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8 de jul. de 2025

LINHA MORTAL

 


Por Clayton Alexandre Zocarato 

Linha Mortal – Uma Análise Filosófica, Gótica e Psicológica sobre a Culpa, Deus e o Limite da Razão – 25 anos depois

 

Linha Mortal de Joel Schumacher (1939 – 2020), de 1990, prova uma vertigem de mistura psicológica entre o que pode ser considerada “como irreal e real”.

Todavia a discussão “do real” encontra caminhos de uma liberdade individual que venha produzir psicologias de equívocos intelectuais, quanto a procedimentos de como a mente possa estar esgarçada dentro de parâmetros de se trabalhar uma intelectualidade, perante a medicina e a salvação do corpo, possa oferecer respostas para os mais variados tipos de dilemas humanos.

Julia Roberts (1967),  Kevin Bacon (1958),  Kiefer Sutherland (1966), William Baldwin (1963), Oliver Platt (1960)  esgarçam comportamentos de jovens estudantes, que confundem a busca da consagração do sucesso com seus traumas e segredos pessoais.

E se a mente humana tiver uma vontade própria que esteja além da aquiescência do livre arbítrio, e que também chega a um ponto de estruturas mentais perante o que pode ser entendido como sendo “algo ou alguém real”?

Um real que entra em um contato com a ideia de “deserto do real” de Slavoj Zizek (1949), que venha ocupar diâmetros para se trabalhar uma tipologia de cinema que possa tanto conter a esfera da memória dialética, contendo o “reflexivo como também repressivo”.

Schumacher faz uma análise em torno de como o princípio de memoria pode ao mesmo tempo trazer as lembranças para o crescimento individual de cada pessoa, como também se caminhar para uma ontologia, que passe para uma desconfiança da racionalidade.

Nesse ponto o personagem Nelson (Sutherland), é um desafio intrépido nos limites entre a vida e a morte, que dentro dos seus traumas do passado, deseja (in)conscientemente, tentar um tipo de redenção perante sua culpa.

Uma “culpa”, que segundo Freud (1856 – 1939), passa por um cotidiano, aos quais venha trazerem novos alvoreceres, de um esclarecimento metafísico em que todas as pessoas estão sujeitas para um tipo de “rizoma”, de que a “culpa”, é um sentimento lúdico que tenha a inconsistência de lembrar para o homo sapiens sua limitação perante a natureza.

Usando de David Hume (1711 – 1776), a inconsistência as natureza, faz com que cada “entendimento seja dialético, tanto no caminho material como mental”.

Em Linha Mortal transcorre um jogo frenético de sentimentos, que venham misturar, lamentos, com a formação de uma tipologia de mentalidade que não fique encarcerado no passado.

Dentro de um universo historiográfico o “passado de cada personagem, é um drama dos principais problemas da dita pós-modernidade, como a pornografia, o uso de drogas, a delinquência juvenil, o racismo”.

São elementos que realizam um drama psicossocial que ultrapassa o gênero cinematográfico do suspense, e se chega para uma análise em que o sombrio pode vim a revelar a face de problemáticas lacunas de uma integração mundialista que possa fazer da arte algo que seja sublime quanto ao esclarecimento de uma ética, que não esteja dentro de uma polímata interpretativa escancarada somente no visual.

Um visual, que eleva um laconismo, de nuanças quanto à interpretação contra um pragmatismo em se classificar a neurose ou a loucura como sendo exemplos de uma mesma tipologia humana. Tipologia, que passa por uma teoria do cinema, perante os sentimentos e segredos mais profundos da mente.

“A mente”, por si só já mente, o que deixa um caminho de liberdade, em que ser livre, é uma interrogação entre o quinteto do elenco principal, dividido, entre cumprirem com os procedimentos abjurados por Hipócrates (460  a.C - 370 a.C)  , “como também estão dentro da Caverna de Platão, quanto a ousar ir além do que suas premissas burocráticas e legais permitem”.

Brincar com os liames da morte, ou formar uma diacronia de enredos intelectuais que possa sedimentar uma engenhosidade de que para vida, a morte se faz como uma companheira inevitável que leva as pessoas para uma espiritualidade, que em certos momentos deseja está ainda no carnal?

A carne em meio às imagens do sacrifico do filho de Deus, que deu sua vida pela humanidade, dentro da doutrina cristã, mas que passa a ser desafiado pelo ceticismo da medicina.

De forma não explicita a medicina, é uma grande incógnita para a sua “mise em scéne”, pois é um tipo de saudosismo dos personagens, aos quais não há farmacologia que possa curar.

A solidão dos estudos, em meio ao erro de ter que abdicar da diversão em meio a uma humanidade que adoece precocemente.

A ansiedade de Rachel (Roberts), em tentar se livrar da memória do pai suicida e viciado, levanta temas como a sociedade do efêmero, como também a sociedade cansada, que está enlutada a não procurar maiores desafios.

Ou as atitudes racistas de Labraccio (Bacon), que se arrepende, mas deixa um gosto amargo de quem somente sofreu com a discriminação racial pode saber, o quanto é difícil lidar, com um “labor”, de exclusão que em determinados momentos tem um gosto pior do que a morte.

A morte, que docilmente caminha por entre as pessoas, procurando no momento correto revelar sua verdadeira face, aos quais engrandecem que desprezar a vida, seria uma carência em não se produzir reflexões, que viesse a combater uma massificação de que todas as pessoas vivem iguais, sem conter uma elevação de amadurecimento filosófico, que chegue a uma “microanálise”, perante que  cada ser-humano é um universo em especial a  vim ser explorado, perante uma ciência se  que confunde com  a arte, e que as vezes brinca com os sentimentos alheios mais profundos.

Segundo o escritor André Gide (1869 – 1951) “a volúpia em sentir o corpo ao limite, se mistura com a limitação em reduzir o poder da razão perante os piores dilemas humanos”, no caso de Linha Mortal tanto a razão como a emoção caminha lado a lado, fazendo da arte uma expressão de consolo perante a fragilidade do ser-humano, no mundo criado por Deus.

