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10 de abr. de 2023

O RELATOR DA NOITE - A VERDADE NÃO ESTÁ LÁ FORA

 

 

            A série estadunidense de ficção científica Arquivo X (The X-Files, no original em inglês) foi um dos maiores sucessos televisivos da década de 1990, conquistando uma legião de fãs ao redor do mundo e construindo um status de cult que se mantém até  os dias de hoje. Era na abertura do programa – em meio à inesquecível música-tema – que aparecia a frase “A verdade está lá fora”, verdadeiro lema norteador da premissa dos roteiros e que se consolidou como um bordão tão marcante na cultura pop da época a ponto de se tornar conhecido mesmo entre aqueles não costumavam assistir aos episódios. Essa inferência estava diretamente relacionada às crenças do personagem Fox Mulder (David Duchovny), um agente do FBI que tentava, a todo custo, provar que o Governo dos EUA era responsável por uma conspiração que visava manter oculto o fato de que não apenas existiam civilizações extraterrestres, mas também que elas interagiam de diversas formas com a população de nosso planeta. A representação iconográfica destas crenças estava no igualmente clássico poster afixado na parede do escritório de Mulder, onde constava um OVNI sobrevoando algumas árvores e a frase “I WANT TO BELIEVE” (“eu quero acreditar”) estampada em letras garrafais.

            A lembrança da saudosa série de TV me veio à mente como um devaneio, durante meus estudos sobre Gnosticismo. Stephan Hoeller – uma das mais proeminentes autoridades no assunto – afirma em seu livro Jung e os Evangelhos Perdidos que a civilização ocidental está “perdida” por ter se enredado em uma estrutura sociocultural – e até cognitiva – que desaprendeu a olhar para os aspectos subjetivos da realidade interior e passou a focar com todo o interesse apenas no panorama externo, naquela pequena fatia da realidade que constitui a dimensão meramente física. Para o autor, a humanidade pode vivenciar um verdadeiro salto evolutivo – uma melhoria nas mais diversas áreas de nossa existência – quando um número suficientemente grande de pessoas tiver desenvolvido uma expansão de sua própria consciência. “Como o falecido J. Krishnamurti apropriadamente afirmava: ‘O problema mundial é o problema individual’, e nós podemos acrescentar que o problema individual deve ser encarado dentro do indivíduo”, pois, “agora como outrora, nenhum deus ex machina, nenhuma divindade salvadora, externamente projetada, vai nos libertar da nossa condição”. Para Hoeller, assim como para tantos outros pensadores gnósticos, o idealizado equilíbrio geral, tão necessário para a evolução da nossa sociedade, está condicionado a um processo relativamente simples, ainda que isso não signifique que seja fácil: o indivíduo trabalha na expansão da sua consciência e nas potencialidades intrínsecas a ela e, como consequência natural dessa realização, promove a melhoria da realidade coletiva ao seu redor. Como isso pode ser feito? Através do desenvolvimento das faculdades subjetivas que compõe as facetas psicológica, emocional e espiritual de nossa existência, tão negligenciadas por uma parcela significativa de nossos contemporâneos. Esse processo de busca pelo conhecimento interior é muitas vezes chamado genericamente de gnose e só pode ser obtido quando se restringe o foco nas distrações do mundo exterior e se olha para dentro, por meio do autoconhecimento. Ou seja, para o Gnosticismo, a verdade não está lá fora, mas sim lá dentro.

            Trocadilhos infames e devaneios de fã à parte, o fato é que muito do conteúdo da série criada por Chris Carter permite reflexões acerca da dubiedade daquilo que chamamos de “realidade consensual”. Sob uma ótica gnóstica, a verdade não está lá fora porque, em última instância a realidade exterior é uma ilusão. Em Arquivo X essa natureza ilusória do mundo em que vivemos é sustentada por conspirações governamentais e até mesmo cósmicas, mas, insistindo no paralelo com a ficção, algo assim seria apenas um entre diversos níveis concêntricos de semelhante teor, como uma cebola composta por várias camadas de ilusões de diferentes profundidades. Richard Smoley, em sua obra Inner Christianity (que aqui no Brasil foi lançada com o espalhafatoso título Gnosticismo, Esoterismo e Magia) diz que os antigos gnósticos foram os precursores do que ele chama de “hermenêutica da suspeita”, que consiste em uma desconfiança intuitiva para com aquilo que se convencionou chamar de realidade. “Sabemos que o mundo não é o que pretende ser e existe algo melhor a que cada um de nós instintivamente aspira. Também sentimos que existe algo que se coloca entre nós e essa felicidade”. Para o autor, o século XX foi particularmente propício a instigar esse sentimento de suspeita, em função dos vários tipos de controle social que acabaram se tornando evidentes – como, por exemplo, o totalitarismo – mas também em razão da desconfiança de formas mais sutis e penetrantes de manipulação das massas e imposição do engano, ainda que, como se sabe, algumas delas sejam tão antigas quanto a própria civilização humana.

            Não obstante, para os antigos gnósticos a ilusão e o erro estavam impregnados nos mais diversos níveis da realidade exterior porque, em síntese, isso seria decorrente de forças que constituem o mundo e atuam sobre a vida humana buscando o aprisionamento da consciência e o consequente impedimento do despertar para a verdade superior. Na mitologia gnóstica, essas energias contrárias ao desenvolvimento da humanidade são personificadas sob a designação de arcontes, emanações do deus inferior responsável pela criação do nosso plano material, comumente referido como Demiurgo.

