Por André Bozzetto Junior
Não
começarei essa história pelo início, mas sim pelo meio. É estranho, eu sei, mas
esse relato será cheio de fatos estranhos e misteriosos, então é bom se
acostumar. Vou iniciar por este ponto porque assim ficará fácil ao leitor
entender o motivo de meu interesse pelo assunto e o porquê de eu estar falando
sobre isso apenas agora, mais de vinte anos depois do incrível acontecimento
que irei narrar.
Primeiro,
me deixe falar rapidamente sobre o lugar. Ilópolis, “A Cidade da Erva-mate”, é
um pequeno município de pouco mais de 4.000 habitantes, localizado na parte
menos famosa da serra gaúcha, mais especificamente na Encosta Superior Nordeste
do Planalto Meridional do Rio Grande do Sul, parte alta do Vale do Taquari. A
grande maioria da população é composta por descendentes de italianos que
chegaram à região no início do século XX, atraídos pela oportunidade de
extração madeireira proporcionada pela enorme floresta de araucárias que ali
existia e, com o passar das décadas, adotou a exploração da erva-mate como o
foco principal de sua atividade econômica.
Entre
os vários atrativos turísticos do município – que não iremos detalhar por não
ser do objetivo deste texto – com certeza ocupa lugar de destaque o Lago Verde, um inspirador espelho d’água
de 178.000 metros quadrados, rodeados de mata nativa, com grande concentração
de araucárias, entrecortada por frondosos bosques de pinheiros, do tipo pinus elliottii. O lago é, na
verdade, um reservatório artificial, construído no início da década 1940 para
represar a água que alimentaria uma pequena usina hidrelétrica construída nas
imediações com o objetivo de fornecer energia ao povoado, bem antes de ele ser
emancipado. No início dos anos 80, a usina foi desativada, e a partir de então
a barragem continuou existindo como um cartão postal apto a várias atividades
de lazer e recreação, como pesca, natação, canoagem e outros esportes
aquáticos, além de um local agradável e convidativo para passeios, caminhadas,
piqueniques e acampamentos. Pelo menos esta é a versão oficial. Como irei
relatar nas próximas páginas, a história real é bem mais obscura, e as
pouquíssimas pessoas ainda vivas que conhecem a verdade não gostam de tocar no
assunto e se recusam a revelar o que sabem, mas eu irei contar.
Assim
como qualquer ilopolitano da minha geração, ou de gerações anteriores à minha,
cresci ouvindo “histórias de assombração” sobre o Lago Verde. Este nome,
inclusive, começou a se popularizar a partir da década de 1990, quando Ilópolis
passou a ganhar alguma notoriedade em nível nacional por seu potencial
ecoturístico, alardeado em programas de TV e publicações especializadas. Antes
desse momento, o povo costumava a se referir ao local apenas como “A Barragem”.
E do que tratavam os causos sobrenaturais
relacionados à Barragem? Um pouco de tudo, mas lembro que os mais populares
faziam menção à aparições de fantasmas, supostos espíritos de pessoas que
teriam morrido afogadas nas águas escuras do lago em diferentes épocas, e que
na calada da noite emergiam da escuridão para assombrar algum transeunte
incauto. Também ouvi, por diversas vezes, menções a almas penadas de pessoas
que haviam sido sepultadas em um antigo cemitério que foi demolido e removido
no início dos anos 90 para a construção da Escola EMAFA, localizada em uma
pequena elevação às margens do reservatório. Eu lembro muito bem desse cemitério.
Ele ficava onde hoje está o Monumento à Agricultura, na pequena área calçada ao
lado da escola. Tinha uma aparência realmente tétrica, com poucas sepulturas e
lápides em meio a uma vegetação rasteira, que passava uma impressão de
esquecimento e abandono. Não é difícil acreditar que tal visão despertasse nos
transeuntes de imaginação mais fértil a sensação de cenário de filme de terror,
com direito a fantasmas macabros perambulando à noite entre os túmulos em
ruínas. Mas isso seria tudo? Não. Com certeza, havia mais. Porém, só fui
descobrir posteriormente, pois quando se é criança, fica praticamente
impossível distinguir fatos insólitos pautados na realidade de fantasias
inventadas apenas para amedrontar meninos desobedientes. Para mim, as respostas
começaram a aparecer em 1998. Vou começar a descrição dos fatos em um novo
subtítulo, que chamarei de
Aquilo que espreita na escuridão
Eu tinha 17 anos e
estudava fora. Voltava para
Ilópolis aos finais de semana e, nessas circunstâncias, o que mais gostava de fazer era
me reunir com outros caras da minha idade para tomar cerveja, bater papo, jogar
sinuca pelos bares da cidade e depois ir para algum baile na expectativa de
ficar com alguma garota. Simples assim. Era a década de 90, em um lugar minúsculo
do interior gaúcho, sem internet, sem celular e com o senso comum bem menos
politicamente correto do que nos dias atuais.
