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25 de out. de 2023

A DOULA

 

Por Clayton Alexandre Zocarato

 

A morte de crianças naquela maternidade estava se repetindo semanalmente para não dizer quase que diariamente.

A maioria das crianças tinha um óbito parecido, sufocamento misterioso por entre os canais do tubo de entubação endotraqueal.

O desespero dos pais era constante, pois ninguém conseguia presumir ou ter alguma opinião do que estava acontecendo, e que estava fazendo aquilo.

A Enfermeira Chefe, Graça, era a responsável pelo setor da maternidade, e tinha autorizado à contratação de novas Doulas, para que assim as futuras mamães ficassem mais seguras durante o trabalho de parto.

Graça sendo mãe, também estava estarrecida por tamanha barbaridade, mas estava investigando os laudos do necrotério para descobrir alguma pista que levasse até o culpado daquelas barbáries.

Dia após dia, as mortes seguiam acontecendo.

Graça resolveu então sondar de madrugada o setor de entubação dos recém-nascidos.

Mas todas as suas investidas eram em vão

– Se existe algum tipo de assassino, tinha que deixar algum tipo de marca ou digital, tem que haver alguma pista?

Passou a fazer hora extra por conta própria, vigiando e sondando polivalentes espaços do complexo hospitalar central.

A garrafa de café foi sua fiel companheira.

Certa noite se sentou a beira da monitoria da câmera de vigilância, e ficou olhando atentamente, até seus olhos pesarem.

De soslaio, meio dormente, ficou observando durante um bom tempo um vulto sombrio, que passou por entre as salas de recuperação dos pequeninos.

Um ser maligno, que fez seus nervos entrarem colapso, que lentamente deu a impressão de empurrar o cano de respiração dos bebês contra seus pulmões, que assim viesse a compreender, uma sensação de profundo medo que atravessou suas entranhas.

Ficou, alguns instantes encarcerada em si mesmo, pois não poderia crer no que estava presenciando.

Uma sensação de profunda tristeza e comoção a fez analisar de maneira pavorosa tudo aquilo.

– Que tipo de criatura poderia proporcionar tamanho terror perante seres tão indefesos?

Nada pode fazer nada, nessa noite mais dois bebes estavam mortos.

Começou uma investigação por conta própria e assim foi sendo levada para informações que a fizeram ficar mais estarrecida ainda. Algumas Doulas tiveram seus filhos contendo uma morte prematura, ao qual não havia uma explicação racional para tais eventos, o que a deixou ainda mais inquieta.

Foi até as fichas de inscrições de todas as Doulas, e percebeu que praticamente todas eram “solteironas”, e que não tinham filhos com pais presentes, ou simplesmente realizam suas atividades com um prazer insano e irresponsável, em se sentirem um pouquinho mãe, diante o vazio de suas vidas, sem ter um companheiro de fato presente.

Uma das fichas contendo o amarelado do tempo, a fez prestar atenção em torno de uma análise mais apurada.

Uma Doula, com o nome “Hela”, tinha sido demitida por conta de vários natimortos em seu currículo, e diante essa frustração havia cometido suicídio jurado se vingar de alguma forma das pessoas que tiraram seu emprego, e assim a privar-se, em apreciar o desenvolvimento de vida dos recém-nascidos.

Hela tinha um cabelo preto lindo pela foto, e um olhar que ao mesmo tempo despertava temor como amor.

– Que fim trágico teve essa moça, ao mesmo tempo em que poderia ter ajudado muitas vidas, diante seu fracasso deu fim a sua própria existência? Pensou consigo Graça.

Depois daquele, dia começou a intensificar seus plantões noturnos, mas pelos os dias seguintes nada de anormal tinha acontecido.

Todavia, depois desse período de calmaria, durante uma madrugada gélida, percebeu novamente um estranho vulto se aproximar da ala dos bebês.

Imediatamente saiu da sua condição letárgica e ao invés de ficar analisando pelo monitor da câmera foi até o local.