            Obviamente, deve-se estar atento para não incorrermos no equívoco da generalização, mas é fácil perceber como uma parcela significativa de nossa sociedade contemporânea está profundamente enredada nas ilusões exteriores. Vidas inteiras dedicadas ao trabalho em tempo integral, não apenas em busca do óbvio e necessário sustento, mas do status e dos engodos supérfluos proporcionados pelo dinheiro; apego insano à aparência física, que extrapola os limites do saudável e incorre no arquétipo dos “ratos de academia”, abuso de substâncias químicas, dietas degradantes, e os cada vez mais comuns procedimentos estéticos de natureza cirúrgica, que muitas vezes desencadeiam graves efeitos colaterais, de consequências físicas e psicológicas. E o que dizer da necessidade psicótica de aparecer, de ser visto, de ser notado, mesmo que seja pelos motivos mais torpes e absurdos? A busca desenfreada pela ilusão-mor de nossa época – a aprovação on-line – manifestada em números de likes e views não apenas cria, mas também “empodera” tecnodemônios com capacidade de escravização e destruição sem precedentes. E isso apenas arranha a superfície do grande lago negro da contemporaneidade. Todos sabemos que, quanto mais submergirmos, mais pútrido será o lodo que encontraremos lá embaixo.

            Naturalmente, o quadro que pintamos aqui – e que pode parecer um tanto pessimista aos olhos de alguns – decorre do desequilíbrio. Desde sempre as mais diversas tradições esotéricas abordaram a vital necessidade de se dedicar igual atenção aos quatro níveis fundamentais da nossa existência [físico, intelectual, emocional e espiritual] muito bem representados nos quatro elementos alquímicos – respectivamente: Terra, Ar, Água e Fogo. Quando se foca apenas nos aspectos exteriores, buscando-se majoritariamente os resultados concernentes ao nível físico, inevitavelmente, consequências sobrevêm. Para os adeptos do gnosticismo, a profunda introspecção, que transcende os limites da percepção física e intelectual, atingindo os níveis emocional e – principalmente – espiritual é o caminho para se chegar ao equilíbrio.

            Hoeller afirma que, para os junguianos e o pensamento da psicologia profunda, os interesses espirituais e religiosos são, em última análise, baseados em um impulso humano universal para a totalidade, uma vez que os diferentes componentes da nossa natureza tendem a buscar um processo de progressiva unificação (chamado por Jung de "individuação") que tem como meta a totalidade. O olhar interior que visa equilibrar os aspectos espiritual e emocional ao intelectual e físico em busca de uma integração é – ainda que em uma de suas facetas mais simplistas – a gnose.

            Smoley argumenta que quando a alma é iluminada pela gnose – depois que o espírito é estimulado em um ser humano, seja pela experiência de conversão ou simplesmente pelo movimento silencioso de um desejo interior – ele deve então proceder ao confronto com as forças do mundo [os arcontes, da mitologia]. Nesse nível, o indivíduo já dominou seus desejos carnais e as oscilações da psique no que tange à realidade exterior, de tal forma que “isso dá acesso a um tremendo poder, e é um estágio em que o miraculoso começa a se manifestar” mesmo nas situações cotidianas. O autor afirma, contudo, que são poucos o que atingem esse nível. “Talvez ninguém nesta Terra seja capaz de manter um estado de iluminação perfeita em todos os momentos. Até os praticantes mais avançados provavelmente têm um vislumbre da gnose e depois voltam às preocupações do mundo”. “Quando alguém percebe que isso aconteceu,” pondera ele, “levanta-se e começa de novo”, acrescentando ainda que para a maioria, entretanto, essa iluminação deve ser nutrida por um programa de prece, meditação e estudo por toda a vida, “aliado aos inevitáveis rigores da tentativa de viver uma vida decente e ética”. Como diz Cristo, “portanto, orai e vigiai sempre” (Lucas 21:36).   

            Em tempo, ainda que a gnose só possa ser obtida de maneira individual, a iluminação interior não é o fim do caminho. Talvez o grande ponto de virada para o indivíduo em busca da expansão da consciência seja o entendimento de que, à medida em que se aperfeiçoa, sua presença deve aperfeiçoar também a realidade ao seu redor. Smoley diz que “o melhor caminho para o progresso é tornar-se útil para o trabalho”, para o bem-estar da coletividade, uma vez que “conforme a percepção espiritual se aprofunda, fica cada vez mais claro que o progresso é impossível, a não ser que se esteja trabalhando para os outros e para a humanidade como um todo”, pois, em última instância, “não podemos nos desenvolver sozinhos, porque não existimos sozinhos”. Ainda que, sob muitos aspectos, isso pareça uma utopia, é possível que quando o equilíbrio interior da maioria se refletir no equilíbrio exterior da coletividade possamos então concluir que a verdade está, ao mesmo tempo, lá dentro e também lá fora.

24 de jan. de 2023

O RELATOR DA NOITE - ENSAIO Nº 03: SOBRE A PROTEÇÃO CONTRA OS DEMÔNIOS

 

           

 Por O Relator da Noite

 

            No primeiro e no segundo ensaios desta série, acreditamos ter elucidado o que são os demônios aos quais nos referimos e porque acreditamos que a realidade consensual em que vivemos se encontra completamente infestada por eles. Embora nos textos anteriores já tenhamos feito algumas breves menções acerca de como se proteger da influência demoníaca que impregna a psicosfera do nosso mundo, agora iremos detalhar um pouco mais o assunto.

            Inicialmente, devemos nos lembrar da natureza parasitária dos demônios. Embora possam se manifestar de forma inteligente quando as circunstâncias são propícias, eles não são, em essência, mais do que formas-pensamento elementais, emanadas por consciências primordiais. Por isso sua atuação junto aos seres humanos é mais instintiva do que qualquer outra coisa, movida pela busca de nutrição que garanta seu fortalecimento. Em Magic: White and Black, Franz Hartmann diz que essas criaturas “seguem o empuxo da atração cega da mesma forma que a limalha de ferro é atraída por um ímã; onde quer que haja condições propícias ao seu desenvolvimento, para aí elas são atraídas”, e ainda acrescenta que “esses elementais vivem no reino da alma do homem, e enquanto ele viver, fortalecem-se e engordam, pois vivem do princípio vital dele e nutrem-se dos pensamentos que emite”. Segundo o autor, os demônios não apenas são as manifestações das emoções negativas da humanidade como também se retroalimentam da energia psíquica emanada pelas pessoas “contaminadas” por essas emoções, propagando assim um ciclo de ação e reação de natureza metafísica.

