31 de mai. de 2022

1999: O CASO DO PALHAÇO - Parte Final

 

PARTE V

21h 20min

 

       O velho dono do hotel parecia não acreditar. Havia dois homens apontando armas para a sua cabeça. Um deles era o seu melhor segurança. O outro era um escritor local que ele próprio tinha chamado para ajudar nas investigações. Todos os demais estavam mortos. Não havia o que fazer.

       – Eu gostaria de saber a razão de tudo isso. – disse o velho, sentando-se desanimadamente em uma poltrona.

       – Ora, Sr. Schneider, nós já falamos sobre isso, embora tenha sido por uma outra perspectiva. – respondeu Rubem, com um olhar insano.

       – Não consigo entender. Aliás, a única coisa que eu entendo é que você é um doido varrido, além de um maldito filho da puta!

       – Não fique tão zangado, meu velho. No fundo somos parte disso tudo. Temos um papel fundamental nessa história. E que história! Ainda mais sangrenta que a primeira! Nossos nomes serão lembrados para sempre! – insistiu o escritor, sem desfazer o sorriso insano dos lábios.

       Renato ouvia a tudo e ria, satisfeito. O Sr. Schneider estava perplexo. Sentia uma fugaz mistura de nojo e ódio.

       – Há dez anos, o Palhaço Gargalhada matou cinco. Nós já matamos oito, e com você será nove. Somos melhores do que o original! – disse Rubem, com sádica satisfação.

       – Não pense que me assusta, seu retardado! – gritou o velho.

       – Eu não quero assustá-lo. Quero apenas que fique orgulhoso. Afinal, vai ser um dos personagens principais de um novo livro de sucesso!

       – Então é isso! Você tramou essa chacina toda, com intenção de ter conteúdo para um novo livro! Você é mais demente do que qualquer um poderia imaginar!

       – Não sei porque tanta surpresa. O Caso do Palhaço foi um dos livros mais lidos da história do nosso país! Uma continuação para esse clássico era algo praticamente obrigatório! Você consegue imaginar o alvoroço que isso irá causar? Talvez até me convidem para integrar a Academia Brasileira de Letras!

       – Você é ridículo! – insistiu o dono do hotel – Aquela bosta de livro nem fez tanto sucesso assim. E você é o Paulo Coelho, por acaso? Admita: nunca ganhou muito dinheiro escrevendo essas merdas! Mas, se é isso que espera ganhar, se estiver interessado no dinheiro, talvez possamos chegar a um acordo.

       – Eu não sou um mercenário! Não sou um porco capitalista como você! Eu sou um artista! É a arte que me interessa! É a transcendência! – retrucou Rubem, gesticulando com o revólver em mãos, de forma frenética.

       – Você deveria estar num hospício!

       – Deixe disso, Sr. Schneider! Eu sempre fui muito legal com você! Na época do primeiro livro, omiti aspectos importantes à história apenas para protegê-lo!

       – Do que você está falando, seu lunático?!

       – Eu estou falando do fato de que você andava comendo a filha do Palhaço Gargalhada! Eu estou falando do fato de que você engravidou a menina, e depois a obrigou a fazer um aborto! Eu estou falando do fato de que o pai dela ficou furioso quando descobriu isso, e que na noite em que ele enlouqueceu e invadiu o hotel matando todo mundo, a intenção dele era chegar até você! É disso que eu estou falando seu velho pervertido! Pedófilo! Aliciador de menininhas!

       O velho começou a chorar. Não estava mais aguentando aquilo tudo. Preferia morrer de uma vez.

       – O coitadinho está chorando! – disse Rubem, com extremo deboche – Será que aquela pobre menina também chorava quando você metia nela?! Me responda, seu velho Calígula! Será que ela chorou de medo naquela espelunca imunda onde você a levou para abortar?! Será que você se importava com o choro dela?!

       – Por favor, chega! – implorou o Sr. Schneider, em meio a lágrimas e soluços – Me matem logo!

       – O que acha disso, meu irmão? – perguntou Rubem para Renato – Devemos incluir no livro esse comovente choro de arrependimento do velho cão sarnento?

       – Sei lá, meu chapa. O intelectual aqui é você! Eu sou apenas mão de obra! Sou apenas o seu executor ! – respondeu o rapaz, emendando uma gargalhada.