Para seu choque, apenas viu um vulto passar por entre as janelas, enquanto mais dois bebes estavam mortos.

Graça percebeu, que o vulto continha cabelos negros, e exalava uma sensação mista entre o ódio e o amor, mas que ao mesmo tempo estava diante de algo ou alguém que não tinha conexão com esse mundo.

No dia seguinte voltou até os arquivos do hospital, para investigar mais sobre Hela.

Ficou estarrecida.

Hela praticava secretamente eutanásia, e para manter o nome e reputação da instituição, foi mantida em segredo seus infanticídios, e assim Doula foi enviada para uma prisão antes, de acabar com a própria vida.

Entre suas investigações conseguiu descobrir, seu antigo endereço, para assim tentar sanar suas incertezas, foi até o local, e com o subterfúgio de realizar uma investigação acerca desses crimes, conseguiu a autorização da polícia para entrar no seu lar.

Assim que chegou as portas de uma casa como mofo pelas paredes do lado de fora,   sentiu um forte cheiro de carne ocre.

Era insuportável, precisou pegar uma máscara de proteção para conter o vomito que já estava em irrupção por sua boca.

Abriu a porta, e encontrou uma casa que reinava uma sensação terrível de vazio e medo.

Poucos móveis, empoeirados, dobradiças que rangiam sem parar, deixando uma sensação fantasmagórica, de que estava constantemente sendo observada.

Por um momento sentiu uma forte sensação de culpa.

 – Poderia “eu” ter feito algo por Hela, mas não fiz? Recebo o nome de Graça, mas isso tudo não tem graça nenhuma.

De forma sutil, em um pequeno sopro, que atravessa seus tímpanos, e que freneticamente faz suas palpitações aumentarem, tremores começam a tomar conta do seu corpo.

Não poderia mais negar uma verdade aterradora.

Hela estava presente nesse local.

– Bem minha querida, parteira a, até que enfim conseguir, chamar um pouco sua atenção.

– Já havia chamado minha atenção há tempos, sua renegada do inferno?   Por que fez isso com minhas crianças?

Hela solta uma gargalhada.

– Suas crianças? Que até antes de serem corrompidas pelos pecados, supostamente são suas, e que vão servir ao seu criador celestial, mas que ao longo da vida ficarão cada vez mais próximas de mim, desejando mais e mais o mundo material, e se afastando do espiritual, “Eu” apenas encurtei o caminho do fogo, matando-as e assim deixando seu fardo de proteção mais leve, minha Cara Graça.

As suas memórias espirituais começam a voltarem e ambas as Doulas se revelam, uma com ar brando de paz ternura, e a outra cheia de ódio e raiva.

Naquela casa, cheia de rachaduras, o bem e o mal estavam dialogando, acerca de como combater ambos, através do uso da inocência.

– Graça, deixe disso, vamos? Você mesmo sabe que cuidar desses pimpolhos, advindos do bem é inóspito, e que na maturidade vão ser mais um pouco de carne fresca para o inferno não vale um combate entre nós duas?

Graça responde...

– Não vou lutar contigo, afinal você nunca soube, o que é ter a pureza de uma criança, já foi feito a imagem e semelhança do mal. Minha existência vai ser socorrer e proteger aqueles pequeninos que não caiam em suas garras.

Um silêncio sepulcral toma conta do local, ambas deixam o local em direções opostas, enquanto um choro gritante é ouvido na maternidade, enquanto uma sombra ameaçadora se aproxima do infante, e uma Doula chega à recepção atrasada.

– Me desculpe pelo atraso, tive que conversar com uma mãe infeliz, que perdeu seus filhos e lhe dar amparo.

A chefa da maternidade a fita com desdém.

– Ahhhh... Graça, sempre arrumando graça com mulheres sem graça...     

E a vida continua a nascer continuadamente, e aterrorizantemente...

10 de out. de 2023

VIRTUOUS DELUSION...

 

Por Clayton Alexandre Zocarato

 

               Tudo ficará na escuridão...