 E no caso a ciência só ocorrer pela vontade divina, e isso fica latente na cena final quando Labraccio  se desespera e questiona as vontades do criador mor, perante suposta morte de Nelson, o que leva a indagar acerca da sua posição, ateísta, que é uma mistura de sado-desejo em tentar acreditar plenamente na ciência, como também buscar uma consciência, que venha a conter uma inteligência que não venha julgar os erros da humanidade, mas sim,  possibilitar um caminho de redenção e afastamento da paixão da ignorância em nome do crescimento do saber claro e sucinto, contendo empatia e veracidade filosófica e empírica.

 “A mente, por si só, já mente.”

Essa frase — que poderia ser dita por Nietzsche (1844 – 1900), Lacan (1901 – 1981) ou por um dos cinco protagonistas de Linha Mortal.

Ambientado em um universo frio, entre mármores clínicos e sombras carregadas, o longa propõe uma pergunta perturbadora: e se a vida após a morte não for o fim, mas uma extensão do inconsciente?

Inspirado por vertentes góticas, filosóficas e com um subtexto teológico e psicanalítico denso, o filme ultrapassa o suspense científico e se insere num campo híbrido entre o existencialismo, o terror psicológico e a crítica, ao ideal de racionalidade médica.

O grupo de jovens médicos realiza experiências de quase morte, interrompendo suas funções vitais para acessar aquilo que o racionalismo científico se recusa a reconhecer: o além, ou ao menos o “inconsciente absoluto”.

Nelson, o líder da empreitada, flerta com a morte não por curiosidade médica, mas por culpa. Ele carrega o trauma de ter provocado o suicídio de um colega de infância, e vê na experiência limítrofe uma forma de expiação. Aqui, há um eco direto com Freud e o conceito de retorno do recalcado: os fantasmas que assombram Nelson não vêm de fora, mas de dentro.

A culpa assume forma corpórea, revelando a materialização do inconsciente. “A culpa é um lúdico existencial. Um lembrete da nossa limitação frente à natureza.”

Linha Mortal se aproxima da noção de “deserto do real”, explorada por Slavoj Žižek: os personagens retornam da morte, mas trazem consigo não verdades cósmicas, e espectros de suas repressões mais íntimas.

A morte não revela Deus; revela a si mesmo. Isso é radicalmente anti-cartesiano. Não se trata do “penso, logo existo”, mas do “sofro, logo sou culpado”. Essa experiência remete ao mito da Caverna de Platão (428/427 - 348/347 a.C.): os médicos saem da sombra, tocam o fogo da verdade e não suportam o que veem. Ao invés de iluminação, há cegueira.

À volta à vida não os purifica — os perturba. A luz não salva: queima. Linha Mortal pode ser com parada com Outras Obras cinematográficas como: "Solaris" (Tarkovsky (1932 – 1986), 1972): Tal como Linha Mortal, Solaris apresenta um espaço onde as memórias se corporificam e desafiam os limites do real. Ambas as obras tratam do inconsciente como campo de embate ético.

"O Iluminado" (Kubrick (1928 – 1999), 1980): O hotel de O Iluminado funciona como a mente de Jack Torrance. Em Linha Mortal, o hospital é a mente dos médicos. Nos dois filmes, a arquitetura abriga demônios interiores.

"A Origem" (Inception, 2010 de Christopher Nolan (1970): A viagem ao inconsciente, os múltiplos níveis de percepção e a ideia de culpa como motor narrativo também se fazem presentes, mas Linha Mortal é mais trágica: não há redenção sem dor. 

Conflito entre Ciência, Fé e Culpa.

Rachel, em busca de compreensão do suicídio do pai, simboliza a tensão entre fé e ciência. A Medicina, vista como novo sacerdócio moderno é incapaz de oferecer consolo diante da dor da perda.

 Não há remédio para a culpa, nem técnica para o luto. A cena em que Nelson "morre" e vê seus erros diante de si, enquanto o grupo tenta reanimá-lo, é uma paixão crística secular. Ele “desce ao inferno” de sua própria psique e retorna transformado. Mas a ressurreição aqui não é espiritual, é ética: ele precisa pedir perdão. Eis aqui uma releitura contemporânea do sacrifício redentor, mas sem transcendência: não há Deus intervindo, só a consciência pesando.

O Gótico Médico e a Solidão do Saber

A estética do filme, sombria, abafada, com luzes artificiais e corredores opressivos, evoca o gótico urbano. A Medicina — ciência da vida — se torna, ironicamente, um campo de necromancia moderna. Os estudantes de medicina não buscam salvar vidas, mas violar o sagrado: o limite entre morte e a consciência.

Oliver Platt, o único que não participa das experiências, representa a razão cínica, mas impotente. Ele observa, comenta, mas é incapaz de deter o avanço do delírio. A ciência assiste calada ao triunfo do desejo metafísico.

Deus, Culpa e Redenção 

O questionamento da existência de Deus permeia toda a narrativa, mas nunca de forma explícita. Quando um dos personagens diz “não sei se acredito em Deus, mas tenho medo dele”, o filme atinge seu ápice existencial: Deus é menos que uma crença, do que uma presença traumática.

A culpa é o rastro da ideia divina. Mesmo que Deus esteja ausente, o peso da Lei moral permanece. Como em Dostoiévsk (1821 – 1881): “se Deus não existe, tudo é permitido” — mas Linha Mortal responde: mesmo sem Deus, a culpa não perdoa.

A Morte como Espelho da Vida

Linha Mortal propõe que a experiência de quase morte não revela o além, mas aprofunda o aquém. A morte é o espelho daquilo que escondemos. A Medicina, enquanto ferramenta de verdade, colapsa diante da vastidão do desejo humano de transcendência. “Sentir o corpo no limite”, voltando a  André Gide, “é também sentir o limite da razão.”.

Joel Schumacher, longe de fazer apenas um suspense sobrenatural, entrega uma obra que desafia a racionalidade, interroga a fé e mergulha nos labirintos da mente como Dante Alighieri (1265 -  1321) desceu ao Inferno.