       – Vocês são irmãos?! – indagou o velho Schneider, a ponto de enlouquecer.

       – É incrível que esse seu hotel não tenha falido! Você é um péssimo administrador! Nem conhece seus próprios empregados! O Renato trabalha aqui há um ano, e você nunca pegou a ficha dele nas mãos ? Aposto que nem sabia o seu sobrenome! Mas, para seu governo, somos irmãos, sim! Somos um prodígio da natureza!

       – Cara, você é demais! – exclamou Renato – Você devia lançar um livro de poesia!

       – Vocês são uns demônios! – gritou o dono do hotel.

       – Não! – rebateu Rubem – Nós somos a juventude dos anos 90! Nós somos a dor do mundo! Somos um trauma mal curado! Somos uma mágoa nunca esquecida! Nós somos o caos!

       Rubem ergueu as mãos ao alto em um gesto dramático e teatral. Não se sabe por quanto tempo sua insana performance ainda se estenderia caso o seu bizarro show não tivesse sido bruscamente interrompido pelo barulho de sirenes, que se aproximavam rapidamente.

       – Mas que merda é essa?! – indagou o escritor, aparvalhado – Renato, seu idiota! Você chamou a polícia de verdade?

       – Eu não, cara! Não tenho nada a ver com isso!

       – Mas então, quem foi?

       Nesse instante, como se em resposta à pergunta de Rubem, a porta se abriu, e através dela adentrou Sidnei, empunhando uma espingarda. Antes que os irmãos pudessem atacá-lo, ele disparou contra Renato, atingindo-o em cheio, e fazendo-o voar de encontro à janela, para em seguida estatelar-se na calçada lá embaixo. Mas isso foi tudo que ele pode fazer. No instante seguinte, o escritor recuperou-se do susto e acertou três tiros no peito do recém-chegado, que caiu sem vida sobre a mesinha das bebidas.

       Rubem virou-se para o Sr. Schneider. O velho continuava sentado no mesmo lugar.

       – Ainda dá tempo... – disse o dono do hotel. Seu olhar trazia uma mistura de resignação e alívio.

       – Me espere no inferno, seu depravado asqueroso! – vociferou Rubem, um segundo antes de explodir a cabeça do velho com um tiro.

       Em seguida, o escritor desatou-se a correr desenfreadamente. Em poucos instantes já estava na porta principal do hotel, através da qual esperava chegar ao bosque mais rapidamente. Tinha esperança de que a polícia ainda não tivesse chegado até ali, mas logo se frustrou. Duas viaturas estavam estacionando à sua frente, e quatro policiais desembarcavam rapidamente lhe apontando suas armas.

       – Ei, você! Mãos para cima! – ordenou um dos policiais.

       – Cuidado, ele está armado! – gritou outro.

       Rubem continuou avançando alucinadamente. Quando fez menção de apontar seu revólver na direção dos agentes, veio à ordem iminente:

       – Atirem! – ordenou o Chefe de Polícia.

       Em meio ao eco dos disparos, o escritor foi alvejado por meia dúzia de tiros e desabou a poucos metros de onde havia se estatelado o corpo de seu irmão, após este ter voado pela janela.

       – Quem é esse cara? – perguntou um dos policiais, ao se aproximar da poça de sangue onde Rubem agonizava.

            – Eu sou ... um artista ... incompreendido ... – balbuciou o escritor, antes de exalar seu último suspiro.

 

FIM.

 

 

O Caso do Palhaço é um livro escrito por André Bozzetto Jr em 1999 que acabou não sendo publicado no época e, posteriormente, seus originais foram considerados perdidos, fazendo com que permanecesse inédito por mais de 20 anos. Recentemente redescoberta, a obra está sendo agora disponibilizada gratuitamente na forma de capítulos semanais no blog Relatos Noturnos.   

24 de mai. de 2022

1999: O CASO DO PALHAÇO - Parte IV

 

PARTE IV

 

       20h 44min

 

– Não adianta, Sr. Schneider. Ninguém responde. – disse Charles, largando o seu rádio comunicador sobre a escrivaninha.

– Onde diabos teriam se metido o Renato e o Duda? – questionou o dono do hotel, desanimadamente.