             Um gosto de fel, submetido a sangue espalhado pela calçada, almejando a próxima vítima.

               As marcas da violência ficaram permutadas em cada beco escuro mal cheiroso daquela cidade, com um  gosto asco,  procurando conter encontrar algum significado para tamanha barbaridade humana.

         Toda a sua alma havia sido corrompida, por gritos intermitentes, de pecados, que poderiam serem consumidos, como um sinal de implorar para alguém, ou para algum ser, que assim aliviasse seu jugo mortal de selvageria, que viesse trazer algum alento para sua culpa.

               Não sabia ao certo o que seria depois de “sua passagem”.

               Se, encontraria com “Caronte ou com o próprio Anjo Da Morte”? Renascendo entre brumas de uma escuridão, que assim o fizesse conter alguma paixão, e voltasse a enxergar algum sinal de  clemência, perante todos os seus crimes.

               Estava agora, vegetando em uma cela, na companhia de ratos, com paredes repletas de mofos, e goteiras melodiosas no teto preste a cair,  que revelavam a estrutura precária daquela prisão secular.

            Do alto da janela defronte ao seu catre, via a corda entrelaçada, esperando-o  até o cadafalso.

               Sabia, se seu pescoço quebrasse, com impacto da queda, não haveria muito de sofrimento e que sua agonia estaria comiserada a um suspiro de piedade.

             Caso isso não acontecesse, iria padecer de uma penúria corporal tremenda, ao ficar se debatendo, de pendurado, sem conter o fluxo suficiente de oxigênio, que chegasse aos seus pulmões e assim pudesse lhe oferecer um pouco de ar, para tentar fugir daquele azar, de estar sendo o espetáculo principal, de uma conjuração de “justos homens”, que no fundo escondiam todas as suas precárias satisfações pecaminosas,  e de que  através das execuções sistemáticas, se escondiam entre os  seus delírios de justiça, que no mais só seria uma vingança perpetuada, contra aqueles que possuíam condições mínimas de vida e dignidade, demarcando assim para sempre um forte sentimento de concentração de classe para os mais humildes

               Tudo seria consumado em questões de horas.

               O carcereiro serviu sua última refeição.

            Um seboso prato de arroz, com um sobrecoxa de galinha gordurenta, proveniente do viveiro da prisão, que continha mais ossos do que carne.

            De inicio desdenhou de tudo aquilo, mas aos poucos foi “caindo sua ficha”,  em pouco tempo sua cela, seria um passeiódromo para os camundongos, que confortavelmente caminhavam por seu corpo cadavérico durante praticamente todas as noites, e que assim, a partir daquele momento estariam com todo o espaço físico do cárcere, para prosseguirem com suas proliferações pestilentas.

             Não estava com medo, mas também não estava de peito aberto para enfrentar os perigos, de passar para “o outro lado da vida”, onde sabia. não estaria em vantagem em barganhar algum tipo de clemência com o “Criador”.

               - Clemência?

              - Isso seria muito, para um ser humano como eu. Nunca tive esse sentimento por nenhuma de minhas vítimas, sendo assim, quando viesse a me subverter algum predicado de perdão, isso seria um próprio rebaixamento de minha moral, em ter  uma mente sádica, que se deliciava com qualquer tipo de dor alheia.

               Pensava ininterruptamente na sua carreira de Serial Killer.

               Foi perfeitamente virtuoso durante muitos anos em desafiar a policia, e a deixar investigadores, inspetores, e praticamente toda força de segurança pública em alerta geral, para que protegessem incessantemente,  todos aqueles infelizes da dita boa classe social, que escondiam em posições abastadas cretinas, bem como também não escondia sua repugnância pelos mais famigerados

                Matar para ele, era como tecer uma obra de arte doente, que assim revelava a pior face do ser humano, e pela qual continha um orgulho, que não era comum, tanto que quando foi encarcerado, não teve o menor receio de negar seus crimes.