A redenção, aqui, não é um milagre — é um trabalho.

 E talvez o maior horror seja justamente esse: saber que ninguém escapará de si mesmo.

Outras Comparações Cinematográficas Possíveis:

“O Sexto Sentido” (1999) – de Manoj Nelliattu Shyamalan (1970) relata o contato com mortos como forma de expiação do passado.

“Donnie Darko” (2001) – de Richard Kelly (1975) mistura   física, metafísica e crise existencial adolescente.

“Stalker” (Tarkovsky, 1979) – o “soviético”, novamente, faz o desejo de conhecer o que está além da realidade revela apenas o vazio do próprio desejo.

Schumacher, realiza uma das mais intrigantes incursões cinematográficas sobre os limites da consciência humana e os abismos entre ciência culpam e espiritualidade.

Muito além de um simples suspense médico, o filme apresenta uma alegoria sombria e filosófica sobre a mente como um teatro de assombros, onde o passado retorna não como memória, mas como presença, como um Real pulsante e irredutível.

O seu enredo,  desafia os limites da vida ao induzir  a própria morte temporária, propondo  uma inversão radical da lógica científica,  não se tratando  de salvar vidas, mas de sondar o que existe além da existência física.

A morte deixa de ser um evento terminal e passa a ser, paradoxalmente, uma ferramenta de autoconhecimento — embora o que se descobre, na maioria das vezes, não seja sabedoria, mas trauma.

 Essa busca, impulsionada por um desejo narcisista de consagração — próprio da juventude médica, embriagada pelo poder de "tocar Deus" —, rapidamente se transforma em um processo regressivo, onde a mente revela sua face mais perversa: a culpa.

 Nelson é a síntese desse movimento: arrogante, messiânico e perturbado, conduzindo o grupo à transgressão,  com o mesmo fervor de um profeta herético.

 No entanto, seu impulso não é científico, é expiatório. A experiência de quase-morte não serve para investigar a verdade objetiva, mas para confrontar o trauma infantil de ter sido responsável, ainda que indiretamente, pela morte de um colega de infância.

O freudismo ecoa com força: o retorno do recalcado não é simbólico — é encarnado, alucinado. O inconsciente encontra, na experiência de quase-morte, a brecha perfeita para invadir a consciência com toda a carga de culpa, vergonha e desejo de redenção. A mente se torna campo de batalha entre razão e lembrança.

Essa dinâmica aproxima o filme da ideia lacaniana de que a verdade do sujeito está no ponto em que a linguagem falha — e onde o gozo do inconsciente emerge como real inassimilável. Linha Mortal dá forma a esse gozo. A morte, nesse contexto, não é transcendência, mas o colapso do eu.

Não há paz após o batimento final — há julgamento, revisitação, fragmentação.

A experiência de cada personagem pós-morte é marcada por um retorno de cenas traumáticas: Rachel confronta o suicídio do pai viciado, David revive o bullying cruel contra uma colega negra, Joe se depara com as mulheres que filmou secretamente em momentos íntimos.

 A “experiência científica” revela-se uma armadilha ética e emocional: o além não é um paraíso ou inferno, mas um espelho distorcido de tudo aquilo que os personagens se recusaram a confrontar em vida. A mente, como diz o próprio Nelson em certo momento, mente. Essa mentira não é moral — é estrutural.

O desejo humano de controle, de racionalização da existência, é posto à prova nesse filme. A medicina, com toda sua arrogância iluminista, mostram-se incapaz de curar os sintomas da alma. E aqui o filme revela sua verdadeira crítica: o saber técnico, por si só, é insuficiente. Não existe bisturi que corte a dor da culpa, nem anestesia para o peso dos erros cometidos.

Essa impotência da ciência frente ao espiritual ecoa o pensamento de David Hume, que, em sua crítica à causalidade, já sugeria que não há segurança absoluta nos processos mentais. O entendimento é uma ilusão da continuidade.

Linha Mortal propõe que o conhecimento adquirido através da morte é instável, não confiável, emocionalmente tóxico. Os jovens futuros médicos voltam do limiar da existência não como sábios, mas como fragmentos. Ao invés de revelações divinas, são confrontados com terrores internos.

É nesse ponto que o filme se aproxima mais ainda do conceito de “deserto do real”, proposto por Slavoj Žižek. A realidade, desnuda de suas ficções reconfortantes, revela-se desértica, árida, insuportável. O que vemos no filme não é o mundo dos mortos, mas o mundo nu da consciência humana em ruína. A linha entre vida e morte torna-se, portanto, uma metáfora para a própria linha entre o sujeito e o outro, entre a memória e o delírio, entre a fé e a ciência.

A estética do filme reforça esse aspecto: corredores escuros, luzes frias, arquitetura taciturna, e atmosferas carregadas de simbolismo religioso. As imagens evocam a culpa cristã, o sofrimento como via de salvação, a cruz carregada pela modernidade. Nelson é um Cristo torturado não por pecados alheios, mas pelos seus. Rachel é uma Maria que não perdoa o pai nem a si mesma.

Cada personagem carrega sua cruz particular, e todos eles encaram a morte como um batismo invertido, um retorno às trevas. Há, também, uma leitura possível a partir da teologia negativa: Deus, aqui, está ausente, mas a ausência não é vazia — é insuportável. A fé é substituída por um niilismo clínico. Quando Labraccio questiona a existência divina ao ver Nelson entre a vida e a morte, o faz não como crente, mas como alguém à beira do colapso.

A ciência é sua bengala — mas essa bengala quebra sob o peso da dúvida. Não há conforto metafísico, apenas a possibilidade de perdão humano. O filme, nesse sentido, aposta numa ética da responsabilidade: só se encontra redenção ao pedir perdão ao outro, não a Deus.

No entanto, Linha Mortal se diferencia por seu pessimismo radical: não há transcendência. A vida após a morte não liberta — aprisiona ainda mais. O filme termina com uma tentativa de resgate de Nelson. Ele precisa “morrer de novo” para renascer. Esse renascimento não é um retorno triunfal, mas um gesto mínimo de reconciliação consigo mesmo.