– Com certeza estão mortos, como o Rodrigues e os outros. – disse o escritor. – E é só uma questão de tempo até ele vir nos pegar também.

– Se conseguirmos ficar aqui até o amanhecer, alguém aparecerá. Estaremos salvos. – ponderou o velho, tentando encontrar alternativas.

– Isso é bobagem! – retrucou o escritor – Ele sabe que não terá oportunidade melhor do que essa para acabar com a gente. Não creio que vá deixar passar.

– Talvez possamos fugir a pé... – insistiu o dono do hotel – Somos em três, temos duas armas, sairemos juntos ...

– Sinto desaponta-lo, Sr. Schneider. Mas, naquele momento em que as luzes se apagaram, eu estava vindo para cá, e acabei caindo e perdendo o meu revólver. – explicou-se Charles, constrangido – Agora, o único armado aqui é o senhor.

– Mas que merda! – gritou Sr. Schneider, furioso – Será que só nos resta esperar até aquele maníaco vir nos matar?!

– Está vendo no que dá contratar esses garotos para serem seguranças?! – exclamou Rubem – Eles não têm preparo nenhum! Você nunca pensou em contratar profissionais?

– Por favor! Agora não é hora de discutirmos isso! – respondeu o dono do hotel – Se ao menos soubéssemos quem é esse maldito assassino, talvez tivéssemos alguma chance!

– Você já pensou no detetive? – perguntou o escritor, em um tom de voz quase sussurrado.

– O que é que tem o detetive? Está desaparecido, como os outros. – respondeu o dono do hotel, sentindo-se confuso.

– Já pensou que o assassino pode ser ele?

– Era só o que faltava! – vociferou o velho, perplexo.

– Diga-me, Sr. Schneider, quando foi que contratou o detetive? – continuou Rubem.

– Foi há dois dias.

– E como o senhor entrou em contato com ele?

– Na verdade, foi ele quem me procurou, oferecendo seus serviços. Disse que tomou conhecimento dos crimes através da imprensa.

– Está vendo?! Ele tomou a iniciativa de procurá-lo, e já estava a par da situação!

– Isso não quer dizer nada! Por que ele iria fazer isso tudo?!

– Há dez anos atrás, o Caso do Palhaço tornou-se manchete no Brasil inteiro e até no exterior. Uma segunda edição dessa história macabra vai repercutir ainda mais, e ele se tornará ainda mais famoso, como o detetive que resolveu o caso! Pense no prestígio! Estamos falando de cobiça, orgulho, poder...

– Isso me parece complexo demais! – disse o velho, confuso.

– Mas existe outra hipótese: já pensou na possibilidade de aquele cara não ser o detetive Allan? – perguntou o escritor, cada vez mais empolgado.

– O que é isso?! Não seja ridículo! Ele é um detetive conhecido no Brasil inteiro!

– Certo. Mas antes de contratá-lo, o senhor já o tinha encontrado pessoalmente?                                     

 – Não.

– Já tinha visto-o na televisão? Alguma vez viu fotos dele em revistas ou jornais?

–Não. Nunca.

– Quando ele chegou, pediu suas credenciais? Olhou seus documentos?

– Não. Mas que merda!

– Entendeu o que eu estou dizendo?! Ele pode ser um impostor! Um maníaco se fazendo passar pelo verdadeiro detetive Allan!

– Não sei o que dizer ... Talvez ele esteja morto ...

– Mas não é só isso! Há outros indícios. Veja quanto tempo faz que ele saiu daqui e não voltou mais. Além disso, o que ele estava fazendo correndo pelo bosque, como o seu segurança diz que viu?

Ante que Sr. Schneider pudesse dizer qualquer outra coisa, alguém bateu na porta.

Os três homens olharam-se, sobressaltados. Um profundo silêncio carregado de tensão pairou no local.

– Quem está aí? – perguntou o velho.

– Sou eu, Allan. – respondeu a voz vinda do outro lado da porta.

– Não abra! Pelo amor de Deus, não abra! – sussurrou Charles, em pânico.

– Está vendo?! – exclamou o escritor – Ele já matou todos os outros, só falta nós!

– Infelizmente não podemos abrir, Allan. – disse o dono do hotel – Não temos certeza quanto às suas intenções.