            Na obra supracitada, Hartmann afirma que, uma vez que os demônios já estejam impregnados no campo áurico de um indivíduo, “não podem ser eliminados por cerimônias religiosas, nem exorcizados por clérigos; só podem ser destruídos pelo poder da vontade espiritual do homem divino, que os aniquila como a luz elimina as trevas ou um raio rasga as nuvens”. Aqui, quando o autor fala em “destruir” e “eliminar”, devemos entender como a remoção dos demônios da esfera psíquica da pessoa, pois estes seres não podem ser extintos em definitivo até que haja algum humano receptivo a atraí-los [por afinidade energética], hospedá-los e nutri-los. Contudo, a vontade férrea citada pelo autor como requisito para se manter em um estado vibracional elevado que seja incompatível com a influência demoníaca não é um estado de consciência tão fácil de ser alcançado e menos ainda de ser mantido de forma prolongada. Em suas palavras: “Somente os que despertam para a consciência divina espiritual possuem esse tipo de vontade, da qual os não-regenerados nada sabem”. Porém, “aqueles que ainda não estão assim avançados podem imputar morte lenta a esses Elementais, retirando deles o alimento de que necessitam, simplesmente não desejando ou recusando-se a desfrutar sua companhia e não consentindo voluntariamente na sua existência”.

            Com base no panorama que procuramos expor no ensaio anterior, não é difícil concluir que é praticamente impossível nos dias atuais se manter imune ao assédio de alguns [ou muitos] demônios. O que pode variar imensamente é a maneira com que cada pessoa lida com isso. Tendo em vista o que nos parece ser o estado consciencial do indivíduo médio da nossa sociedade, pode-se supor que uma quantidade absurdamente grande de gente se debate cotidianamente em meio aos vícios, à desarmonia e a negatividade que tanto atrai quanto nutre os seres maléficos.

            Nos casos em que a contaminação demoníaca [muitos autores prefeririam o termo “possessão”] já é um fato consumado, quando as sombras das Qliphoth já encaminharam o sujeito no rumo da autodestruição e a sua degradação psíquica já é tal que ele não consegue sequer esboçar a “vontade férrea” necessária para expulsar os demônios do seu campo áurico por conta própria, então ele inevitavelmente precisará ser socorrido por terceiros. Em circunstâncias assim, toda ajuda deve ser considerada. Uma coisa que eu percebo é que muita gente esquece de nossa natureza multifacetada, tão bem expressa nos quatro elementos simbólicos representados pela Terra (físico), Ar (intelectual), Água (emocional) e Fogo (espiritual), de forma que um “tratamento” bem-sucedido deveria atuar sobre todos esses níveis que, apesar de intrinsecamente interligados, possuem suas particularidades. Obviamente, cada caso precisa ser analisado individualmente para então se cogitar as melhores possibilidades, que poderiam ir desde acompanhamento terapêutico com psicólogo ou psicanalista, atividades físicas, uso de medicamentos alopáticos ou homeopáticos [sempre receitados por profissional da área], até alguma(s) entre as inúmeras opções de intervenções alternativas, como, por exemplo, reiki e acupuntura.

            Contudo, acredito que, em paralelo com uma ou várias das possibilidades citadas acima, a intervenção específica no campo espiritual é indispensável. Todos os sistemas magísticos e vertentes de natureza mística possuem seus métodos de exorcismos, banimentos, desobsessões, descarregos, etc, e não tenho dúvida de que todos eles funcionam para algum tipo de pessoa. O ponto-chave é encontrar a opção que melhor se harmonize com o perfil específico de cada indivíduo. Particularmente, posso falar em favor dos ritos do Candomblé e da Umbanda [a qual frequento regularmente], que, no meu entendimento, são extremamente eficazes quando realizados em locais sérios e por pessoas capacitadas.

            Mas, nada do que citamos até aqui é suficiente por si só. Em um texto anterior mencionei um exemplo de algo que eventualmente presencio na Umbanda e ilustra o fato de que, para se livrar de um demônio não basta afastá-lo, mas também cessar o comportamento que o atrai. O que acontece algumas vezes é que a pessoa chega ao terreiro com um “encosto” [que pode ser um espírito desencarnado ou um demônio envolto em suas respectivas energias negativas] e então ela passa pelo descarrego e essas forças maléficas são removidas, saindo dali com seu campo áurico purificado. Contudo, se ela não modifica os padrões de pensamentos, sentimentos e atitudes que atraíram o ser negativo anteriormente, é só uma questão de tempo até ela granjear outro semelhante. É preciso a reforma íntima, como dizem os espíritas, a ascese de algumas seitas gnósticas, a prática de lapidar a pedra bruta, como se diz na Maçonaria.

            A urgência em se buscar vivenciar padrões vibratórios mais elevados decorre também do fato de que os demônios raramente atuam sozinhos. Quando um deles consegue se infiltrar no campo consciencial de algum indivíduo, imediatamente sua atuação começa a provocar um rebaixamento vibracional que, consequentemente, torna a vítima propícia e vulnerável à infestação. Isso pode ser muito bem ilustrado nas passagens bíblicas de Mateus 12: 43-45, citando o caso de um demônio que foi expulso de um homem por Jesus mas que, tempos depois, ao perceber a “porta aberta” e convidativa, retornou ao hospedeiro trazendo consigo outros sete demônios ainda piores do que ele, e também em Marcos 5:9, onde Jesus indagou a entidade que estava possuindo um sujeito “e perguntou-lhe: Qual é o teu nome? E lhe respondeu, dizendo: Legião é o meu nome, porque somos muitos”. Guardadas as proporções, é possível que todo mundo já tenha presenciado algo assim [ou pelo menos ouvido falar] na realidade cotidiana. Algum caso instigado pela Luxúria, motivado pela Avareza ou desencadeado pela Inveja, que posteriormente atraiu a Ira e descambou em violência. Sob a ótica dos Demônios dos Sete Pecados Capitais, é fácil traçar paralelos. Basta ler os jornais ou conferir os noticiários para ter acesso a uma gama perturbadora de exemplos.