 A medicina, por fim, serve apenas como instrumento da ética: ela revive o corpo, mas cabe ao sujeito resgatar sua própria alma — se for capaz. O que Schumacher realiza é uma crítica da razão clínica em tempos de pós-modernidade. Seus personagens são ícones de uma geração cindida entre saber técnico e vazio existencial, entre arrogância científica e necessidade de consolo espiritual. Não há cura possível para os males da alma sem o confronto radical com o passado, com o outro, com a culpa.

Nesse sentido, é também um filme sobre a adolescência estendida, sobre a recusa em amadurecer emocionalmente, sobre a ilusão de que se pode controlar o que não se conhece. É um drama da pós-modernidade, onde o sujeito não encontra mais consolo na religião, na ciência, nem na arte — mas apenas na coragem de pedir perdão. E isso, no fundo, talvez seja o que nos torna verdadeiramente humanos.

Joel Schumacher, criou mais que um suspense sobre experiências de quase-morte — construiu uma alegoria sombria, filosófica e visceral sobre os abismos da mente humana. Aparentemente circunscrito à trama de cinco estudantes de medicina que decidem provocar paradas cardíacas em si mesmos, para investigar o que existe após a morte, o filme mergulha, na verdade, numa região muito mais complexa: a da culpa, da memória, da falência da razão moderna e da tensão entre fé e ciência.

O que se anuncia como experiência científica logo se revela como um ritual quase metafísico, onde os personagens, ao “viajar” além da vida, são obrigados a confrontar com o que deixaram mal resolvidos nela — seus pecados, traumas, vergonhas, silêncios. O resultado é uma obra que opera entre o gótico e o psicanalítico, o clínico e o espiritual, colocando em suspensão qualquer noção confortável de realidade. Nelson é o arquétipo do médico moderno tomado por um narcisismo de vocação messiânica. Sua busca por experimentar a morte parte menos de uma inquietação científica do que de um desejo de expiação inconsciente: ele carrega a culpa da “caveira com capuz preto e foice”, e se vê no contato com o além uma forma de redenção. Ele não deseja saber, deseja ser perdoado.

 Essa cisão entre o discurso da ciência e a demanda subjetiva que o sustenta revela, já no início, o campo de contradições onde o filme se instala. A medicina aqui não é neutra: é veículo de angústia, pretexto para a culpa vir à tona.  E se a mente humana, como ele mesmo afirma em certo ponto, mente por si só, a racionalidade não é bastião, mas campo minado. Cada um dos jovens médicos que participa da experiência carrega seu próprio fantasma.

O que se vê, então, é que a morte, longe de ser transcendência, revela o retorno do recalcado — conceito freudiano que ganha contornos físicos e alucinatórios no filme. O inconsciente, em vez de ser apenas linguagem, ganha carne, rosto, voz.

Linha Mortal é um planeta solo, revivendo as memórias traumáticas dos protagonistas como forma de confrontá-los com seus próprios limites emocionais. A diferença é que aqui, a medicina substitui a tecnologia como linguagem do sagrado: um saber técnico que se transforma, aos poucos, em necromancia racionalizada. E, ainda que nunca se fale diretamente em Deus, a estrutura narrativa do filme é essencialmente cristã: há culpa, há sofrimento, há confissão, e há um desejo profundo de redenção.

Só que a redenção aqui não se dá por graça divina, mas por confronto ético e pessoal. Nelson precisa morrer de verdade para finalmente assumir a responsabilidade pelos seus atos e pedir perdão — não a uma entidade superior, mas ao outro, ao humano, ao que foi ferido.

Nesse ponto, começa a dialogar com um existencialismo sombrio, onde a liberdade humana é, ao mesmo tempo, uma dádiva e um fardo insuportável. Como diria Sartre, estamos condenados à liberdade. O filme sugere que, ao tocarmos a morte, não encontramos Deus nem paraíso, mas apenas a face obscura de nossas próprias decisões.

 A culpa, é um sentimento lúdico-existencial que não apenas marca o erro, mas denuncia a consciência da finitude. A culpa nos humaniza, e talvez seja por isso que todos os personagens só passam a se tornar verdadeiramente humanos depois de morrer. Ao cruzar a fronteira da vida, perdem o orgulho, a arrogância e a negação — e voltam não como heróis, mas como sujeitos destroçados pela lucidez. O que há é um excesso do real — o trauma, o erro, o que não se apaga com bisturi.

 Nesse sentido, a estrutura clínica da narrativa se desfaz, e o filme se transforma em uma fábula psicanalítica e teológica onde o hospital é catedral, a cirurgia é confissão, e a reanimação é batismo invertido. Não é por acaso que toda a direção de arte se ancora em elementos góticos: corredores escuros, mármores pesados, luzes frias que parecem mais saídas de uma cripta do que de um hospital.

A medicina, em Linha Mortal, é um saber cercado de morte por todos os lados — e incapaz de responder às grandes questões que provoca.

A estética do filme, aliás, revela essa tensão entre racionalismo e transcendência de maneira precisa. Os personagens circulam por espaços apertados, sempre à noite, com reflexos metálicos e sombras engolindo os corpos. É como se a luz — símbolo da razão — estivesse permanentemente em crise, em suspensão.

 Os protagonistas estão presos entre dois mundos: o da ciência objetiva, que falha ao explicar a subjetividade; e o da fé, que não se manifesta. E é nesse vácuo que a experiência da quase-morte acontece: não como revelação mística, mas como catarse psíquica. A religião está ausente, mas o desejo por redenção permanece. Como se, mesmo num mundo pós-moderno e cético, o ser humano ainda desejasse ser perdoado por algo, mesmo que não saiba mais por quem. Por isso, a medicina é mostrada não como resposta, mas como tentativa frustrada de domesticar o insólito. Os cinco jovens médicos não têm domínio sobre a morte — apenas arrogância. E ao desafiar o que há de mais sagrado, pagam o preço com a própria sanidade.