– Deixem de bobagens e abram logo essa porta! – gritou o detetive – Estou ferido e desarmado!

– Se você abrir, ele vai nos matar. – insistiu Rubem.

– Por favor, Sr. Schneider! Eu vi o assassino, e sem demora ele virá até aqui! Deixe-me entrar!

– Pois que seja! – disse o velho sacando a arma e abrindo a porta de supetão – Vamos acabar com isso de uma vez por todas!

Quando Allan entrou, todos puderam ver o estado lastimável em que se encontrava: estava bastante abatido, ensanguentado e caminhando com dificuldade.

– Onde você esteve até agora? – perguntou Sr. Schneider, apontando-lhe a arma.

– Fiquei desacordado por um tempão! – justificou-se o detetive – Depois de bloquear o elevador como você me pediu, eu estava voltando para cá, quando vi alguém correndo pelo corredor lateral. Pensei que fosse Sidnei, e fui atrás dele. Porém, quando cheguei no final, não havia ninguém lá, mas a janela estava aberta. Logo, presumi que não deveria ser Sidnei, pois ele não teria a agilidade necessária para saltar do segundo andar daquela forma. Quando me reclinei para olhar através da janela, alguém me atingiu por trás com um forte golpe na cabeça, me fazendo despencar lá para baixo. Caí sobre um canteiro de flores, no jardim interno, e desmaiei. Provavelmente o agressor estava escondido em algum quarto, no final do corredor.

– Isso é apenas uma desculpa esfarrapada! Não acredite nele, Sr. Schneider! – gritou o escritor.

– Cale-se! – disse o velho, irritado – Deixe-o continuar.

– Quando recobrei os sentidos, percebi que havia passado um bom tempo. – prosseguiu Allan – Me senti debilitado, pois perdi muito sangue. Levantei-me com dificuldade. Notei que o segundo andar estava às escuras. Contornei o jardim e entrei pela porta dos fundos do restaurante. Quando me aproximei da cozinha, vi um homem arrastando um cadáver! Só então percebi que havia perdido minha arma. Esperei o assassino se afastar e corri para cá. No caminho encontrei o corpo do Rodrigues. Foi decapitado! Aproximei-me procurando sua arma, mas não estava mais com ele.

– Só faltava o senhor acreditar em uma história dessas! – intrometeu-se novamente o escritor.

– Rubem, cale a boca! – gritou o Sr. Schneider – Como era o tal assassino, Allan?

– Grande. Maior do que o Rodrigues. E jovem. Vinte e quatro ou vinte e cinco anos, no máximo.

– E o cadáver? – perguntou Charles, angustiado. – Conseguiu ver como era?

– Também era jovem. Pelo uniforme acredito que era um dos seguranças.

– Provavelmente era o Duda. – concluiu Charles, com pesar.

– Atire nele, Sr. Schneider ! Ainda não entendeu que é ele o assassino?! – gritava Rubem.

– Cale a boca, seu retardado, ou eu quebro a sua cara! – ameaçou o detetive.

– Parem, vocês dois! – exigiu o dono do hotel.

A discussão prosseguia exaltada e tensa, quando, do lado de fora da sala, alguém gritou:

– Ei! O que está acontecendo aí dentro? – indagou o desconhecido.

Os homens calaram-se. Como de praxe, o Sr. Schneider tomou a dianteira da situação.

– Quem é você? – perguntou o velho, sem tirar os olhos do detetive.

– Não reconhece minha voz, Sr. Schneider? Sou um dos seus seguranças, o Renato.

– Graças a Deus algum se salvou! – comemorou Charles.

– Por onde andou? Estamos passando o diabo por aqui! – questionou o dono do hotel.

– Meu rádio comunicador parou de funcionar... – explicou Renato – Fiquei preocupado com a falta de notícias e fui até o estacionamento, procurar pelo Dinho. Quando cheguei lá, o encontrei morto. Vi quando as luzes do segundo andar se apagaram. Achei arriscado entrar no hotel, então corri até a propriedade vizinha e telefonei para a polícia. Eles já devem estar chegando. Agora me deixem entrar! Estou ouvindo passos lá embaixo!

– Até que enfim, apareceu alguém sensato! – exclamou o escritor, juntando as mãos em um gesto de súplica.