               - Dancei prazerosamente meu frenesi de maldade, pelos quais toda civilidade  e inteligência hipócrita desses mortais patéticos, não foi capaz de dar conta de minha virtuosidade assassina, que não conseguiram parar, todo o meu saciar de sangue alucinado. Não poupei ninguém, desde crianças, velhos, mulheres, gays, héteros, lésbicas, pobres, empregados e patrões, ateus e crentes, minha lâmina dilacerou como nunca,  gargantas contendo, os piores tipos de injúrias, e aos quais fiz todos literalmente pagarem por suas línguas afiadas, arrancando todas elas, e demonstrando para essa corja de cretinos, que se dizem pessoas de bem, como as leis protegem apenas os que se submetem as suas vontades particulares e egoístas, que promovem as piores desigualdades, com um discurso funesto de ética,  visando manterem as tradições de ricos e abastados, que assim fazem com que os mais carentes fiquem sempre dependentes de seus desejos e boas vontades. Como também,  não perdoei  essa raça de esfomeados que promovem uma série de patéticos chamativos psicológicos socais, de sempre ficarem vivendo em uma pobreza, que muitas vezes não passa de uma desculpa esfarrapada, para continuarem na mendicância plena e eterna, vivendo nas custas dos outros.

               - Ou seja, me deliciei com todos, sem exceção, meus delírios assim  foram saciados, como uma sentencia infernal, dada pelo próprio Satã a mim, para assim lembrarem para toda a humanidade, que  vocês, tem contas para acertarem com o destino mais cedo ou mais tarde.

               - Deixei entranhas espalhadas por todos os cantos dessa cidade, que se diz tão temente a Deus, mas que se esquecem  que há muitos outros caminhos translúcidos para causar mortes brutais e destruição da paz alheia. Fiz do terror do assassinato, cores a serem pintadas,  cheios de dores, repletos de horrores, que deram um tom de melodia infernal, sem intervalo da imundice, que a alma humana detém em sua perfídia, situação de dependência material e metafísica, em se apegar a alguma crença, ou cultivo de ídolos e mitos, que viessem supostamente a afastarem todos de sua culpa particular.

            - Uma culpa que adorei fazer, com  esses  mortais, lembrando-os que mesmo quando se escondem perante seus quartos, eu pude realçar minha virtuosidade em matar-los,  e espalhar um sentimento de medo constante entre  essas  pessoas.

               - E como o medo é bom. É uma agastada situação de fugir do sistemático júbilo das regras sociológicas  mais imbecis, que nos eleva para uma realização individual, de colocar todos nossos desafetos, perante nosso jugo, e assim ser tanto juiz, como promotor, que faz com que implorem por suas vidas, enlatadas pelos seus pecados mais sórdidos, que mesmo assim ficam na hipocrisia de se fazerem de “bonzinhos”, mas que no fundo não passam de mais algum criminoso, senil, cruel e vagabundo como eu sou.

           - A única diferença minha entre vocês ditos pessoas inocentes, para mim, é que não tenho vergonha nenhuma em admitir e fazer minhas monstruosidades, seja elas com quaisquer pessoas, e que assim  fui sendo envolvido, sempre naquela acusação patética, de como Deus ou Natureza poderia ter gerado uma mentalidade tão doentia, como minha.

           - Ora bolas, porque insistem em  pronunciarem palavras boas e eloquentes para justificarem suas atrocidades, de ficarem vivendo obsessivamente em  meios os seus luxos pecadores, que servem unicamente para manter uma aparência de boa índole, que se perde em vícios, e mediocridades comportamentais, que estão em torno de consolidar, um orgulho de individuação muito egoísta, em sempre fazer dos mais carentes, uma desculpa da culpa da predestinação privilegiada, ao qual “uns nascem agraciados e abençoados, e outros nascem comum menos sorte, tendo que pagarem por isso?”.

            - Pois bem, eu sou a má sorte de todos vocês.

           - Vai ser muito fácil me executarem, como sempre fazem com aqueles que os desagradam.