Joe Hurley (Baldwin), ao ver seu mundo ruir sob a acusação das mulheres que enganou, clama por Deus não em fé, mas em desespero. Sua racionalidade não dá conta do vazio que o confronta. O ateísmo pragmático dos personagens, ao ser confrontado com as consequências emocionais de seus atos, se mostra frágil. É como se todos eles percebessem que a culpa exige um horizonte ético maior do que a técnica permite. E, no final, o que resta não é um manual científico, mas um gesto humano: pedir perdão, encarar a dor, aceitar a falha.

Linha Mortal afirma que não existe conhecimento verdadeiro sem dor. A única forma de seguir adiante é olhar para trás, reconhecer o erro, e transitar entre as sombras.  Não se trata de descobrir o que há depois da morte, mas de aprender a viver com o que a vida deixa mal resolvida.

 A morte, aqui, não encerra:  se revela. Expõe. Obriga. Por isso, o filme não busca solucionar o mistério — ele o aprofunda. E ao fazê-lo, nos obriga a reconhecer que não há ciência capaz de extinguir o peso das escolhas malfeitas, nem fé que absolva sem verdadeiramente reconhecer a culpa. Talvez seja por isso que Linha Mortal continua sendo uma obra relevante, apesar do tempo. Porque fala de algo que atravessa todas as épocas: a tensão entre razão e sentimento, ciência e fé, erro e perdão. E porque nos lembra, com sua estética gótica e sua psicanálise implícita, que o maior horror não está na morte em si, mas na impossibilidade de fugir de quem somos — mesmo depois dela.


25 de nov. de 2023

CRÍTICA DO FILME: A PRESA

 

Por André Bozzetto Jr

 

            Uma discussão recorrente entre os fãs de cinema, e em especial os fãs de horror, é em relação ao termo “Trash”. Muitas vezes as pessoas tendem a interpretar a expressão trash como sinônimo de gore, ou dizer que um filme trash é necessariamente um filme desagradável de se assistir, mas será que essas interpretações são corretas? Afinal, o que é um filme trash? Que características deve ter um filme para se enquadrar nesse rótulo? Certa vez eu vi alguém comentando, se não me engano em alguma rede social, que um filme trash é aquele onde nada funciona, a direção é estapafúrdia, o roteiro é ridículo, os atores canastrões, os efeitos toscos, e apesar de tudo isso o filme ainda consegue prender a atenção do espectador. Em síntese, o filme trash é aquele que “de tão ruim acaba sendo divertido”. Particularmente, essa definição me agrada.

            Porém, partindo desse pressuposto, surge uma nova questão: como devemos classificar então os filmes onde nada funciona, a direção é estapafúrdia, o roteiro é ridículo, os atores canastrões, os efeitos toscos, e - ao contrário dos autênticos filmes trash - acabam se tornando irritantes e nada divertidos? Ainda espero por uma definição que contemple a contento esse tipo de filme, mas desde já aponto um exemplo irrevogável, que atende pelo bisonho nome de “A Presa” (The Feeding, 2006), certamente o pior filme que assisti em 2007 e muito provavelmente um dos piores que tive o desprazer de assistir ao longo de toda a minha vida de fã do gênero.

            Dirigido e roteirizado pelo fiasco em pessoa, Paul Moore, o mesmo do não menos péssimo “A Colheita” (Dark Harvest, 2004), esse tal de “A Presa” é tão ruim, mas tão ruim, que parece que foi feito de propósito para ser assim. Ou talvez foi elaborado para ser uma comédia que, de última hora, alguém decidiu que deveria ser lançado como um filme de terror, e deu no que deu. Porém, dadas às circunstâncias, mesmo que fosse uma comédia, o resultado seria igualmente catastrófico.

            Essa bomba deveria ser, teoricamente, um filme de lobisomem, mas na prática não faz diferença alguma, já que poucos ou quase nenhum elemento da mitologia das criaturas licantrópicas são aproveitados. Se fosse um filme sobre o Boitatá, a Mula-sem-cabeça ou um jacaré gigante, daria na mesma. Basicamente, a história contada por essa obra nos mostra um grupo de jovens drogados e idiotas que decidem passar um final de semana acampando nos Montes Apalaches, no interior dos EUA, sem saber que uma criatura misteriosa anda rondando pela região matando tudo que encontra pela frente, desde animais até pessoas. Simultaneamente, o contingente da Guarda Florestal responsável pela área recebe o reforço do agente especial Jack Driscoll (Robert Pralgo), um especialista em predadores que veio para auxiliar na identificação e captura da criatura que vem espalhando o pânico pelas redondezas. Logicamente, todos se verão envolvidos em muita correria em meio à mata, onde terão que enfrentar a tal criatura e lutar pelas suas vidas. Pronto. Esse é o enredo do filme.

            Mas afinal - podem se perguntar alguns – o que o torna tão ruim assim?

            Em primeiro lugar a produção (ou ausência de). Na condição de grande fã de filmes de lobisomem, acredito que um dos motivos pelos quais são produzidas poucas obras de lobisomem se comparado às de vampiros, fantasmas e zumbis, por exemplo, é devido ao fato de que os filmes abordando as criaturas licantrópicas requerem efeitos de maquiagem trabalhosos, demorados e muitas vezes caros, para dar conta da concepção da criatura. Além disso, tem o agravante das aguardadas cenas de transformações, sempre cobradas pelos fãs desse subgênero, que potencializam ainda mais as dificuldades relativas aos efeitos especiais e aos trabalhos de maquiagem. A não ser, é claro, que se apele para os efeitos em CGI, mas nesses casos os resultados costumam ser decepcionantes. Pois bem, em “A Presa” não há nenhuma cena de transformação, e a concepção do lobisomem ultrapassa todos os limites do ridículo. E sabem o que é pior? É que os próprios produtores do filme sabiam disso, tanto que, apesar de muito vasculhar na internet, não encontrei sequer uma foto da criatura, nem mesmo no site oficial do filme. Decerto eles já previam que, se a audiência conhecesse o visual do lobisomem de antemão, não se dariam ao capricho de assistir algo tão estapafúrdio.

