28 de ago. de 2023

CRÍTICA DO FILME: UM LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES

 

Por André Bozzetto Jr

 

       Em uma época onde os grandes estúdios cinematográficos investem centenas de exorbitantes milhares de dólares em suas produções, os efeitos especiais se mostram cada vez mais modernos e mais apegados aos recursos de computação gráfica, e principalmente, em um período onde a esmagadora maioria dos frequentadores dos cinemas são jovens e adolescentes acostumados às imagens e ritmos frenéticos popularizados através da “geração MTV”, parece cada vez mais difícil um filme atravessar as décadas e ainda ser considerado um clássico referencial, com potencial jamais superado dentro de seu respectivo gênero. Dentro desse seleto grupo de pérolas, certamente se inclui “Um Lobisomem Americano em Londres”, dirigido por John Landis em 1981, e que está completando 25 anos de seu lançamento ainda desfrutando do status de clássico inquestionável, se mantendo atual tanto em termos de recursos técnicos quanto em relação à qualidade de seu enredo.

       Hoje em dia, me parece muito pouco provável que qualquer leitor que curta filmes de lobisomem ainda não tenha assistido a esse filme, ou pelo menos ouvido falar dele. Acredito que poucos filmes tenham uma cena tão marcante, referenciada e cultuada com a cena em que o protagonista se transforma em lobisomem pela primeira vez. Não é à toa que tal cena, realizada com tanto esmero e brilhantismo, acabou sendo fundamental para que o maquiador Rick Baker ganhasse o primeiro de seus sete prêmios “Oscar” concedido pela sempre exigente Academia Norte-americana de Cinema. De qualquer forma, seria extremamente injusto avaliar o filme unicamente pelo mérito dos efeitos especiais, uma vez que essa obra ainda conta com um roteiro que, apesar de simples, se revela bastante envolvente, um trabalho de direção estupendo por parte de Landis (que até então só havia feito sucesso dirigindo comédias como “Os Irmãos Cara-de-pau”), que consegue imprimir ao filme um bom ritmo, mesclando cenas de humor refinadas, passagens repletas de tensão e suspense, e ainda momentos violentos e realmente aterradores.

       Os primeiros vinte minutos do filme já são praticamente um show à parte, que deveria servir como referência para muitos diretores atuais, como exemplo de como se pode criar, em poucos minutos, um clima de suspense e perigo iminente que realmente deixa o espectador tenso e conectado ao que está assistindo.

       O filme começa com os créditos aparecendo em meio a imagens das desoladas e inóspitas paisagens do interior da Inglaterra, ao som de “Blue Moon” interpretada magistralmente por Bobby Vinton. Já está anoitecendo e o céu obscuro não promete nada de bom, quando então vemos uma camionete repleta de ovelhas parar junto a uma encruzilhada. Do meio das ovelhas saem David Kessler (David Naughton) e Jack Goodman (Griffin Dunne), dois amigos norte-americanos que estão passeando pela Europa. O motorista da camionete lhes indica o caminho até o vilarejo mais próximo, e lhes adverte para que “evitem os pântanos e fiquem na estrada”. Os dois seguem caminhando e conversando descontraidamente, hora reclamando do frio, hora motivados com as expectativas da viagem. Já nesse momento se percebe a perfeita química entre os dois jovens atores, que de certa forma quase convence o espectador de que eles são realmente grandes amigos e que se conhecem desde criança. Essa empatia entre o público e os personagens é fundamental para que as cenas posteriores causem o devido impacto a que se propõem.

       As primeiras sombras da noite já encobrem a paisagem quando a dupla chega ao vilarejo e se dirigem para uma espécie de taverna chamada “Cordeiro Massacrado”. Ao entrarem no recinto, os jovens são recebidos com uma frieza quase hostil por parte dos frequentadores do local. A medida em que o ambiente recobra a descontração, Jack fica intrigado ao ver na parede o desenho de um pentagrama iluminado por velas. O rapaz zombeteiramente menciona com David que no filme do “Wolf-Man” aquela é a marca do lobisomem (essa é a primeira de várias citações ao clássico estrelado por Lon Chaney Jr.), portanto o símbolo na parede deve servir para manter os monstros distantes. Mal sabia ele como estava certo.

       Sem conseguir resistir a curiosidade, Jack acaba pergunto para que servia o símbolo na parede, e rapidamente ele descobre que não foi uma boa ideia. Todos os clientes da taverna se mostram irritados e praticamente expulsam os dois viajantes dali, mas não sem antes advertirem novamente para que “evitem os pântanos e fiquem na estrada”, acrescentando ainda um tenebroso “cuidado com a lua”. David e Jack partem sem entender muito bem o motivo daquele comportamento estranho, enquanto na taverna as pessoas ficam discutindo: alguns acham que não adiantaria contar a verdade aos forasteiros, pois estes não acreditariam, outros achavam que foi um erro deixa-los partir, e que deveriam ir atrás deles.

       A essa altura a dupla de amigos já está andando a esmo pelos úmidos e nebulosos pântanos que circundam a região. Apenas, quando a lua cheia passa a brilhar no céu, os dois se dão conta de que saíram da estrada e se perderam. Mas é tarde demais: uma fera desconhecida passa a espreitá-los e persegui-los em meio à escuridão, e logo o pior acontece: a terrível criatura surge de surpresa e estraçalha Jack com extrema ferocidade. Apavorado, David foge correndo, mas depois decide voltar para ajudar o amigo, sendo também atacado pela criatura. Quando David está prestes a ser morto pelo monstro, surgem os frequentadores da taverna “Cordeiro Massacrado” e fuzilam a fera. David está muito ferido e acaba perdendo a consciência.