            Tendo em vista tudo isso, nos parece evidente que buscar a profilaxia é preferível do que ter que depender de tratamentos. Mantenho a opinião, já expressada em outros momentos, de que, para fins práticos, é muito pertinente a recomendação exaustivamente frisada por Allan Kardec ao afirmar que a melhor forma de afastar a influências dos espíritos obsessores é atraindo a presença dos espíritos benévolos. Pragmaticamente, o que vale para os espíritos dos mortos vale também para os anjos e demônios. No trato com esses habitantes do Plano Astral, é muito fácil perceber que nossos pensamentos fazem com que eles nos notem, nossos sentimentos os atraem e nossas atitudes os tornam nossos aliados ou algozes, dependendo do caso. E por falar nos anjos [que podem receber inúmeras outras denominações, de acordo com o contexto], também já expusemos em outro ensaio nosso entendimento de que eles têm uma existência tão real quanto a dos demônios e sua natureza é análoga a deles, mas, obviamente, com a vital diferença de que os seres angelicais atuam através das emoções positivas, instigando nos homens, por assim dizer, sua propensão a agir em prol da harmonia e da evolução. Ter proximidade com entidades de padrões vibratórios elevados é uma óbvia maneira de manter afastadas as energias maléficas, e muitos sistemas magísticos e ordens esotéricas possuem métodos para invocar ou evocar tais seres, não sendo difícil de se obter mais informações a respeito.

            Penso ter deixado suficientemente claro o porquê de acreditarmos que o contato com as forças de outros planos da existência ocorrem até mesmo em meio a situações banais do cotidiano, ainda que a grande maioria das pessoas não se dê conta disso. É pela mais pura afinidade [semelhante atrai semelhante] que nossos padrões de pensamentos, sentimentos e atitudes definem se teremos anjos ou demônios atuando em nossas vidas.

            Existe ainda um último ponto que eu gostaria de abordar antes de encerrar este texto. Trata-se dessa dimensão extrafísica da realidade [com suas múltiplas subdivisões] que no Espiritismo é frequentemente designada como “Psicosfera” e que na maioria das vertentes ocultistas é chamada de “Plano Astral”, ainda que também seja corriqueiro entre determinados autores termos como, por exemplo, “Campo Akáshico”, “Éter”, “Luz Astral”, e que, na visão de alguns, consiste em uma interpretação mística do “Inconsciente Coletivo” junguiano. Esse é o nível da existência onde subjazem os demônios e os anjos e, consequentemente, onde pululam as forças anímicas a eles correspondentes e que se manifestam na aura humana por meio das emoções. Como nessa dimensão a lógica do espaço-tempo não está sujeita às mesmas restrições do Plano Físico, todo conteúdo emanado por qualquer consciência que exista ou tenha existido em nosso planeta [em qualquer local ou época] pode exercer influência sobre outras, uma vez que, em um nível muito profundo, todas estão emaranhadas em um mesmo substrato energético primordial. Na obra Elementargeister, Hartmann aborda o tema afirmando que um pensamento-entidade que habite o Plano Astral, proveniente de uma consciência que pode até mesmo tê-lo emanado em alguma era remota ou algum lugar longínquo tem condições de influir em outra parte do mundo sobre este ou aquele homem predisposto, amadurecer em sua mente, e tornar-se operante dentro dele.

            A conclusão que disso decorre é que todo indivíduo empenhado em refinar seu padrão de pensamentos e emoções está não apenas atuando em seu próprio benefício ao manter afastada a ameaça demoníaca como também está contribuindo com o bem-estar de toda a humanidade, ao deixar de fortalecer os demônios e, consequentemente, diminuir a esfera de influência das Qliphoth por eles habitadas. Este é o motivo pelo qual escrevo estes ensaios esquisitos. Talvez seja pretensão, mas penso que, se entre os inúmeros leitores, apenas um acreditar que estas linhas tiveram alguma serventia para a sua reflexão e subsequente expansão da consciência, então já valeu à pena. Se, por outro lado, todo mundo achar que isso não passa de bobagem sem pé e nem cabeça, mesmo assim está valendo, porque ao produzir este material eu estou estudando e aprendendo cada vez mais. Se uma única pessoa acredita que está evoluindo em algum aspecto, por mínimo que seja, então o mundo inteiro está evoluindo junto. Sempre lembro daquela máxima de Platão: “Nunca desencoraje ninguém que continuamente faz progresso, não importa quão devagar”.

            Eu não me considero nenhum exemplo de otimismo, mas quero acreditar que um dia [quiçá daqui a alguns séculos] o nível consciencial da humanidade vai ter se elevado ao ponto de a harmonia de pensamentos, sentimentos e atitudes não ser mais compatível com a presença de nenhum demônio. Talvez será o ápice da “Transição Planetária” tão alardeada pelos espíritas, ou o apogeu da “Nova Era” idealizada por tantas correntes esotéricas e pode ser que daí então estaremos finalmente livres.           