            Mas isso não é o pior. Acreditem se puderem, mas mesmo durante o filme, nas cenas em que o monstro aparece, alguém teve a ideia brilhante de fazer com que as cores da película ficassem esmaecidas e a imagem desfocada, para que o espectador não pudesse observar com detalhes a dita criatura. Isso mesmo! Sempre que o monstro aparece a imagem fica distorcida! Mas nem isso impede o fiasco. O pobre lobisomem nada mais é do que alguém fantasiado com uma roupa muito tosca, com uma máscara que mal permite leves movimentos da mandíbula, e cujas feições lembram muito a cabeça de um jacaré. Em síntese, poderíamos dizer que o lobisomem é uma versão peluda da Cuca, aquela do Sítio do Pica-pau Amarelo, lembram?

            Mas tudo bem. Se o único problema do filme fosse a precariedade dos recursos empregados na criatura, isso seria relevável, basta levar em conta que existem vários outros filmes de lobisomem onde o monstro é tosco e mesmo assim o filme é bom, como é o caso, por exemplo, do recente “Big Bad Wolf”. Mas existem muitos outros fatores.

            O elenco, por exemplo, dá a impressão que foi recrutado na hora, e de certa forma isso parece verdade, pois com exceção de Robert Pralgo, que já participou do outros filmes “classe Z” e fez algumas pontas em seriados de TV, temos um ou dois elementos que estiveram em “A Colheita”, filme anterior do diretor, e os demais são estreantes. E que péssima estreia. As atuações são, na maior parte do tempo apáticas, mas por vezes desesperadamente exageradas.

            E tem os diálogos. Ah, os diálogos! Ed Wood ao assistir esse filme se sentiria um gênio sem paralelos na história do cinema fantástico. Prestem atenção em uma longuíssima conversa entre o agente Driscoll e sua parceira via rádio e tentem não pegar no sono ou apelar para o controle remoto para passar o filme pra frente. Detalhe: a conversa é via rádio, mas Driscoll está em cima de uma árvore e sua parceira logo abaixo, a não mais do que 2 metros de distância.

            E então chegamos nas cenas de ação, que, de certa forma, são o ponto alto do filme, pois pelo menos rendem algumas risadas, devido à semelhança com as coreografias das lutas e perseguições dos antigos filmes dos Trapalhões, onde Didi Mocó e sua turma faziam e aconteciam. Duas cenas em especial não podem deixar de ser citadas: a primeira delas ocorre quando o lobisomem invade pela primeira vez o acampamento dos jovens idiotas. Um casal de namorados está deitado no chão, e ao verem a criatura, se preparam para sair correndo. Só que um dos otários tropeça nos pés do outro, cai no chão e desmaia. Isso mesmo! É ou não é cena digna de filme dos Trapalhões?!

            A outra cena antológica acontece logo depois, quando uma agente florestal aponta um rifle para o lobisomem e ele a ergue pelo cano da arma. Dá pra acreditar nisso?! O monstro agarra o cano do rifle e o ergue, com a mulher suspensa no ar do outro lado. Surreal! E a idiota não se dá nem ao capricho de apertar o gatilho, ou soltar o rifle pra sair correndo. Fica ali, suspensa no ar, até o monstro achar que perdeu a graça e arremessá-la para longe.

            Mas não é só. Em outro momento, os agentes estão perseguindo o lobisomem com armas carregadas com dardos tranquilizantes. Até que uma agente (a mesma da hilária cena do rifle) dispara um tiro, que, devido a sua péssima pontaria, acerta um dos jovens ao invés de acertar no monstro. O detalhe incrível da situação é que, ao invés de perder os sentidos, como se espera de alguém atingido por um dardo tranquilizantes, o cara acaba ficando chapado! E o mais impressionante é que ele sai zanzando pela mata, trançando as pernas e até falando naquela gíria de malandro típica do estereótipo do pessoal que é chegado numa “erva danada”, falando frases desconexas do tipo “Poh, bicho, não quero mais ficá nessa floresta, não! Vô mi mandá, que não tô a fim de morrer, tá ligado? Tô muito doido!”. Inacreditável.

            E tem muito mais coisas. Em alguns momentos os personagens precisam de lanternas para andar na mata, em outros enxergam perfeitamente na escuridão total. Alguns personagens tropeçam, caem e desmaiam, enquanto outros são praticamente esquartejados e continuam correndo e lutando. Sem falar na inteligência extrema das figuras. Um bom exemplo é o momento em que alguns sobreviventes, ao chegarem a conclusão de que estão enfrentando um lobisomem, improvisam uma arma utilizando um artefato de prata, convictos de que essa é a única forma de matar o monstro. Pois bem, quando o lobisomem chega, o que é que um dos espertalhões faz? Ataca a criatura com um machado, mesmo sabendo que apenas a prata surtiria efeito! É demais...

            Ainda poderíamos mencionar o final, tão ridículo e forçado quando o restante do filme, mas para não incorrer em spoiler, deixo a “surpresa” para algum eventual corajoso (ou seria masoquista?) que tenha disposição para assistir essa bomba monumental.

            A certeza que fica após assistirmos “A Presa” é que, além de representar uma verdadeira ofensa ao legado das criaturas licantrópicas nas telas, o filme pelo menos seria de grande utilidade em faculdades de cinema, para que os alunos e candidatos a futuros cineastas pudessem ter a noção de tudo que não se deve fazer em um filme. Além disso, persiste uma dúvida que tem se tornado cada vez mais recorrente: com tantos ótimos filmes ainda inéditos em DVD no Brasil, como uma tralha praticamente amadora como essa conseguiu ser lançada por aqui? Mistérios das terras tupiniquins...

 

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.    

15 de nov. de 2023

CRÍTICA DO FILME: PERIGO MORTAL

 

Por Clayton Alexandre Zocarato

 Filosofia, morte e cinema

Chuck Norris contém a máxima existencial, de fazer filmes de ação com maestria, mas também já se aventurou no campo do terror-policial, fazendo uma interpretação em que seus chutes e socos são armas torpes contra a própria reencarnação do mal.