       Essa primeira parte do filme é desenvolvida com grande maestria, valorizando a paisagem local como um elemento a implementar o suspense, abusando dos efeitos sonoros e da subjetividade no momento em que o lobisomem está cercando os viajantes, e não poupando no sangue e na violência no momento em que os jovens são atacados. Uma sequência memorável e que ainda hoje me parece um dos pontos altos do filme.

       Em seguida vemos David acordando em um quarto de hospital em Londres. Lá lhe explicam que ele e Jack foram atacados por um maníaco, que seu amigo acabou sendo morto, e que provavelmente ele também seria caso os moradores locais não tivessem intervindo e baleado o assassino. David tenta argumentar que eles não foram atacados por um maníaco, mas sim uma fera. Porém, acreditando que o jovem estivesse traumatizado pelo acontecido, ninguém lhe dá importância.

       Enquanto se recupera no hospital, David passa a paquerar a enfermeira Alex (Jenny Agutter) ao mesmo tempo em que é atormentado por terríveis pesadelos. Para piorar, recebe a inusitada visitada de seu amigo Jack, agora transformado em um fantasma dilacerado (mais um ótimo trabalho de maquiagem de Backer) que lhe explica que ambos foram atacados por um lobisomem, e que na próxima lua cheia David também se transformará em um. Apavorado, David pensa estar perdendo sua sanidade, mas depois que sai do hospital e vai passar uns dias na casa da enfermeira Alex, as visitas do fantasma de Jack continuam, e quando a lua cheia finalmente chega, todos sabem o que acontece. Temos a mais fantástica cena de transformação já vista em um filme de lobisomem, em um show de maquiagem e feitos especiais jamais superados no gênero, e que deixa no chinelo as transformações nada realistas feitas em CGI em filmes como “Lua Negra”, “Van Helsing” ou “Amaldiçoados”. Pronto, Londres tem uma fera brutal e sanguinária solta nas ruas, pronta para estraçalhar quem cruzar o seu caminho.

       Desnecessário dizer que o filme possui mais uma dúzia de cenas memoráveis, que já foram largamente mencionadas e debatidas, como o ataque do lobisomem dentro do cinema, a fantástica sequência de acidentes de trânsito quando o monstro está correndo pelo centro da cidade, e a já clássica cena em que a fera persegue um pobre infeliz pelas galerias desertas do metrô, apenas para lembrar algumas.

       Paralelamente ao enfoque no suspense e no horror, o filme também dá destaque para o humor, que a partir daqui passou a ser um elemento incorporado em quase todos os filmes de terror desenvolvidos ao longo da década de 1980. Mas quando se fala em humor, é preciso que se tenha a noção de que se trata de um humor sutil e ocasional, e não algo forçado e que inevitavelmente descamba para a baixaria, como no caso dos filmes de “horror adolescente” feitos atualmente. Impossível não se divertir com a cena em que David acorda completamente nu dentro da jaula dos lobos no zoológico, e precisa inventar uma série de artimanhas para sair daquela situação constrangedora.

       Também é valido salientar que o sucesso do filme não se deu por acaso, uma vez que ele foi longamente planejado por Landis e Backer. Ao assistir os extras do DVD nacional do filme, ficamos sabendo que Backer começou a elaborar os efeitos especiais do filme cerca de nove meses antes das filmagens terem início, e para isso montou uma equipe com seis ajudantes convocados especialmente para esse fim. Landis, por sua vez, ficou dez anos com o roteiro do filme guardado por falta de verba para realizá-lo. Até que, com o sucesso da comédia “Os Irmãos Cara-de-pau”, a Universal acabou dando um voto de confiança para o diretor, e decidiu bancar o seu tão almejado filme de lobisomem. Decisão mais do que correta.

       Por todos esses fatores apresentados acima, “Um Lobisomem Americano em Londres” será sempre uma referência de destaque quando se falar em filmes de lobisomem, da mesma forma que “A Noite dos Mortos-vivos” será sempre um marco para os filmes de zumbis e “Sexta-feira 13” para os slasher-movies.

       Como curiosidade final, fica também o pesar pelo fato da dupla de atores David Naughton e Griffin Dunne não terem conseguido desenvolver com sucesso suas carreiras. Ambos participaram de uma infinidade de filmes “meia boca” que obtiveram pouca ou quase nenhuma notoriedade. Talvez a única exceção seja o ótimo “Depois das Horas” dirigido pelo cultuado Martin Scorsese e que foi protagonizado por Griffin Dunne.

       Atualmente, Dunne tem se dedicado à função de diretor, dirigindo em sua maioria filmes de drama e comédia, produzidos diretamente para a televisão. Naughton continua atuando, tendo participado de filmes constrangedores como “Abelhas – Ataque Mortal” e “Prisioneiro das Trevas”, e atualmente parece estar voltando aos filmes de lobisomem, já que fará o papel do Xerife Joe Ruben em “Big Bad Wolf”, filme do diretor Lance W. Dreesen, que promete extrema violência e muito gore, e cujo lançamento está programado para o segundo semestre de 2006.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.