            - Mas eu sei, que  desagradei e muito, e não arrependo disso.

            - Mas todos detêm algum tipo de culpa no “cartório”.

         - Então não adianta  justificar minha conduta por conta de alguma tentação, ou  justificar como me tornei uma aberração por algum tipo de trauma ou moléstia mental, sendo que sou fruto de todas as suas indiferenças, pois não  tive nem o direito de ser pobre, pedinte, andarilho, ou qualquer outro tipo de miserável possível, me foi outorgado tornar-me, ou seja, nenhuma  estética “comum” de maldade, que os ditos seres civilizados condenam, e tentam a todo o custo esconderem, mas que no fundo não fazem mais do que realçar, me foi  dado direito de servir, fazendo assim  uma série de atitudes  sacramentadas pela minha condenação e de outros infelizes, como uma forma  teatral de esconder seus piores pecados, como sendo  uma indiferença coletiva, e uma concentração de sarcasmo disseminados para os mais carentes.

            - Ou seja, me tornei a imagem de todos os seus piores anseios e desejos.

           Terminada toda essa autoconfissão, sabia que os ponteiros dos relógios estavam caminhando lentamente, que o  seu  derradeiro fim estava mais do que próximo do que nunca.

          Sua existência foi à construção em salientar, os mais cruéis desejos e pecados, que foi envolvida a humanidade, se constituindo uma estética, de não conter nenhum sinal de compaixão perante aqueles que sofriam dos piores delírios de saudade ou descaso, pelo qual seu ímpeto psicótico, não tinha  feito a menor questão de perdoar.

            Todo o espetáculo judicial para a execução estava pronto.

          O Capelão do presídio daria a extrema-unção, e ouviria sua confissão.

            - Me confessar? Isso soa como a mais pura heresia, pois tudo o que fiz, não me arrependo nenhum pouco, então vamos logo por um fim nisso tudo por gentileza.

            Seus delírios seriam finalmente silenciados, mas os efeitos de seus frutos macabros, para sempre estariam impregnados, no seio dos familiares, das pessoas que padeceram sobre sua fúria assassina.

            Foi sendo conduzido lentamente, para a forca.

           A cada passo, ouvia todo tipo de xingamento, mas gostava de toda aquela virtuosidade de revolta massificadora, que crescia contra sua imagem.

        Havia conseguido um pouquinho de gloria e atenção finalmente.

              - Vou morrer daqui alguns minutos, mas nada poderá apagar meus feitos assassinos mais dilacerantes, que destroçou corpos como um exército pronto para marchar sobre o inimigo indefeso. E também, para onde minha alma está destinada, não vai ser muito diferente, para muitos de vocês, hipócritas descrentes da boa fé, que apenas lembram   de exaltar o mito de Deus, quando sofrem algum tipo de malefício.

            - Deveriam é me agradecerem isso sim. Pois assim aproximei vocês mais do Criador como nunca antes, e que através de seus devaneios de virtuosidade, em serem classificados como pessoas boas,  no  fundo realmente  só pensam em saciarem seus desejos mais viris. Então não precisam ficarem com toda essa falsidade de chorarem e lamentarem por aqueles, fiz se apresentarem á Deus antes do chamado oficial do próprio,  sendo um pouquinho mais cedo, pois sei que assim que a última pá de terra desceu sobre os caixões de minhas vítimas, poucos se importaram realmente,  e que assim só foram mais alguns  instrumentos para suas reuniões sociais patéticas e idolatras, que escolheram a mim, como algoz principal, para justificarem seus mesquinhos sensos de justiça, que somente desejam por algum momento, poder conter  um ávido sentimento de punir alguém como sendo exemplo para sua idiotices sociais em nome dos bons costumes.

            - Uma tremenda hipocrisia, mas fazer o que? Se todos servem para algum objetivo, eu servi para “arranjar mais filhos para Javé”, que possam assim estar,   defronte  Deus diretamente, mas como realcei, logo todos nós nos veremos novamente.