Em Perigo Mortal – lançado em 1994, com direção de Aaron Norris, irmão mais novo de Chuck, com quem vem desenvolvendo uma longa parceria cinematográfica ao longo dos anos, incluindo o clássico cult “Braddock 3 – O Resgate” – ocorre mistura de um pouco do “policial noir”, com profecias cristãs, voltando ao tempo das Cruzadas, onde Ricardo Coração De Leão enfrenta o servo direto do “Capiroto”, Prosatanos, que antes de ser enclausurado dentro de uma espécie de prisão sepulcral, vaticina que o próprio desejo de pecado há de fazer a humanidade a trazê-lo de volta a vida.

Voltamos para o século XX, onde dois desavisados aventureiros resolvem, se apropriarem de forma indevida das pedras preciosas contidas em quatro estacas, na tumba onde o “medonho foi fechado”, que guardam seu encarceramento eterno, e que logo em seguida em são esquartejados com toda sua fúria e ódio.

Nesse ponto, o filme traz a temática genealógica, que, “em algum momento da história a humanidade se afasta de Deus Pai todo poderoso”, caminhando lentamente, para uma demência de composição de ética, que faz assim o terror ser constituído como algo natural, onde as penumbras do pecado já não causam mais pavores por entre os filhos de Javé, e onde a cobiça material, vem a ultrapassar importância de se ter uma consciência lúdica quanto, a permanecer na fé, e assim, conter armas para persuadir, os “perigos”, de estar servindo diretamente e indiretamente as forças do mal.

Prosatanos tem interesse em recuperar seu centro demoníaco, dividido em noves pedaços, que foi disseminado em sua proteção para nove espaços diferentes ao redor do globo, e que assim parte em sua jornada de sangue, em busca desses fragmentos e que através de um ritual de sacrifico mórbido, possa reunir seus fragmentos, e colocar novamente as forças do inferno na ordem do dia.

Disfarçado por um renomado professor universitário de arqueologia da Universidade Hebraica Professor Lockley (Christopher Neame), se lançam perante uma investigação acerca de uma onda de assassinatos brutais, em busca de reunir as peças de um intrínseco quebra – cabeça para místico - cristão, onde de certa forma a salvação do mundo passa por um corpo de uma garota de programa de Chicago arremessada pela janela de um quarto de hotel barato, onde Shatter e seu parceiro Jackson (Calvin Levels), em uma noite escura de Chicago, depois de estraçalhá-la a meretriz, antes já tinha arrancado o coração de um rabino, que ousou tentar destruir o represente do Demo.

A partir desse momento seu enredo é misturado, por sátiras, de como se combater o mal através, da violência física, que produz uma mistura delação barata com uma pitada clássica ação barata dos estudos da Cannon Films, com um terror carente de sustos reais, mas que não deixa de desenvolver um glamour, em imaginar Chuck Norris, combatendo as forças das trevas, usando de astúcia, mais parecida com uma sintomatologia de atuação lembrando os embaraços do atrapalhado Inspetor Bugiganga, acrescentando a movimentos rítmicos com certo frenesi de lentidão psicomotora de comédia, lembrando Inspetor Clouseau de a Pantera Cor de Rosa.

Sim! Dentro desse espaço fílmico sentenciado a disritmias de estilísticas, que se confundem entre si, realizam complementos intelectuais e de diversões que ao mesmo tempo traçam um perfil psicológico entre terror e o riso, está um conflito latente entre tradições culturais do mundo contemporâneo.

Porém dentro de um pensamento teológico, Prosatanos representa o julgamento do homem, diante seus pecados, em se afastar da sua condição de filho de Deus, e que busca o pecado como algo para se consumir diante, um nefasto sentido de fúria em ter que cumprir com suas obrigações de “criatura malévola”.

Uma criatura que esboça uma forte rebelião psicológica, no intento de fazer Frank Sater, não somente uma lógica de sair dando pancadas e chutes em formas aleatórias, mas sim permutar uma revolta da condição humana, seja sublime a demarcar a existência do ser humano perante as provações de seu “criador”.

Dentro do sentido bíblico do Apocalipse está um lembrete, “acerca dos terrores que homem irá passar perante a se afastar de Deus”, o que não deixar de traçar um espaço artístico de fazer da terra Santa, um vasto campo de batalhas entre o “modus operandi”, de policiais de Chicago acostumados com canastrice do comportamento criminal bizarro, perante o sentimento de oração, em se procrastinar diante o desconhecido para assim ter suas almas salvas.

A busca por redenção diante o sentimento de condenação da humanidade, ao qual o servo direto do Demo, deixa impregnado que ele é somente fruto da refutação humana, em se colocar de joelhos perante o que não se pode ver, mas que de forma material sua maldade é uma característica forte do afastamento do “sapiens, defronte as vontade de Deus”.

Shatter encarna um conservadorismo empírico, de inicio em acreditar que os assassinatos aos quais está investigando contenha algum lampejo de sobrenatural, mas lentamente vai percebendo uma causa maior de sua ida para Jerusalém junto com Jackson.

Assassinatos de lideres religiosos, tanto cristãos como judeus, revelam indiretamente uma união entre as duas religiões, para guardar de forma ardente, o cetro da maldade, que virá assim trazer o Anticristo de volta para a terra.

Em paralelo a isso, ocorre um sínodo de comparações de enredo e “mise in scéne” com o “Príncipe das Sombras”, clássico terror trash dos anos oitenta, contendo Alice Cooper e Donald Pleasence (o eterno doutor Samuel Loomis dos primeiros filmes da série "Halloween"), também acompanhado de “Colheita Maldita”, “onde aquele que caminha por detrás do milharal”, faz uma alusão do retorno da maldade ao convívio direto com os homens, diante um sentido de esconder a verdade das pessoas.

Uma verdade, em se revela, que o desconhecido, causa muito embaraço, perante a penumbra de estar sendo envolvido pelo bem, que em muitos momentos, vêm alicerçados com chuvas de uma descrença do humano no espiritual, mas que dentro seu maniqueísmo está uma estrutura técnica, de limitar a mente, somente ao que seja racional, e não elencar um irracional como uma melodia de transcrever que somos reféns de uma luta incessante de Deus e o Diabo, para arrebanhar cada vez, mais “cordeiros desfalecidos, para seus espaços de condenação ou redenção.