Há
basicamente duas formas de se chegar ao Lago Verde. Uma delas é seguindo até o
final a Rua Conselheiro José Bozzetto, que atravessa o centro da cidade e segue
pavimentada até às imediações da Escola EMAFA. A outra é pela bem menos
movimentada Rua Augusto Tomasini, que termina em um considerável declive de
estrada de terra e mergulha em um denso bosque de pinheiros, já nas cercanias do
lago. Em uma parte mais retirada deste bosque, haviam construído recentemente
um prostíbulo que estava dando o que falar. Naquela sexta-feira em questão,
Leandro, Marquinhos e eu havíamos combinado que iríamos “conhecer a zona” que
tanto atiçava a curiosidade – ainda que fosse uma curiosidade bizarra – da
maioria, senão de todos, os jovens da cidade.
Logicamente,
não tínhamos qualquer pretensão de “fazer programa” com as prostitutas, mas sim
dar uma olhada no ambiente, que alguns amigos já haviam adiantado se tratar de
uma espelunca de quinta categoria. Todo mundo sabe que cerveja de zona custa
uma fortuna e, como mal tínhamos dinheiro, decidimos comprar umas latas de
cerveja em um bar qualquer e beber nas margens do lago, para só depois
seguirmos até o bordel ali próximo.
O
Leandro era o único que já tinha carteira de habilitação, e o pai dele lhe
emprestava o carro para dar umas voltas aos finais de semana. Foi assim que
chegamos até o bosque de pinheiros. Estacionamos entre as árvores, bem de frente
para as águas do lago. Leandro deixou os faróis ligados com luz baixa e também
acionou a lâmpada no interior do veículo. Pelos alto-falantes ouvíamos as
músicas de uma fita K7 do Iron Maiden, nossa banda favorita. Estava uma
temperatura agradável, quase calor, algo bem incomum se tratando das noites
ilopolitanas, o que nos estimulou a ficar ao ar livre de bom grado, recostados
no capô do carro. Devia ser por volta de 23 horas e conversávamos sobre um
assunto qualquer, provavelmente garotas. Fazia bem pouco tempo que havíamos
chegado, ainda estávamos na primeira lata de cerveja, quando as coisas
começaram a ficar estranhas. Até aqui eu me lembro de tudo perfeitamente.
Primeiro
foi uma sensação esquisita. Parecia que o ar havia ficado mais parado, pesado,
fazendo sentir até uma certa dificuldade em respirar. Ao mesmo tempo, tive uma espécie de calafrio e começou a crescer
dentro de mim uma sensação de desconforto – de medo, para falar a verdade – e
isso parecia aumentar a cada segundo. Nem tive tempo de comentar sobre isso com
os outros rapazes, porque nesse momento começaram as luzes. Pareciam faróis de
carros se aproximando pela estrada e iluminando de forma estranha os troncos
das árvores. Só que não havia nenhum barulho de carro e os fachos de luz não se
aproximavam na horizontal, como se fossem, de fato, faróis, mas sim de forma ondulatória, como se subissem até o topo das árvores e descessem novamente. Olhei
para os rostos dos meus amigos e reparei que eles observavam as luzes com
expressões que não pareciam denotar exatamente medo, mas sim estranhamento,
como se não entendessem o que estava acontecendo. O medo para valer tomou conta
de todos alguns segundos depois, quando começaram as vozes.
No
começo era um som confuso, que não dava para distinguir claramente. Chegou a me
passar pela cabeça que poderiam ser as vozes de pessoas conversando na outra
margem do lago, apesar de ser uma distância muito grande para isso ser
possível. Porém, logo ficou óbvio que não poderia ser esse o caso, pelo simples
fato de que as vozes estavam se aproximando! Se aproximando por cima, ou por dentro do lago! Era como se fosse um turbilhão de vozes,
algumas femininas, outras masculinas, falando todas ao mesmo tempo, umas
parecendo rir, outras chorar. Não duvido que ali no meio estivessem sendo
pronunciadas palavras em algum idioma primitivo e desconhecido, enquanto
começaram a ganhar destaque os gritos. Sim, gritos estridentes, horríveis que
me faziam gelar o sangue e suar frio. E estavam chegando mais perto.