 


9 de jan. de 2023

O RELATOR DA NOITE - ENSAIO Nº 02: SOBRE A ATUALIDADE INFESTADA POR DEMÔNIOS


 

Por O Relator da Noite

 

            No ensaio anterior, abordamos a argumentação de diferentes autores, oriundos de diversas vertentes ocultistas, acerca do entendimento que nos parece mais adequado para tratar daquilo que designamos como “demônios”. Recomendo a leitura daquele texto antes deste, mas, para fins de recapitulação, penso ser útil retomar a noção de que, nos meus escritos, os demônios não são espíritos de pessoas mortas, mas sim formas-pensamento emanadas por consciências que habitaram nosso planeta [ainda que de forma etérica] desde antes do surgimento dos seres humanos encarnados e que, por isso mesmo, não foram compostas por mero substrato psíquico análogo ao que abunda na psicosfera terrestre atual, mas sim por energias primordiais que, como tal, são eternas e intrínsecas àquilo que chamamos de realidade.

            Por serem anteriores à própria humanidade, essas formas-pensamento encontraram caminho para interagir com as pessoas de maneira mais ou menos padronizada através daquilo que costumamos perceber e classificar como emoções. Assim, os demônios se manifestam através das emoções negativas [destrutivas, autodestrutivas, que vão contra à evolução harmônica da natureza, em sentido físico e metafísico]. Para Franz Hartmann, esses seres são as próprias emoções [que, no aspecto benéfico, seriam classificadas como “anjos”]. O mesmo autor frisa que essas criaturas “não são necessariamente entidades racionais conscientes, mas podem manifestar-se por meio de organismos conscientes dotados de razão; não são pessoas, mas personificam-se sempre que encontram expressão em formas individualizadas”, pois “amor e ódio, inveja e beneplácito, luxúria e ganância não são pessoas, mas personificam-se em formas humanas ou animais”, de tal forma que “uma pessoa extremamente maliciosa torna-se a própria encarnação da malícia”.

            Uma vez que as emoções sempre fizeram parte da constituição humana tal como a conhecemos, se deduz que a interação entre pessoas e demônios sempre existiu, ainda que as formas de se interagir e o entendimento acerca delas possam ter variado enormemente ao longo do tempo e de acordo com o momento cultural de diferentes sociedades. Demônios, anjos, elementais, deuses bons ou maus, as designações parecem quase infinitas nos mais variados idiomas, muitas vezes com termos diferentes para classificar as mesmas entidades, ou usando as mesmas expressões para elencar seres completamente diferentes, o que se constitui em um sério problema semântico e ontológico. Contudo, ajustando adequadamente o foco da pesquisa [o que se constitui em uma verdadeira ordália para qualquer estudante sério de Ocultismo em início de caminhada] é possível encontrar as correlações.

            Em Magic: White and Black, Hartmann exemplifica tais correspondências afirmando que “as potências elementares da natureza são numerosas e deram nascimento ao panteão dos gregos e das mitologias orientais”, e continua, afirmando que “o Cristianismo [por exemplo] moderno não destruiu os deuses olímpicos, mas apenas as formas que os representavam, pois estas constituíam representações alegóricas de forças eternas, que não podem ser eliminadas. “As leis da natureza ainda são hoje as mesmas do tempo de Tibério; o Cristianismo só alterou seus símbolos; passou a chamar coisas velhas por novos nomes. Os ídolos pagãos mortos ressuscitaram na forma de santos católicos romanos”. Suponho que Jung diria que estamos falando aqui de “forças arquetípicas do Inconsciente Coletivo”. Dilemas de linguagem, mais uma vez.

            O fato é que os demônios estão por aí desde sempre, atuando sobre nós para além de tempos imemoriais. Os motivos para isso só podemos especular. Talvez seja para nos induzir à ação, corroborar com o aspecto destrutivo [porém, necessário] da natureza, mas que, seja pela nossa imaturidade consciencial ou pelo mau uso de nosso livre-arbítrio, acabam se manifestando como forças desequilibradas ou propriamente maléficas [no sentido de “desarmônicas”].

            Ao mesmo tempo em que instigam nossa faceta emocional, os demônios se retroalimentam da energia psíquica impregnada pelas emoções correspondentes emanadas pelas nossas próprias consciências encarnadas. Esse intercâmbio fluídico que se mantém incessantemente ao longo das eras, tem gerado, no Plano Astral, verdadeiras dimensões energéticas, habitadas não apenas pelos demônios mas também pelos espíritos humanos que, por afinidade, são atraídos para lá depois do desencarne, por se encontrarem no mesmo padrão vibratório. Na Kabbalah essas dimensões costumam ser designadas como Qliphoth e sobre elas Migene González-Wippler afirma na obra Jesus e a Cabala Mística que “ali encontram-se cada sentimento negativo do coração humano, cada vício, cada crime e cada fraqueza personificados num demônio que se torna o algoz dos que se deixam levar por essas imperfeições”, sendo, “portanto, a causa e também o efeito de todos os pensamentos e atos maus”. Em seu livro Qabalah, Qliphoth e Magia Goética, Thomas Karlsson faz uma inferência semelhante ao afirmar que as Qliphoth “são ocupadas por aqueles demônios que representam os vícios humanos encarnados, e torturam àqueles que têm se entregado a tais vícios na vida terrena”.

            Conforme já citado no ensaio anterior, essa visão dos demônios das Qliphoth sendo personificações de vícios e más tendências corriqueiras aos seres humanos os colocam em um paralelo análogo aos Demônios dos Sete Pecados Capitais, dos Vícios personificados e combatidos pela Maçonaria, e uma vasta gama de outras possíveis correspondências. São as emoções negativas manifestadas pelas pessoas cotidianamente, através de uma gradação quase infinita de formas e intensidade, podendo ser desde um reles desconforto subjetivo até um estado de ânimo que descamba para a autodestruição, ou ainda que induz à crueldade, violência e destruição contra terceiros.

            Então chegamos ao ponto central deste texto: a perturbadora constatação de que aquilo que podemos chamar de “realidade consensual atual” está infestada por demônios em seus mais variados níveis estruturais, como nunca antes esteve na trajetória da humanidade. Os vícios e as maleficentes deformações da conduta cotidiana que incrustam a sociedade contemporânea estão aí para comprovar.