Nesse caso, um clima “noir” de Perigo Mortal, vem a transfigurar uma bipolaridade de subjetividades, que sejam domesticadas a procurarem esclarecimentos diante do falsificacionismo perante a revelação da vinda do Papa do Inferno, está um caminho de luz de vim a se arrepender dos seus pecados mais profundos.

Em uma transcrição dialética, podemos colocar uma fenomenologia do pecado, por um caminhar de harmonizações entre mentes e corpos, que sejam um escapismo diante lograr uma fuga de profetizações e provações, em ter que se arrependerem dos seus pecados, não como uma atitude que parta do mais profundo do seu intimo de arrependimento, mas sim diante fatores externos de uma, “doença mental”, que faz o medo dado à dor física, ser maior do que receio em sofrer diante os sabujos de tormento que, “o mal espiritual pode causar”.

Nesse sentido Prosatanos, faz de suas vitimas um conjunto entre dor e barbárie, onde seus instintos mais cruéis servem como base para se compreender uma melancolia, a comiserar atitudes de causar pânico, mas que ao mesmo tempo seja uma condição de ascensão metafísica revertendo o amor de Deus, a um espelho de gnose, onde morte da sua clemência seja um vetor artístico e humanístico, para uma aproximação do homem perante as vontades do “todo poderoso”.

Shatter, em contrapartida, é um sacrário de contrapeso do herói, em ter que lutar com sua “possível fé”, diante um inimigo, intransigente e sanguinário, que detém passagem tanto para macro – espaço espiritual, como para o micro – espaço do material.

Isso se traduz de forma a enxergar Prosatanos, como um transgressor das leis físicas, que em nome de sua causa demoníaca, ovaciona provocar o “Criador”, transmitindo uma culpabilidade de sua maldade diante um virtuosismo mental, em ter que provar uma fé, que limita os prazeres, como sendo uma fuga para uma necessidade intrépida, em buscar uma “verdade universal”, traduzida em um charlatanismo messiânico discursivo e caótico, em limitar as vontades e desejos mais profundos do ser humano.

O código da inteligência dentro da maldade está relacionado em fazer uma obra cinematográfica, defrontando a maldade não puramente, em “se” existir pela maldade, mas, sim buscar esclarecimentos intelectuais diante um “labor”, de reflexões, que possam assim enunciar que dentro do sentido de uma criminalidade social, este relacionado uma condição humana, de superação de sua interação existencial e corporal quanto ao que se relaciona como sendo parte de uma intelectualidade, como também pode ser traçado como um entendimento humano, delineado na busca do bem comum.

Um bem comum, que em determinados momentos está escondido, de um esgotamento de sentimento culposo, em ter que realizar uma semiologia da abjuração de nossos piores pecados, em deixar uma imagística de arrependimento, em muitos momentos transcritos na figura do próprio pecado, pois Shatter esgarça a necessidade de “matar o mal”, mesmo que para isso esteja traçado, a não respeitar sua percepção perante o que seja de fato um fator de fazer o bem e o mal, de forma a não garantir uma “repetição de esquizofrenia deleuziana”, em ver “tudo”, como fruto do pecado que se classifique como uma metáfora quanto aos principais medos e ressentimentos humanos.

Dentro de um arcabouço “teórico deleuziano”, Prosatanos passa como uma tipologia existencial em que construir novos devaneios intelectuais, em ornamentar, tanto, “à vontade como o experimento”, onde ela traz uma patologia de estar sempre a alguns passos na frente na eterna luta entre o bem e mal, enquanto realiza através de seus experimentos psicológicos, quanto ao que pode ser classificado como sendo maldade, ou uma escolha de subjetividade humanística intelectual concisa.

Em sua subjetividade, está enraizado uma incessante diplomacia sanguinária, em fazer das pessoas ao seu redor, tanto escravos como também exemplos do seu poderio em disseminar o pecado como sendo a verdade universal, que venha afastar as pessoas da graça de estarem presentes, diante as vontades de Deus.

Usando do racionalismo de René Descartes, com a teoria da esquizofrenia de Gilles Deleuze, a maldade dentro do antagonista de Chuck Norris em Perigo Mortal eleva padrões de partículas mentais que podem fazer do obscuro, seja a porta de entrada para um dinamismo de interligar ações de um pensamento público, como privado, do que seja classificado “como sendo verdade”, dentro de uma brevidade de carestia de resistência de uma consciência que seja feita em torno de, “uma maiêutica sucinta”, que veja o terror não como “logos”, só diversão, mas sim como algo natural dentro das mais profundas vontades e desejos humanos.

Enquanto Shatter procura a todo o momento fazer justiça, Prosatanos outorga cumprir o vaticínio, de fazer o ser humano se arrepender por sua ambição e avareza, que assim vai causando mais aflição e tristeza, para uma civilização, que deseja proclamar seus pecados em público, mas que reza sempre por melhorias para ti no seu espaço privado.

Não se trata de realizar uma releitura obscura acerca da presença do mal, incessante escaldante dentro das telas, mas que sim venha propiciar um amadurecimento e um enraizamento, em analisar como nossas neuroses e desejos mais imundos e profundos, podem virem a mexer com o universo quântico, e assim provocar um alinhamento entre forças mecânicas e espirituais, que causem  uma luta apocalíptica entre Deus e o Diabo, aos quais nós seres humanos somos eternos espectadores.

Tanto Shatter como Prosastanos, estão dentro de uma sinopse de intercederem por suas ações que durante seus breves diálogos, colocam um egoísmo tanto luciferiano como cristão, que não importa o que aconteça, tem que estarmos prontos para encarar nosso destino custe o que custar, mesmo que para poder se salvar, seja necessário voltar a pecar, para tentar voltar, a ter o mandamento universal do amar incondicional, tanto corporal como espiritual.