Eu
e os outros dois amigos nos entreolhamos e era nítido o pavor no rosto de cada
um. Sem dizer absolutamente nenhuma palavra, simplesmente nos precipitamos rapidamente
em direção ao interior do carro, buscando sumir dali o mais rápido possível.
Contudo, nem sequer havíamos entrado no veículo e a luz dos faróis e da lâmpada
de interior apagaram subitamente. A música dos alto-falantes também cessou de
repente. Mesmo assim, Leandro sentou ao volante e tentou dar partida. Nada. Nem
sinal de que o carro poderia voltar a ligar. O único foco de iluminação que tínhamos naquele instante era a pequena chama de um isqueiro que Marquinhos
tirou do bolso e acionou. Tudo acontecia muito rápido. Ao mesmo tempo que as
vozes se aproximavam por um lado e as luzes por outro, começamos a ouvir também
um novo barulho que, para mim, era ainda mais apavorante do que os demais. Era
o som de galhos se partindo e mata sendo pisoteada por alguém, ou por alguma coisa que estava chegando pelas
nossas costas. Era algo grande e, pelo barulho, dava a impressão que derrubaria
uma árvore ao nosso redor a qualquer momento. Nesse instante, uma lufada de ar
quente apagou a chama do isqueiro e mergulhamos na escuridão total. Escutei
Marquinhos praguejando enquanto tentava acender novamente, mas sem sucesso.
Em
meio ao pânico, alguém – provavelmente o Marquinhos – gritou “Corre, piazada!”,
e foi isso o que fizemos. Corremos, imagino que cada um para um lado,
destrambelhadamente em meio às trevas, tomados pelo mais completo pavor.
Acredito que eu tenha tropeçado e caído no mínimo umas três ou quatro vezes.
Trombei contra galhos e tronco de árvores e, enquanto me lembro disso, penso
que só por um milagre não me machuquei seriamente.
Como
se não bastasse todo esse terror, ainda havia espaço para um novo elemento
apavorante. Enquanto corria, eu gritava pelos nomes dos meus amigos e pedia por
socorro, porque estava realmente em
pânico. Eles não respondiam, mas alguma outra coisa respondia. Quando eu
berrava “Leandro?!”, uma voz gutural, grossa e cavernosa repetia ao meu redor:
“Leandro?!”. Quando eu gritava “Marquinhos?!”, uma voz tétrica e espectral
repetia: “Marquinhos?!”. Se eu dizia “Socorro!”, alguma voz medonha dizia:
“Socorro!”, logo em seguida. Não tenho vergonha de admitir que comecei a chorar
de medo nesse momento.
De
repente, senti como se fosse uma rajada de vento quente me atingindo e não sei
se caí, se acabei saltando involuntariamente de algum barranco ou se alguma
outra coisa aconteceu, mas o fato é que parecia não estar mais tocando o solo
por alguns instantes, como se estivesse flutuando. A impressão que eu tenho é
que isso não durou mais do que alguns segundos até que me estatelei no chão,
inclusive batendo a lateral da cabeça com muita força, a ponto de ficar bem
zonzo, talvez no limite de perder a consciência.
Quando
consegui me levantar, meio grogue, notei que tudo estava em silêncio. Avistei,
não muito distante, o que parecia ser a luz de um poste de iluminação pública.
Andei o mais rápido que consegui naquela direção e notei, com muito alívio, que
estava saindo do bosque de pinheiros e entrando na Rua Augusto Tomasini. Debaixo da
luz do poste, reparei que minhas mãos estavam esfoladas por ter caído nos
cascalhos, as minhas calças estavam sujas de terra nos joelhos e na bunda, além
de ter uma mancha úmida na altura do zíper. Provavelmente me urinei de tanto
medo. Também estava com um grande “galo” entre os cabelos, acima da orelha
esquerda. Fora isso, de resto parecia tudo bem.