             E assim foi sendo levado para o momento crucial de sua vida devassa.

        - Tens alguma coisa para dizer, antes que sentença seja efetuada? Pergunta o carrasco.

           - Não muito, mas já que perguntou, digo a vocês, que depois de mim virão outros delirantes homicidas, aos quais diante suas falsas virtudes também serão julgados, mas nada os livrará das nossas memórias sanguinárias, que deixaremos para toda a posteridade. Ou seja, para sempre o mal se reinventará  lembrando aos ditos “Filhos de Deus”, de que alguma forma seus pecados serão julgados e apresentados, seja aqui nesse mundo ou no outro, vocês pagarão por suas falhas, assim como eu, mas que diferente de vocês não tem medo, da morte, pois eu represento a própria a morte.

             Tendo acabado seu discurso, o cadafalso se abriu.

             Um clique, e tudo acabado.

             Não houve ninguém que reclamasse o seu corpo.

           Estranhamente depois da sua execução, uma série de outros assassinatos em série recomeçou naquela cidade, usando sempre a degolação e o esquartejamento como método principal, assim como o último enforcado havia feito, e confirmando assim a sucessão do mal, que  para sempre estaria  presente naquela sociedade feita de maquiagem.

             O delírio mortuário,  não acabaria assim tão facilmente.

23 de jul. de 2023

A CAMINHO DO INFERNO


 

Por André Bozzetto Jr

           

            Nunca fui de ficar pensando sobre sorte, azar, destino, esse tipo de coisa. Simplesmente vivi um dia de cada vez e pronto. Mas, pelo menos naquela noite eu deveria ter desconfiado de que alguma coisa estava errada. O passado devia ter me ensinado uma lição. Começou quando a guria me mandou mensagem depois da meia-noite. Disse que era para eu ir na casa dela, assim, sem mais nem menos. Eu já vinha xavecando ela há tempos, mas o negócio não avançava. Às vezes parecia que ela queria, às vezes não. Daí me mandou mensagem do nada, deixando bem claro que ia rolar. E eu fui, né! Quem não iria? Uma gata daquelas...

            Peguei o carro e encarei a estrada. Aqui preciso dizer que fazia muito tempo – uns quatro anos – que eu evitava de todo jeito transitar naquele trecho de noite. Não era por causa das lendas. Também nunca fui de acreditar em assombração. Mas acontece que eu lembrava do que aconteceu com os meus amigos e ficava nervoso. Me dava tipo uma crise de ansiedade só de pensar que era para eu estar junto na noite em que morreram. Tínhamos combinado que iríamos a um show em Chapecó no sábado de noite. Só que durante a tarde eu estava tirando um cochilo no sofá e tive um sonho muito estranho. Sonhei que já estávamos indo para o show. Betinho, Rodrigo, Barata e eu. No som estava tocando Higway to Hell, do AC/DC, o que já seria de deixar qualquer um com a pulga atrás da orelha. Só que no sonho eu fiquei empolgado com a música e quis me esticar desde o banco de trás para aumentar o volume do rádio. Com isso acabei atrapalhando o Betinho, que estava dirigindo. Ele perdeu o controle do carro – o seu famoso Gol branco rebaixado – e acabamos saindo da estrada e capotando, lá na curva da zona. Quando o carro começou a pegar fogo eu acordei de supetão, molhado de suor, parecendo que ainda ouvia os gritos de desespero dos meus amigos dentro da minha cabeça enquanto eram queimados vivos.

            Senti uma queimação no estômago e um aperto no peito. Disse para mim mesmo que o suor devia ser porque eu estava com febre, mas hoje sei que estava apenas inventando uma desculpa. Eu fiquei apavorado por causa do sonho, isso sim. Liguei para os caras e disse que não iria no show porque estava doente. Passei a noite agitado, quase sem conseguir dormir até que de manhã veio a notícia. Já imagina, né? Os caras se acidentaram na curva da zona e estavam todos mortos. Queimados.

