pandemia. A grande maioria dos autores que participaram das suas antologias deixaram a produção literária de lado – muitos sem nunca ter conseguido publicar um livro solo, apensar da inegável qualidade de seus trabalhos – e as oportunidades junto às editoras parecem significativamente menores hoje em dia do que na década passada. Na sua opinião, qual seria o motivo – ou os motivos – para que aquela cena não tenha conseguido se perpetuar?

Ademir Pascale: os anos passam e tudo vai mudando com o tempo. Hoje existem centenas, senão milhares de blogs literários, sendo que na maioria das vezes são jovens que administram seus conteúdos, além de alguns youtubers que lidam apenas com literatura. Acredito que além de tudo, é preciso gostar do que faz e seguir a modernidade, não desistir nunca.

Atualmente, parece que muitas editoras, e até mesmo autores, de forma independente, têm se voltado para a publicações de e-books para serem comercializados e distribuídos via internet e lidos em dispositivos digitais. Você acredita que isso seria uma alternativa para as dificuldades de se conseguir publicar em meio impresso e atingir o público leitor dessa forma, ou seria uma nova tendência do mercado, com cada vez mais leitores optando por esse tipo de leitura?

Ademir Pascale: as duas coisas: uma alternativa e uma nova tendência do mercado. Os e-books são muito mais rápidos que os impressos, mais econômicos e fáceis de distribuir. Eu mesmo criei o selo “Conexão Literatura” e publiquei cerca de 15 e-books em menos de 1 ano. Todos eles estão disponíveis gratuitamente para download e a maioria poderá ser baixado no site: www.divulgalivros.org

Nos dias atuais, se tornou bastante comum vermos notícias de grandes livrarias anunciando recuperação judicial, pequenas fechando as portas e editoras encerrando atividades ou reduzindo severamente seu ritmo de publicações. Alguns dizem que isso seria reflexo da crise econômica brasileira, que já se arrasta há vários anos, outros acham que o público leitor vem diminuindo. O que você pensa a respeito?

Ademir Pascale: não acho que o público leitor está diminuindo, muito pelo contrário. Existem muito mais leitores do que naquela época em que fazíamos antologias impressas, em 2009 ou 2010. O que acontece é que nossas livrarias não tem apoio do governo, como acontece em Portugal e outros países da Europa. Os livros são caros para o bolso do brasileiro. Não incentivam à leitura e não entra na cabeça desse pessoal que os livros e a educação são primordiais para um país crescer.

Como você avalia, de maneira geral, a atual cena da literatura fantástica nacional, em termos de volume de publicações e qualidade do material publicado?

Ademir Pascale: existem editoras que estão a todo vapor, como a DarkSide Books, com livros de qualidade. Eu, como editor e escritor, faço o possível para difundir cada vez mais a literatura fantástica, seja nas edições mensais da Revista Conexão Literatura, no site da revista, redes sociais e através dos e-books do selo “Conexão Literatura”.

Acredita que ainda há espaço para blogs como o nosso Relatos Noturnos?

Ademir Pascale: Claro. Como disse antes, se você gosta do que faz e faz isso com amor, você irá longe e certamente agregará ainda mais.

Para concluir, gostaria de pedir para você nos falar um pouco sobre seus projetos atuais e como os leitores do blog podem ter contato com o seu trabalho:  

Ademir Pascale: Bacana. Os leitores poderão conhecer a minha revista literária, acessando o site: www.revistaconexaoliteratura.com.br
Nossas redes sociais:
Os editais em aberto das nossas antologias (e-book), os leitores poderão conferir acessando a página: http://www.revistaconexaoliteratura.com.br/p/editais-para-antologias.html. Forte abraço.
 
André Bozzetto Jr. e Ademir Pascale no lançamento do livro Na próxima Lua Cheia. São Paulo, 2010.

 

9 de abr. de 2021

IRMÃOS GÊMEOS

 

 

Seu corpo é toda sedução
Uma ilusão
(Barbarella)

 

            Hoje é o meu aniversário, mas minha mãe está mais triste do que de costume. Ela só consegue pensar no meu irmão gêmeo, que sumiu sem deixar vestígios há pouco mais de um ano.

            Muito foi investigado, muitas teorias foram levantadas, mas ele jamais foi encontrado. A versão oficial é que ele simplesmente sumiu durante a noite, enquanto acampávamos na Floresta das Três Cachoeiras, perto aqui de casa.