Instintivamente,
comecei a correr pelas ruas desertas de volta em direção ao centro da cidade,
sem saber o que fazer. Será que os meus amigos também teriam conseguido sair
dos arredores do lago? Parei diante da casa do Marquinhos, que ficava apenas
poucos quarteirões distante da entrada do bosque, e vi que estava tudo escuro e
silencioso. Sua família com certeza estava dormindo. Olhei para o relógio no
meu pulso e levei um susto ao constar que eram 02:40 da madrugada. Como poderia
ter se passado todo esse tempo? A impressão que eu tinha é que tinham
transcorrido apenas alguns minutos, ou no máximo meia hora, desde que as coisas
começaram a ficar estranhas no lago.
Agindo
meio que sem raciocinar, caminhei até a casa do Leandro – que ficava perto da
minha – e reparei que lá também estava tudo escuro e silencioso. O carro não
estava estacionado no lugar de costume, no pátio da frente. O que fazer então?
Acordar as famílias e contar a verdade? Julguei que ninguém iria acreditar.
Achariam que eu estava bêbado ou drogado. Além disso, tive medo da possível
reação dos pais se soubessem que nosso plano era ir ao bordel. Chamar a
polícia? Sem chance. A polícia não gostava da nossa turma porque, além de
ficarmos até tarde pelas ruas aos finais de semana, atitude classificada como
“de marginais”, ainda usávamos camisetas de bandas de rock, alguns tinham
cabelos compridos e brincos, o que servia perfeitamente ao estereótipo de
“maconheiros” com o qual algumas pessoas gostavam de nos rotular.
Sem
saber o que fazer, acabei não fazendo nada e fui para casa. Entrei
silenciosamente para não correr o risco de acordar alguém e coloquei minha
calça diretamente dentro da máquina de lavar roupa, para diminuir a chance de a
minha mãe perguntar o porquê do estado em que ela se encontrava.
Não
sei se por exaustão, esgotamento ou qualquer outro motivo, tive a impressão de
que peguei no sono tão logo deitei a cabeça no travesseiro. Tive o sono agitado
por sonhos estranhos dos quais não me recordo direito. Lembro apenas de uma
parte, onde estava diante do Lago Verde, ao entardecer. O céu estava escuro,
como se uma tempestade se aproximasse. Então, várias pessoas, com roupas de
diferentes épocas começaram a sair da água e andar na minha direção. Entre
elas, havia um velho de aparência indígena que dizia “Eu avisei que ninguém
deveria vir aqui nestes dias! Eu avisei!”. Então fui acordado pela minha mãe,
dizendo que o Leandro estava me esperando na sala. Lá fora o sol já estava alto
e sua luminosidade entrava pelas frestas da janela.
Enquanto
me vestia, escutei a voz do Leandro conversando com o meu irmão sobre alguma
trivialidade qualquer, o que me tranquilizou. Fui ao banheiro e depois entrei
na sala como se tudo estivesse dentro da normalidade. Leandro, como se nada
tivesse acontecido na noite anterior, disse que iria até a comunidade de Linha
Gramadinho buscar algumas coisas para sua mãe e passou para ver se eu gostaria
de lhe fazer companhia. Respondi que sim e imediatamente fomos saindo. Nesse
momento vi a minha calça no varal e me senti aliviado. Minha mãe não devia ter
percebido nada.
Embarcamos
no carro do pai do Leandro, mas ao invés de irmos para Gramadinho, fomos
diretamente para a casa do Marquinhos. Uma quadra antes da sua residência, o
avistamos na calçada, caminhando afobadamente. Ele estava justamente indo nos
procurar. Então, nós três nos dirigimos até o bar do Fachi, que estava vazio
aquela hora da manhã. Pedimos uma Coca-Cola de dois litros e nos sentamos em
uma mesa no canto. Era hora de tentarmos entender o que havia acontecido na
noite anterior.
Contei
a minha versão e eles ouviram tudo atentamente. Pareciam espantados, mas não
exatamente surpresos, pois viveram situações parecidas. O segundo a fazer seu
relato foi o Leandro. Ele disse que quando começou a correr no escuro, também
gritou pelos nossos nomes, mas não nos ouviu respondendo em momento algum.
Também não escutou nenhuma vez a nossas vozes chamando por ele. Marquinhos
confirmou a mesma coisa. Todos nós estávamos chamado uns aos outros, mas não
nos ouvíamos.