            Eu pirei com aquilo. Contei para todo mundo sobre o sonho. Acho que alguns acreditaram, outros não. Os meus pais pensaram que eu estava ficando meio louco e me levaram em psicólogo e psiquiatra. Comecei a fazer terapia e tomar medicamento, até praticamente me convencer de que estava tudo bem, que o sonho foi apenas uma coincidência, ou talvez nem tivesse ocorrido de verdade. O choque com a notícia da morte dos meus melhores amigos teria me induzido a criar uma memória falsa, algo assim.

            Com o tempo fui me sentindo melhor e passei a evitar pensar sobre aquilo. Só continuava evitando passar pelo local do acidente à noite. Até receber a tal mensagem da guria. Mulher mexe com a cabeça da gente, né? Com a de cima e a de baixo.

            Então, lá fui eu. Era quase uma hora da madrugada e a estrada estava deserta. Até a cidade vizinha, onde a guria morava, era apenas alguns minutos, mas tinha que passar pela curva da zona. Já comecei a ficar ansioso um quilômetro antes do local, mas tentei não dar bola. Quando cheguei no ponto exato, parecia que o meu coração iria saltar pela boca, mas assim que passei começou a aliviar. Mas, só por alguns metros. Começou aquele barulho e eu já deduzi o que era. Tive que parar, porque não tinha outro jeito. E, lá estava: pneu furado. Traseiro, lado esquerdo. Eu já tinha carteira de habilitação há seis anos, dirigia todos os dias, mas nunca tinha furado um pneu antes. E aí, por mais que não queira, começa a vir muitas coisas na cabeça. A mensagem surpreendente da guria, o  pneu furado pela primeira vez, poucos metros à frente do local do acidente, a estrada vazia, com fama de ser assombrada. Sabe quando o medo começa a tomar conta da gente?

            Fui até o porta-malas disposto a trocar o pneu tão rápido quanto um “pit stop” de Fórmula 1. Mas, é claro, o estepe estava completamente vazio. Eu nunca tinha lembrado de calibrar aquela porra desde que comprei o carro, três anos antes. Agora, me lembrando, percebo que não era verdade o que eu falei antes, sobre não acreditar nessas coisas de destino. Provavelmente eu sempre acreditei sim, mas negava, evitava ficar pensando porque tinha medo. Me esforçava para aceitar quando os médicos diziam que o sonho e tudo o mais eram apenas coisa de trauma, confusão da minha mente. Só que, naquela hora, tudo veio à tona e o medo foi virando pânico.

            Fiquei pensando no que fazer. Fechar o carro e ir a pé? Ainda faltava uns cinco quilômetros e a escuridão era quase total. Me trancar no carro e aguardar alguém passar para então pedir ajuda? Ali? Do ladinho do local onde os meu amigos fritaram até a morte? Sem chance. Ir até a zona em busca de socorro? Não ia adiantar. Estranhamente já estava fechada. Até o famoso letreiro vermelho de neon estava desligado. E o celular? Totalmente sem sinal.

            Se havia alguma outra opção naquele momento, não sei, porque não deu tempo de pensar. Vi faróis se aproximando, na descida. Cheguei a acreditar que era a minha salvação. Alguém iria parar, me ajudar e pronto, tudo resolvido. Só que não. Conforme o carro ia chegando mais perto, comecei a sentir uma sensação estranha. Era como se o ar de repente tivesse ficado mais pesado e aquele sentimento de pavor estivesse de volta com força total. Comecei sentir um cheiro forte de coisa queimada. E então eu ouvi. Highway to Hell tocando a todo volume no interior do veículo. Era um Gol branco e rebaixado que estava estacionando ali, bem ao meu lado. A película preta no para-brisa, as rodas cromadas. Era inconfundível.

                Eu não queria, realmente não queria, mas não consegui evitar. Olhei para dentro do carro e lá estavam Betinho, Rodrigo e Barata. Queimados, descarnados, mutilados, com os ossos à mostra, e ainda assim vivos – mortos-vivos – estendendo o que havia sobrado de seus braços na minha direção e gritando meu nome.