Por um instante, Charles percebeu que algo não estava certo na cronologia da história contada por Renato. Mas não houve tempo para discussão. Tão logo o Sr. Schneider abriu a porta para o recém-chegado, o detetive começou a gritar:

– É ele! O assassino! O cara que eu vi na cozinha!

Numa fração de segundos, Renato sacou uma arma e atirou duas vezes no peito do detetive, arremessando-o contra a parede. Em seguida, com uma rapidez incrível, apontou para Charles e atirou novamente, fazendo seu crânio arrebentado expirar sangue de encontro às paredes do aposento.

Antes que o Sr. Schneider pudesse recuperar-se da surpresa, sentiu o cano frio de um revólver sendo encostado na sua cabeça.

– Solte a arma Sr. Schneider, ou os seus miolos vão voar por essa sala. – ordenou o escritor, em meio a um sorriso sarcástico.

 

 

A conclusão da história virá na próxima semana!

 

O Caso do Palhaço é um livro escrito por André Bozzetto Jr em 1999 que acabou não sendo publicado no época e, posteriormente, seus originais foram considerados perdidos, fazendo com que permanecesse inédito por mais de 20 anos. Recentemente redescoberta, a obra está sendo agora disponibilizada gratuitamente na forma de capítulos semanais no blog Relatos Noturnos.  

17 de mai. de 2022

1999: O CASO DO PALHAÇO - Parte III

 

PARTE III

            19h 40min

 

            Dinho estava arrependido. Quando o Sr. Schneider ofereceu pagamento em dobro para os seguranças que permanecessem no hotel, ele havia decidido ficar, e agora era tarde demais para ir embora. Já havia anoitecido, e ele estava com medo. Dos oito seguranças da equipe, metade foi embora logo depois do último assassinato, há três dias. Permaneceram apenas Renato, Charles e Duda, além dele próprio. Ele sabia que Duda e Charles estavam interessados apenas na grana extra, e por isso ficaram. Mas deviam estar se borrando de medo, como ele. Estranho mesmo era o Renato, que parecia não ter medo de nada.

            Naquele momento, o estacionamento principal, em frente ao hotel, estava completamente vazio. Parecia um grande deserto asfaltado. O Sr. Schneider e seus convidados deixaram os carros no estacionamento de trás. Dinho viu quando eles chegaram.O Sr. Schneider em seu belo Omega, o detetive com um Vectra. O escritor parecia mais modesto, veio de Monza.

            O jovem segurança estava distraído, imerso em suas próprias preocupações, quando teve a impressão de ter ouvido um grito. Não tinha certeza, mas parecia ter vindo do outro lado do estacionamento, perto do bosque. Com o coração acelerado e uma crescente sensação de desconforto, tentou entrar em contato pelo rádio com Renato, que era quem deveria estar vigiando aquela área, mas ele não respondeu. Tentou contatar Duda, mas novamente ficou sem resposta. Apenas quando entrou na frequência de Charles é que conseguiu localizar alguém.

            – Charles, você está me ouvido? – perguntou Dinho.

            – Positivo. Pode falar.

            – Onde você está?

            – No meu posto,ora! No estacionamento de trás.

            – Você não ouviu um grito?

            – Não. Quando foi isso?

            – Acho que faz uns dois minutos. Tentei entrar em contato com o Renato e com o Duda, mas eles não responderam.

            – O Renato passou por aqui há meia hora atrás. Parece que esta acontecendo alguma coisa lá dentro. E quanto ao Duda, eu não o vejo desde que anoiteceu.

            – Ok. Fique atento.

            – Certo. Se o Duda aparecer, ou se precisar de algo é só chamar.

            – Valeu. Até mais!

            Depois de ter falado com Charles, Dinho se convenceu que o grito fora apenas uma alucinação auditiva, fruto do nervosismo. Quanto ao medroso do Duda, provavelmente estava escondido em algum lugar, todo borrado. E lá dentro não devia estar acontecendo nada de mais, caso contrario, teria sido chamado. Contudo, suas reflexões otimistas forma bruscamente interrompidas quando ele ouviu, com um sobressalto, passos de alguém se aproximando às suas costas. Virou-se apenas a tempo de receber uma violenta machadada que lhe espatifou o crânio em múltiplos pedaços, sujando em tons pegajosos de sangue e fragmentos de cérebro o asfalto frio e cinza do estacionamento.