Leandro
contou que, tentando correr na direção contrária ao horrendo barulho de mata
sendo despedaçada, acabou indo parar na estrada do outro lado do bosque, bem na
hora em que vinha passando um carro. Ele fez sinal para que parasse, e ficou
feliz ao ver que seus ocupantes eram conhecidos. Tratavam-se de quatro garotos
de nossa idade, que frequentaram a escola conosco durante anos e moravam na
comunidade de Linha Borges. Eles estavam muito bêbados, rindo e gritando dentro
do carro, empolgadíssimos para ir ao bordel. Com certa dificuldade, Leandro
tentou disfarçar o pavor e disse que seu carro havia tido uma pane e que, ao
procurar ajuda no escuro, acabou se perdendo dos demais amigos. Com muito
esforço, convenceu o alucinado quarteto a lhe dar uma carona de volta ao seu
veículo.
No
curto trajeto, nada de anormal foi observado. Leandro sentou novamente ao
volante e, ao dar partida, dessa vez o carro ligou normalmente. Ao verem o
veículo funcionando, os garotos da Linha Borges partiram fazendo grande
estardalhaço sem nem lhe perguntar se ele precisa de mais alguma coisa, fissurados
que estavam da ideia de irem para a zona. Leandro então saiu de lá dirigindo
atentamente, em busca de algum sinal de Marquinhos ou de mim. Obviamente, não
nos avistou. Então, fez a mesma coisa que eu fizera anteriormente, passou na
frente da casa do Marquinhos e da minha, onde viu tudo escuro e silencioso.
Também chegou à mesma conclusão que eu: tentar ir para a cama e dormir. Um
detalhe interessante é que ele disse que passava um pouco da meia-noite quando
chegou em casa. Então, parece que esse insólito evento tem algo a ver com
lapsos de tempo.
Em
seguida, foi a vez de Marquinhos contar sua história e ela foi a mais rápida e
estranha de todas. Ele disse que estava correndo pela mata quando sentiu “como
se fosse um vento quente” que o envolveu no momento em que caiu e começou a
rolar pela encosta de um barranco. Então apagou. Quando acordou, o sol já
estava começando a raiar. Ele estava sentindo uma tremenda dor de cabeça, como
se estivesse com uma grande ressaca, e percebeu que havia sangue ressecado ao
redor do seu nariz. Mas agora vem a parte mais espantosa: ele não estava nas
margens do lago ou no meio do bosque, como seria de se imaginar, mas sim, no
centro da cidade. No local onde hoje há o prédio da Unidade de Saúde de
Ilópolis, nos anos 90 tinha outro bem menor, que também funcionava como Posto
de Saúde, e na entrada do terreno havia um gramado com uma árvore perto da
calçada. Foi ali que ele acordou. Então partiu rapidamente para casa – que
ficava apenas um quarteirão de distância – com receio de que alguém pudesse
vê-lo ali, deitado na grama, e o acusasse de estar bêbado ou drogado. Sem
conseguir dormir, ficou andando de um lado para o outro do quarto, até os seus
pais acordarem e ele poder sair, fingindo que havia passado a noite em casa.
Nenhum
de nós tinha qualquer teoria sobre o que havia acontecido. Ao longo dos anos,
quando voltávamos a tocar no assunto, surgiam várias, mas, naquela manhã
ensolarada de sábado, apenas estávamos felizes por estarmos vivos e saudáveis,
e também por nossos pais não terem descoberto nada. Combinamos de guardar
segredo, pois, em uma cidadezinha onde todo mundo se conhece, não queríamos
virar motivo de chacota, uma vez que ninguém iria acreditar em nós.
Com
o tempo, eu descumpri o combinado e contei essa história para algumas pessoas –
poucas, é verdade. Apesar do mal-estar por não ter mantido a palavra empenhada
com meus amigos, por outro lado isso acabou sendo extremamente útil por dois
motivos: em primeiro lugar, serviu para eu ver que muita gente poderia sim ter
acreditado em nosso relato, pelo simples fato de que casos semelhantes já
aconteceram com várias pessoas, como vim a ficar sabendo. Em segundo lugar,
acabei encontrando os indivíduos certos para me ajudar a entender o que havia
acontecido conosco naquela noite e também com tantos outros ao longo dos anos,
pois o assunto já era “investigado” há muito tempo, embora sempre de forma
extremamente confidencial e por um número muito restrito de conhecedores. Foi o
que eu soube através deles que, pela primeira vez, irei relatar em seguida.