            Sou capaz de supor que alguns leitores estejam inicialmente propensos a discordar dessa afirmação. Talvez estejam pensando em todos os horrores que já marcaram a trajetória humana até aqui e deduzam que muitos momentos do passado foram mais do que propícios para que os demônios assolassem a humanidade com toda sorte de más emoções e que dela extraíssem energia psíquica negativa mais do que suficiente para se nutrir e perpetuar sua ação. É possível que estejam lembrando que logo ali atrás, no “breve século XX” tivemos duas guerras mundiais, Guerra Fria, epidemias, cataclismos de grande envergadura e ditaduras cruéis e assassinas nos quatro cantos do planeta. E se recuarmos um pouco mais? E as brutalidades do Imperialismo? E os genocídios da “Era dos Descobrimentos”? E a Inquisição? E as Cruzadas? E as contendas feudais, as disputas regionais, os conflitos tribais...? E a mácula [por milênios onipresente nas mais diversas sociedades] da escravidão? Sem dúvida, em todos esses contextos a realidade há de ter sido mais do que propícia à infestação demoníaca. Contudo, precisamos fazer algumas ponderações.

        Primeiramente, devemos observar que, em qualquer um dos momentos históricos citados acima à guisa de exemplo, a população mundial era bem menor do que a atual. Além disso, esses foram contextos que provocaram milhares [ou mesmo milhões] de mortes no seu decorrer. A consequência disso podemos ilustrar de forma análoga a um vírus causador de uma grande epidemia. Se todos os infectados morrem, o micro-organismo fica sem hospedeiros para se propagar, ainda que essa imobilidade possa ser apenas temporária. Semelhantemente, quanto menos população houver em um determinado lugar, menos veículos para manifestação um demônio vai ter e, consequentemente, menos energia para se nutrir. Em Magic: White and Black, Franz Hartmann argumenta que uma força anímica [como, por exemplo, o demônio da Inveja] perderia sua capacidade de interagir no mundo físico pela ausência de hospedeiros, caso todas as pessoas do planeta morressem, mas ele não deixaria de existir. Apenas ficaria latente, restrito ao Plano Astral, até que surgisse algum outro tipo de ser material que fosse receptivo à sua atuação.

            A conclusão desse raciocínio não é difícil de inferir. Graças a desdobramentos como o avanço da Medicina, a maior disponibilidade de alimentos, as melhoras nas condições de saneamento básico e higiene, entre outros fatores [que infelizmente não abrangem todas as áreas do globo] tivemos um acelerado crescimento populacional nas últimas décadas [a ponto de preocupar alguns teóricos] e, neste início de 2023, já somos mais de 8 bilhões de terráqueos. Ou seja, nunca houve tanta disponibilidade de veículos para a manifestação demoníaca como agora. Mas, será que as condições são propícias? No meu entendimento, está muito claro que sim. Com mais indivíduos para contaminar e, consequentemente, mais energia psíquica deletéria para se nutrir [ainda que, inicialmente, sua concentração possa estar em áreas restritas], mais o demônio se fortalece no Plano Astral, maior fica a Qliphah a qual ele pertence e, assim, se expande seu poder de atuação.

            Aqui no Plano Físico o aspecto dual daquilo que chamamos de “evolução” também faz a sua parte. Refletindo rapidamente sobre os dispositivos tecnológicos [peguemos apenas os telefones celulares e a internet, por exemplo], é muito claro até para crianças [que muitas vezes se tornam vítimas do lado maléfico desse contexto] que eles tornaram a nossa vida muito mais fácil e eficiente em inumeráveis âmbitos, que vão desde a atuação profissional ao mero entretenimento. Contudo, alguém poderia negar que a realidade conectada e esses dispositivos também facilitou enormemente a difusão de conteúdos que instigam a cobiça, a vaidade, a luxúria, o consumismo, a inveja, o ódio e tantos outros elementos que são ao mesmo tempo as armas e a matéria-prima constituinte dos demônios? É claro que celulares e computadores são apenas ferramentas, e as pessoas determinaram se eles vão desempenhar funções úteis ou inúteis, seguras ou perigosas, benéficas ou maléficas. Mas, no atual estado de consciência da maioria da população, quais opções você acredita que são predominantes? Olhe ao redor e tire suas conclusões. Tenho certeza que não será difícil.

            Vamos agora tratar de um exemplo fácil e, por isso mesmo, preocupante. O consumo excessivo de bebidas alcoólicas e seus desdobramentos. Vejamos o que Franz Hartmann escreveu sobre o assunto já em 1886, ano em que Magic: White and Black foi publicado: “É inquestionável que não existe no mundo paixão mais diabólica e perniciosa aos interesses verdadeiros da humanidade e à felicidade individual do que o alcoolismo. [...] Além de causar uma longa lista de enfermidades nos órgãos internos e conduzir à morte prematura, são a causa majoritária dos crimes cometidos nos países civilizados. Para aqueles que encaram o homem como um ser racional, parece incompreensível que nações ditas civilizadas ajudem a sustentar um mal que abarrota suas penitenciárias, hospitais, sanatórios, hospícios e sepulturas”. Não pesquisei dados sobre o consumo de álcool na Europa do final do século XIX [nem sei se existem], mas seria capaz de apostar que aumentou enormemente de lá até os dias atuais.

            Para levar o tema adiante, vamos focar no Brasil, por condizer à nossa realidade imediata e pela maior facilidade de acesso a estatísticas. Por falar em estatísticas aproveito para esclarecer que, obviamente, vou citar as fontes dos dados apresentados, mas não irei colar links, tanto por buscar a praticidade quanto visando não poluir o texto. Quem quiser saber mais à respeito, ou confirmar a veracidade das informações, se for o caso, pode consultar os Registros Akáshicos, atualmente mais conhecidos pela sua versão digital sob o nome de “Google”.