            Depois disso eu só lembro de partes do que aconteceu. Embarquei no meu carro, dei um cavalo de pau no meio da pista e toquei de volta na direção de casa. Fui acelerando tudo que dava, chorando e gritando de pavor. O pneu furado foi se despedaçando pelo caminho, perdendo lascas de borracha até se desmanchar. Daí foi aquela faisqueira da roda esmerilhando no asfalto, fazendo um barulhão infernal.

            Os meus pais e o meu irmão contam que larguei o carro no meio da rua, entrei gritando e me enfiei debaixo da cama. Não me lembro direito dessa parte. Dizem que fiquei três dias e três noites praticamente sem sair do quarto. Precisavam levar a comida e os remédios até lá, porque eu me recusava a sair a não ser para ir rapidamente ao banheiro.

            Com o carro, o estrago foi grande. Do pneu não sobrou nada, nem sequer um pedaço de arame. A roda já era. Entortou, lixou, se foi. O eixo estragou também e deu mais alguns problemas que não estou lembrando. Custou um dinheirão para arrumar tudo. No asfalto na frente de casa ficou um verdadeira canaleta no local onde o metal veio esmerilhando o chão. Tá lá até hoje e segue a se perder de vista.

            É claro que quase ninguém acreditou na minha história. Uns acham que eu estava drogado, outros pensam que eu tive um surto. Já faz um ano que isso aconteceu e agora eu tomo ainda mais comprimidos do que antes. Não saio mais na rua. Tranquei a faculdade e pedi demissão do emprego. Às vezes faço uns bicos, consertado ou formatando computadores para conhecidos, aqui em casa mesmo.

            No fundo não sei ao certo o que pensar sobre tudo isso. Acho que os remédios me deixam um pouco confuso. Em alguns dias tenho certeza que tudo foi real, em outros quase me convenço que poderia ser só coisa da minha cabeça mesmo. Eu liguei para a guria um tempo depois daquela noite e ela me disse que nunca me mandou mensagem nenhuma. E o pior é que nem tenho como conferir, porque perdi o celular no desespero de fugir daquele lugar. Meu irmão e meu pai foram até lá, procuraram, mas não acharam.

            Um dia eu assisti um filme que falava sobre a possível existência de realidades paralelas por onde a nossa consciência poderia transitar, muitas vezes sem que a gente se desse conta. Achei intrigante e fui pesquisar na internet. Até comprei uns livros sobre o assunto. Então li que existem teorias sobre essas múltiplas realidades alternativas, onde diferentes versões de nós mesmos levam vidas que podem ser muito parecidas ou muito diferentes daquela que consideramos “a verdadeira”. Se realmente há casos onde se pode passar de uma para outra, fico me perguntando se não existe uma versão onde eu causei o acidente que levou à morte os meus amigos e, de alguma forma, transferi minha consciência para cá, nessa dimensão onde não fui ao show com eles e, assim, não morri. Há quem acredite que certos lugares são mais propícios a se passar de uma realidade para outra, como se fossem portais dimensionais. Será que aquele trecho da estrada, que já ganhou até apelidos como “Estrada da Morte” e “Rota do Inferno” não é um desses? Será que todas as histórias de assombração sobre aquele lugar não têm ligação com isso? Será que os meus amigos mortos não atravessaram de uma dimensão para a outra com a intenção de me buscar, já que causei a morte deles e “fugi” para outra realidade? Aquele sonho estranho poderia muito bem ter sido isso, um lapso de consciência que me transferiu daquela dimensão para esta.

         Não sei se algum dia vou encontrar a resposta. Não sei se em algum momento vou conseguir lidar melhor com isso tudo. Terei uma vida normal novamente? No momento acho difícil. Assim que anoitece tomo meu remédio para dormir e vou para a cama, com muito medo de acordar no meio da madrugada ouvindo Highway to Hell e vendo meus amigos mortos me chamando para partir com eles a caminho do inferno.