 

            20h 02min

           

            – Mas onde será que aqueles dois se meteram?! – esbravejou o Sr. Schneider.

            – Será que Sidnei os pegou? – indagou o escritor, empolgado.

– Meu Deus! Nem sabemos se é realmente ele o assassino! Além disso, Sidnei é um cara debilitado, quase um aleijado! E aqueles dois são homens fortes e estão armados! – respondeu o dono do hotel.

– O assassino já demonstrou ser muito astuto. Ataca suas vítimas de surpresa, antes que possam se defender. – Argumentou Rubem, insistente.

– O pior de tudo é que o Rodrigues está com o rádio. Assim nem posso chamar os seguranças que estão lá fora! – lamentou o velho.

Nesse instante, um grito horripilante ecoou pelo hotel.

– O que foi isso? – indagou o escritor – Será que ele pegou mais alguém?

– Como posso saber? – retrucou o velho, já com a arma em punho.

Enquanto o Sr. Schneider se aproximava cautelosamente  da porta que dava acesso ao corredor, ouviu-se um estalo, e a energia elétrica foi cortada, deixando-os às escuras.

– Só faltava essa! – gritou Rubem.

– Isso está ficando fora de controle! Vou chamar a polícia ! – exclamou o dono do hotel, pegando o telefone de cima da escrivaninha.

– Do lado de fora da sala, alguém estava tentando abrir a porta.

– O telefone está mudo! Foi cortado! – gritou o velho.

– Tem alguém ali fora, Sr. Schneider ! – disse o escritor, aproximando-se do velho.

– Rodrigues, é você ? – perguntou o dono do hotel, apreensivo.

Ninguém respondeu. Do lado de fora, a porta foi forçada novamente.

– É você, Allan? – questionou o velho – Eu estou armado, e se não disser quem está aí, vou atirar!

– Sr. Schneider, abra a porta, por favor! – sussurrou uma voz, do outro lado.

– Quem está aí ? – perguntou o dono do hotel, com os nervos à flor da pele.

– Sou eu, Charles! – respondeu a pessoa do outro lado.

– Quem é esse Charles? – perguntou Rubem.

– É um dos seguranças. – explicou o Sr Schneider.

– Por favor, abram a porta! – insistiu a pessoa do lado de fora – Está acontecendo um massacre aqui!

O dono do hotel aproximou-se da porta.

– Não abra! – gritou o escritor – Ele pode estar envolvido!

– Isso é bobagem! – retrucou o velho – Conheço esse rapaz desde que ele era criança!

Quando o Sr. Schneider abriu a porta, Charles atirou-se para dentro desesperadamente. Estava ensopado de suor, e trazia na face um semblante apavorado.

– O que está acontecendo? – perguntou o dono do hotel, trancando a porta novamente.

– Dinho e Rodrigues estão mortos! – respondeu o rapaz, com a voz trêmula.

– Mas como?! – espantou-se o velho.

– Eu não sei! Falei com o Dinho pelo rádio, e ele estava preocupado porque não conseguia contato com os outros seguranças. Como também não os encontrei, decidi ir até o estacionamento principal, para falar com o Dinho pessoalmente. Mas quando cheguei lá, ele estava morto, com a cabeça arrebentada! Havia pedaços de miolos e sangue por toda parte! – Charles estava quase desmaiando – Quando vi aquilo, corri aqui para dentro, e então encontrei o Rodrigues.

– E onde ele estava ? – perguntou o Sr. Schneider, servindo ao segurança uma dose de whisky.

– O corpo estava no meio da escada... e a cabeça estava lá embaixo, no primeiro andar. – respondeu Charles, bebendo com muita dificuldade, devido à tremedeira.

– Meu Deus! Meu Deus! – exclamava o velho, abismado.

– E agora? O que vamos fazer? – indagou o escritor.

– Podemos tentar chegar até o estacionamento de trás. – disse o Sr. Schneider – Então pegamos um carro e fugimos!

– Não vamos conseguir! – exclamou o escritor – O assassino vai nos pegar antes disso! Além do mais, ele já cortou o telefone e a eletricidade, provavelmente sabotou os carros também.