            No site da Universidade Federal do Espírito Santo há um texto intitulado “Consumo de álcool no Brasil é superior à média mundial, diz OMS” onde, citando como fonte uma matéria publicada no Jornal Estadão em 2014, menciona que em 1985, o consumo anual per capita de álcool do brasileiro não chegava a 4 litros. Em contrapartida, o Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo publicou no seu portal na internet em 21/02/2022 um artigo com o título “Pandemia eleva consumo de bebida alcoólica no mundo; Brasileiro supera marca mundial” onde apresenta dados recém-divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) dando que atualmente o consumo anual per capita de álcool no Brasil é de 8 litros, enquanto a média mundial é de 6,4 litros. O texto também informa que nas Américas morrem anualmente cerca de 300 mil pessoas por razões ligadas ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

            E não para por aí. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig), e divulgada em diversos veículos midiáticos em dezembro de 2021, mostra que 55% da população brasileira tem o hábito de consumir bebidas alcoólicas, sendo que 17,2% delas declararam aumento do consumo durante a pandemia de Covid-19, associado a quadros de ansiedade graves por conta do isolamento social. De acordo com o levantamento, uma em cada três pessoas no país consome álcool pelo menos uma vez na semana. O consumo abusivo de bebidas alcoólicas foi relatado por 18,8% dos brasileiros ouvidos na pesquisa. O resultado nos mostra que a população tem um consumo importante de álcool, com frequência e numa quantidade significativa a cada ocasião.  Outra manchete alarmante: “Consumo de bebidas alcoólicas cresce 93,9% na quarentena”, publicada no Portal PebMed, referente à matéria que aborda dados da OMS divulgados em fevereiro de 2021. As fontes são muitas e bem fáceis de encontrar.

            Veja só, caro leitor, eu espero que você não tome esta abordagem como mero moralismo gratuito. Eu realmente acredito na lógica do livre-arbítrio e, quer a gente goste disso ou não, a Natureza [o Cosmos, Deus, ou como queira chamar a estrutura causal da realidade] se encarrega de fazer com que cada ação tenha a sua reação proporcional. Só que, quanto mais informações tivermos, [pelo menos em tese] maior será a nossa capacidade de analisar e refletir sobre nossas atitudes e, quiçá, fazermos delas fontes de consequências que nos sejam mais favoráveis. Se você bebe excessivamente e prejudica apenas a si próprio, eu não tenho mais nada a dizer. Apesar de lamentar, entendo que você está exercendo seu livre-arbítrio e o problema é seu. Agora, se depois de encher a cara você prejudica outras pessoas, então o problema não é apenas seu. Esse é o ponto. O problema não é beber, mas sim o que você faz depois de estar bêbado. No Evangelho Apócrifo de Tomé, Jesus diz: “o que entra pela boca não o torna um homem impuro, mas sim o que sai da boca, isto vos tornará impuros”. Poucos versículos depois, o Cristo adverte: “Agora estão bêbados, e só se converterão se abandonarem o seu vinho”. Perceba que a repreensão é contra a embriaguez, o excesso.

            No capítulo destinado às Qliphoth, em A Cabala Mística, Dion Fortune bate muito nessa tecla, de que os excessos nas atitudes humanas é que constituem “o Mal positivo e dinâmico” que fortalece os demônios. Migene González-Wippler reforça esse entendimento em Jesus e a Cabala Mística, ao propor que a influência das Qliphoth e seus respectivos demônios “está diretamente relacionada com excessos de qualquer espécie”, e exemplifica afirmando que “assim, um excesso de amor gera ciúmes e possessividade, um excesso de desejo sexual produz luxúria, um excesso de ambição material dá origem à avareza, até que toda a variedade de qualidades e inspirações humanas é degradada e aviltada”.

            E as consequências desse processo? Algumas são bem diretas e claras, como a violência no trânsito. Um levantamento realizado pelo Laboratório de Toxicologia Forense, da Polícia Civil do Espírito Santo, revelou que 48% das vítimas fatais de acidentes de trânsito no estado em 2020 estavam sob o efeito de drogas, majoritariamente, álcool. Estou citando o exemplo do Espírito Santo porque os dados estão aqui, mais ao alcance da mão, mas, uma rápida pesquisa revela que na maioria dos demais Estados brasileiros as estatísticas são semelhantes ou ainda piores. Poderíamos também falar sobre violência doméstica. Um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), realizado com sete mil famílias em 108 cidades do Brasil, comprova que o álcool funciona como "combustível" da violência doméstica. E a violência impulsionada pela bebida alcoólica persiste, na maioria das vezes, por mais de dez anos. O estudo aponta que a gravidade das agressões é maior quando há ingestão de bebida. O uso de armas e o abuso sexual, tanto ameaça quanto consumação, ocorreram, respectivamente, numa proporção dez e quatro vezes maior, quando comparados aos domicílios nos quais o agressor não estava sob efeito do álcool.

            Se a situação piorou com a pandemia de COVID-19, é fato que a relação entre álcool e violência em geral não se configura em novidade no Brasil. Ainda em 2005 os pesquisadores Ronaldo Laranjeira, Sérgio Marfiglia Duailibi e Ilana Pinsky da Unidade de Pesquisa em Álcool e outras Drogas (UNIAD) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) publicaram um artigo onde consta que “estatísticas internacionais apontam que em cerca de 15% a 66% de todos os homicídios e agressões sérias, o agressor, vítima, ou ambos tinham ingerido bebidas alcoólicas; da mesma maneira, o consumo de álcool está presente em cerca de 13% a 50% dos casos de estupro e atentados ao pudor. No Brasil, dados do Cebrid apontam que 52% dos casos de violência doméstica estavam ligados ao álcool”. Eu convivi por um bom tempo quase que diariamente com policiais militares e eles me disseram, por diversas vezes, que aqui na nossa cidade, de cada cinco chamadas emergenciais recebidas, quatro eram “casos de Maria da Penha” e que, na quase totalidade das circunstâncias, uma ou ambas as partes envolvidas estavam alcoolizadas. Infelizmente, penso que na maioria das cidades brasileiras a realidade não deva ser muito diferente. 