            Eu disse para todo mundo que acordei de manhã e ele simplesmente não estava mais lá. Como havia bebido muito durante a noite, se acredita que possa ter caído no rio, e estando bêbado, teria sido arrastado pela correnteza. Mas, não foi nada disso que aconteceu. Eu sei da verdade, e o peso desse segredo parece apertar o meu coração, cada dia mais.

            Fomos pescar e acampar na mata, como já fizemos inúmeras outras vezes desde a infância. Todo mundo aqui da região sabe que há uma “zona proibida” na floresta, onde não se deve entrar. Estávamos fora dela, mas, mesmo assim algo de muito ruim aconteceu naquela noite.

            Já era bem tarde quando ela apareceu do nada. Uma moça linda, de cabelos longos e negros. Estava completamente nua, e como se não bastasse aquele corpo espetacular, ainda tinha um brilho estranho no olhar, que parecia hipnotizar.

            Apesar do enorme susto, comecei a ouvir uma voz ecoando na minha cabeça, me chamando até ela. Havia também um nome... AYARA!

            Apesar da tremenda atração despertada por aquele corpo sensual e aquela voz sedutora, logo entendi que aquilo era algo do mal, demoníaco, e me esforcei para resistir. Mas o meu irmão, que já estava bêbado, foi uma presa fácil. Correu na direção da moça, e antes que eu pudesse fazer qualquer coisa para impedir, ela o agarrou e o arrastou para dentro da escuridão da mata, tão rápido que parecia terem saído voando.

            Então eu ouvi ele gritando. Foi tão terrível que até hoje só de me lembrar eu começo a tremer e fico todo arrepiado. Tive vontade de procurar por ele na mata, pensei em voltar correndo para casa e pedir ajuda, mas o medo era tanto que não fiz nem uma coisa e nem outra. Fiquei ali, paralisado, em choque.

            Não sei quanto tempo se passou. Talvez tenha sido muito, talvez tenha sido pouco. Quando dei por mim, o céu já estava começando a mudar de cor, dando a entender que iria amanhecer em breve.

            Me espantei quando ouvi passos na mata, vindo em direção ao acampamento, mas susto maior levei quando Clécio surgiu às minhas costas. Quero dizer, parecia o meu irmão, mas não era mais ele. Agora era algo perverso, maligno.

            Tentei me levantar para sair correndo, mas minhas pernas pareciam pesadas como chumbo. A coisa tinha presas pontiagudas e olhos avermelhados. Quando ele espichou o braço para me agarrar, entendi que iria me matar! Tenho certeza que iria!

            Então ouvi passos novamente e alguém surgiu de dentro da mata. Um velho de barba branca e chapéu preto.

            O velho jogou algo no rosto do vampiro, e só depois fiquei sabendo que era água benta. A coisa urrou de dor e começou a se debater e andar em círculos, ao mesmo tempo em que seu rosto e peito começavam a derreter.

            Enquanto o vampiro cambaleava desorientado, o velho aproveitou para destampar outra garrafinha e despejar novamente o líquido sobre ele. Então seu corpo pegou fogo de vez, para em seguida se dissolver totalmente, em uma espécie de nuvem de poeira.

            Eu conhecia o cara que me salvou. Era o Bento, um velho esquisito que vivia em uma cabana na floresta, e que todos diziam entender dessas coisas do além. Um tipo de curandeiro, mago, ou algo assim. Ele me explicou que vampiros haviam aparecido recentemente na região, não se sabe vindos de onde, e que outras pessoas já haviam sido atacadas. Eu lembrei de dois desaparecimentos recentes na região, mas, obviamente, ninguém imaginava que se tratava de algo assim.

            Juramos guardar o mais profundo segredo sobre tudo que havia se passado ali, pois ninguém acreditaria mesmo, e ainda poderíamos ser acusados de assassinato. Bento recomendou que eu me cuidasse, e é o que tenho feito. Há mais de um ano que não saio de casa à noite. Nesse meio tempo, mais pessoas desapareceram misteriosamente.

            Confesso que todas as noites penso naquela linda vampira. Às vezes parece que a vejo lá fora, rondando a casa de madrugada. Sinto medo, mas também desejo. Tenho receio de uma hora não conseguir resistir, principalmente quando ouço aquela voz ressoando em minha mente pronunciando seu nome de forma sensual... Ayara... AYARA!

 

 

Por André Bozzetto Junior