– Eu não teria certeza quanto a isso. – interveio Charles – Eu estava lá até alguns minutos atrás, e ninguém apareceu.

– Você não viu ninguém lá fora? – perguntou Sr. Schneider.

– Na verdade, um pouco antes de encontrar o corpo do Dinho, eu vi o detetive correndo pelo bosque, feito um louco.

– O detetive? – espantou-se o velho – Agora realmente eu não entendo mais nada!

– E Sidnei? – perguntou o escritor – Você não viu Sidnei?

– Sidnei? – espantou-se Charles.

– Isso mesmo, Sidnei, o manco. Você o viu?

– Mas, ele foi embora, há um bom tempo atrás! – respondeu o segurança.

– Como assim, foi embora? – interveio Sr. Schneider.

– Simplesmente pegou a sua caminhonete e saiu em disparada, pelo portão dos fundos.

– E por que você não nos avisou?

– Porque Sidnei sempre entrou e saiu a hora que quis. Ninguém me pediu para vigiá-lo.

– Bem – disse o velho – Pelo menos sabemos que o assassino não é ele.

– Eu não apostaria nisso. – intrometeu-se Rubem – Ele pode ter feito aquilo apenas para despistar.

– Pelo amor de Deus, Rubem! – irritou-se o dono do hotel – Pare de insistir nessa história! Veja o que aconteceu com Rodrigues! Ele era um homem com mais de um metro e noventa de altura, entendia de artes marciais e estava armado com uma Magnum! Sidnei nunca teria condições de massacra-lo daquela forma!

Todos ficaram em silêncio.

– Talvez você tenha razão. – concordou o escritor, após refletir por alguns instantes.

 

       20h 15min

 

       Duda já tinha planejado tudo. Sairia sorrateiramente da cozinha, onde estava escondido, passaria correndo pela área de serviço, e chegaria ao estacionamento traseiro pela porta dos fundos. Lá, entraria no primeiro carro que encontrasse aberto, e fugiria daquele lugar maldito, o mais rápido possível. Que se lixassem o Sr. Schneider, o Dinho e os outros seguranças. E principalmente, que se lixasse o nojento do Renato, que sempre quis bancar “o gostosão”. Tomara que o tal Palhaço Gargalhada arrancasse as tripas dele. Não importava que o chamassem de covarde. Aliás, nada mais importava, além de salvar a sua própria vida.

       Desde que anoitecera, Duda notou que as coisas não estavam bem. O ar estava denso e tinha cheiro de morte. Por isso resolveu se esconder. Afinal, nunca fora segurança droga nenhuma, apenas pegou aquele emprego porque lhe disseram que não precisaria fazer nada. Chutar o traseiro de algum bêbado, no máximo. Mas a situação ia mal. Há alguns instantes atrás, ele ouviu passos, gritos, gemidos e todo tipo de barulhos assustadores. Porém, depois tudo ficou em silêncio, e só o que ele tinha que fazer era sair do armário e correr, com todas as suas forças. Se alguém aparecesse na frente, ele iria mandar bala.

     Silenciosamente, o rapaz saiu de seu esconderijo. Estava tudo calmo. Andou apressadamente em direção a porta da área de serviço, mas um calafrio percorreu-lhe a espinha ao constatar que a mesma estava trancada. Subitamente, uma dor tremenda invadiu-lhe o corpo no instante em que suas costas foram transpassadas por uma violenta facada. Em um primeiro instante até tentou se defender em meio à dor e o pânico, mas foi inútil, pois o seu agressor era muito forte. Depois de uma série de golpes, desabou ao chão, repleto de sangue, e antes de perder definitivamente a consciência, lhe veio à mente a imagem surreal do velho sítio dos pais, na sua cidade natal, de onde desejou nunca ter saído.

 

Continua na próxima semana...

 

O Caso do Palhaço é um livro escrito por André Bozzetto Jr em 1999 que acabou não sendo publicado no época e, posteriormente, seus originais foram considerados perdidos, fazendo com que permanecesse inédito por mais de 20 anos. Recentemente redescoberta, a obra está sendo agora disponibilizada gratuitamente na forma de capítulos semanais no blog Relatos Noturnos.