         

        Acredito que as consequências no Plano Físico estão bem ilustradas. Mas, e no metafísico? Conforme já mencionamos anteriormente neste ensaio e no anterior, quanto mais pessoas vivenciando sentimentos, pensamentos e atitudes negativas, mais energia emanam para nutrir os demônios correspondentes àquelas vibrações. Com isso, essas entidades maléficas se fortalecem e mais difícil fica para o ser humano médio se manter imune às suas influências. São os momentos em que a balança fica desequilibrada e os riscos aumentam. Contudo, ainda mais perturbadora me parece aquela lógica, também já mencionada, de que, por afinidade, pela simples relação causal de que “semelhante atrai semelhante” um indivíduo que venha a desencarnar vivenciando tal realidade, tende a ser tragado pela Qliphah demoníaca afim tão logo adentre ao Plano Astral. Não sei quanto a você, prezado leitor, mas a mim é desconcertante a hipótese de viver consumido pelos vícios na dimensão material e, depois de morto, se tornar escravo de entidades diabólicas, quiçá por qual imensidão de tempo, e sendo sujeitado a sabe-se lá que horrores inerentes às esferas demoníacas. 

        

         Tudo isso é mero exemplo, motivado pelo que me vem à mente cada vez que dirijo pela cidade à noite e vejo bares lotados, gente bebendo nas calçadas, diante de lojas de conveniência e distribuidoras ou recantos escuros de praças e parques – muitas vezes adolescentes e até crianças, com seus repulsivos “kits” compostos por energéticos de quinta categoria e destilados vagabundos. E as outras drogas? Sobre essas nem vamos nos ater, pois seria preciso escrever um livro ao invés de um mero ensaio. Você, que leu até aqui, com certeza entende a lógica disso. Estamos apenas arranhando a superfície do problema. Poderíamos expandir os questionamentos similares sem esforço: o que dizer sobre essa necessidade paranoica de se obter likes e visualizações em redes sociais, muitas vezes para isso ultrapassando qualquer limite do bom-senso? E a epidemia de procedimentos estéticos, que não raramente resultam em consequências irremediáveis? E a “ditadura da magreza”, apontada por inúmeros profissionais da área da saúde como causa direta de graves distúrbios, como depressão, ansiedade, anorexia e bulimia? Os demônios da Vaidade se refestelam. E não podemos deixar de mencionar ainda este ódio, que aparentemente irrompe de uma deformação consciencial pseudopolítica e que hoje infesta a psicosfera como uma praga nauseabunda de radicalismo e intolerância, levanto incautos a colecionarem atritos e desarmonias [que, por vezes, nitidamente beiram a psicopatia] nas relações sociais, profissionais e familiares ao ponto de, não raro, descambar para a violência. Acredito que as chamas de Golachab devem estar crepitando com muita intensidade no Plano Astral. 

        

        E de nada ajuda adentrar ambientes, que aparentariam aos desavisados serem menos propícios à infestação demoníaca, e perceber todo mundo [às vezes famílias inteiras] ignorando a presença uns dos outros por estarem grudados nas telas de seus celulares. Já vi, por diversas vezes, adultos entregando celulares nas mãos de crianças pequenas [algumas, pouco mais do que bebês] simplesmente para que parassem de chorar e lhes deixassem em paz. Eu convivo regularmente com professores, profissionais da área da saúde e simplesmente pais de adolescentes e tenho ouvido o tempo todo que nunca houve tantos de casos de depressão, ansiedade [e outros problemas psiquiátricos] como agora, além de um aumento absurdo no número de suicídios e tentativas de suicídio. Já há estudos confirmando essa triste realidade, tanto no Brasil como em outros países e alguns deles já estão publicados na internet, basta pesquisar. E qual é a queixa que mais acompanha a grande maioria das manifestações de preocupação com jovens e crianças, quase como se fosse um anexo? Isso mesmo, o apego desmedido e abusivo dos celulares [e, por consequência, da internet]. O que há por trás dessas telas? Para alguns, decerto, nada de mais, porém, para outros tantos, deve haver frequentemente a sombra tentadora de algum demônio impregnada entre megabytes de informação, procurando uma oportunidade para transcender a barreira do digital e impregnar a alma humana. 

         

          Para concluir, não devemos nos esquecer do que foi mencionado anteriormente sobre as Qliphoth: o que lhes dá sustentação e alimenta os demônios que nelas habitam são os nossos excessos. O Estoicismo nos diz que os excessos constituem os vícios e os vícios são as doenças da alma. Como nem tudo está perdido, essa vertente filosófica também nos indica o remédio [ou, mais adequadamente, a profilaxia] para esses males: a virtude cardinal da Temperança [alguns preferem termos como “moderação”, “comedimento”, “equilíbrio”, “ponderação”, entre outros]. Se tivéssemos mais em conta esse predicado, tão abordado, sob diferentes formas, em inúmeras correntes místicas, filosóficas e ocultistas em geral, e magistralmente representado na carta XIV dos Arcanos Maiores do Tarot, certamente teríamos muito menos problemas com as forças negativas do Plano Astral. Felizmente, para contrapor estas forças negativas, há também as positivas, comumente chamadas de “anjos” [mas que possuem muitas outras designações] a quem podemos recorrer em nosso auxílio. 

         

        Como este texto já ficou mais extenso do que o previsto, trataremos mais detalhadamente das formas de proteção contra os demônios e a subsequente interação com as energias benéficas do Plano Astral no próximo ensaio. Em breve.