31 de out. de 2025

HALLOWEEN

 

           "Halloween e Michael Myers: a máscara do medo na cultura contemporânea"

 Por Clayton Alexandre Zocarato

                 

            Desde o final da década de 1970, o Halloween deixou de ser apenas uma festividade de raízes celtas, marcada por rituais de colheita e crenças sobre o retorno dos mortos, para tornar-se um fenômeno globalmente mediado pela cultura cinematográfica.          Nenhum personagem sintetiza melhor essa transfiguração cultural do medo do que Michael Myers, o assassino mascarado da franquia Halloween (1978–presente), concebida por John Carpenter.

            A figura de Myers não é apenas um artefato de entretenimento, mas um espelho perturbador das angústias modernas — uma síntese do mal como força anônima, silenciosa e inevitável.

            Sob essa ótica, o personagem transcende o cinema de horror e passa a ocupar o imaginário coletivo como metáfora do vazio existencial e da violência latente nas estruturas sociais e psicológicas do Ocidente contemporâneo.

            O contexto histórico do surgimento de Halloween é crucial para compreender sua força simbólica.

            O final dos anos 1970 nos Estados Unidos foi um período de crise de valores: a Guerra do Vietnã havia deixado marcas profundas, o escândalo Watergate corroera a confiança nas instituições, e o sonho americano parecia ruir diante do desencanto pós-moderno.

             Em meio a essa atmosfera de incerteza, o terror cinematográfico floresce como válvula de escape e reflexão.

            Michel Foucault, ao discutir a relação entre poder e medo, observou que o controle social opera não apenas por coerção, mas pela internalização do pavor — e é exatamente isso que Carpenter captura.

            Myers não precisa justificar seus atos; sua ausência de motivação o torna o símbolo perfeito da banalidade do mal descrita por Hannah Arendt. Ele mata porque o mal, em sua forma mais pura, não necessita de causa: ele simplesmente é.

            A máscara branca de Michael Myers constitui, talvez, o elemento mais emblemático dessa representação.

             Sem expressão, ela reflete o vazio do sujeito moderno, fragmentado e despersonalizado.

            Se Nietzsche anunciava a “morte de Deus” e o consequente colapso das referências morais, Myers representa o que resta após esse colapso: o niilismo encarnado. Ele é o homem sem vontade, sem desejo, sem dor — uma presença silenciosa que paira sobre a vida cotidiana e a destrói com frieza maquinal.

            O horror de Halloween não reside na violência explícita, mas na constatação de que o mal é impessoal, inescapável e, sobretudo, familiar.

            A trilha sonora composta pelo próprio John Carpenter intensifica esse aspecto filosófico e emocional. Minimalista, construída sobre notas repetitivas e insistentes em compasso 5/4, ela ecoa o ritmo mecânico da perseguição e a inevitabilidade da morte.     Adorno e Horkheimer, em Dialética do Esclarecimento, argumentaram que a cultura de massa tende a reproduzir a lógica da repetição industrial; a música de Halloween não foge a isso, mas inverte seu sentido.

            Ela transforma a repetição em instrumento de angústia, revelando a alienação estética do mundo moderno.

            Cada tecla do sintetizador parece ressoar como um batimento cardíaco universal, lembrando-nos de que o medo é, antes de tudo, um estado de consciência aprisionada.

            No plano cultural, o Halloween cinematográfico tornou-se também um ritual moderno de catarse coletiva.

             Assim como os antigos ritos pagãos buscavam exorcizar os temores do desconhecido, os filmes de terror funcionam hoje como laboratórios simbólicos da morte e da moralidade. Sigmund Freud, em O Estranho (Das Unheimliche), descreve o terror como o retorno do reprimido — aquilo que o sujeito tenta ocultar, mas que inevitavelmente ressurge.

             Michael Myers é exatamente essa figura do retorno: ele volta, incessantemente, a cada sequência, a cada remake, a cada nova geração de espectadores.

             Sua imortalidade não é física, mas cultural; ele é o inconsciente coletivo do medo, reencenando o trauma de uma sociedade que não sabe lidar com sua própria violência.

            No aspecto social, o sucesso duradouro de Halloween e de personagens similares reflete a transformação do medo em mercadoria.

            O capitalismo tardio, conforme analisado por Fredric Jameson, estetiza a experiência e transforma até mesmo o pavor em produto.

             O que antes era o domínio do sagrado e do místico — a noite em que os mortos retornam — converte-se em espetáculo comercial, impulsionado por campanhas publicitárias e merchandising.

            A máscara de Myers, vendida em massa durante o Halloween real, encarna a ironia pós-moderna: usamos o rosto do assassino para brincar, dançar e rir, neutralizando o horror através do consumo.

            No entanto, essa banalização não elimina o poder simbólico da obra. Ao contrário, ela revela a capacidade do cinema de horror de operar como crítica cultural disfarçada.

            O personagem de Michael Myers denuncia, em sua mudez, a falência da comunicação humana em uma era saturada de ruídos.

            Sua impassibilidade lembra a alienação descrita por Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo: o homem moderno, perdido entre imagens e simulacros, já não distingue o real do ficcional. Myers é o simulacro perfeito — uma sombra que atravessa a tela e se insinua na vida cotidiana, confundindo a fronteira entre o medo representado e o medo vivido.

            Do ponto de vista histórico, Halloween marca uma ruptura estética com o horror clássico das décadas anteriores. Se o cinema de monstros dos anos 1930 e 1940 — Frankenstein, Drácula, O Lobisomem — buscava o extraordinário e o grotesco, Carpenter desloca o terror para o espaço doméstico.

            As ruas suburbanas, as casas iluminadas e os quintais de Illinois tornam-se palcos da violência.

            É o terror cotidiano, o mal que habita o lar, o vizinho, a normalidade. Tal mudança reflete, segundo o filósofo Jean Baudrillard, a hiper-realidade do fim do século XX: o horror não está mais fora, mas dentro da vida ordinária, dissolvido no tecido da civilização. Michael Myers é o produto dessa dissolução — o assassino que poderia ser qualquer um.

            Musicalmente, o tema de Halloween tornou-se um dos ícones sonoros mais reconhecíveis da história do cinema, funcionando como signo cultural independente do próprio filme.

            Sua estrutura minimalista influenciou não apenas trilhas posteriores de terror, mas também a música eletrônica e o rock industrial, estabelecendo uma ponte entre o cinema e a cultura pop.

            A simplicidade da melodia sugere um retorno ao essencial: o medo como pulsação rítmica, como repetição que captura o corpo antes mesmo da mente.

            Pierre Schaeffer, teórico da música concreta, afirmava que o som, despido de sua origem, adquire poder de evocação pura; Carpenter faz exatamente isso, reduzindo o horror a sons primários, quase matemáticos, que nos devolvem à experiência arcaica do pavor.

            Filosoficamente, a figura de Michael Myers permite múltiplas leituras. Pode ser vista como o “homem sem qualidades” de Robert Musil, o sujeito moderno desprovido de identidade e sentido.

            Ou como o “homem unidimensional” de Herbert Marcuse, aprisionado pela racionalidade instrumental e pela repressão dos desejos.

            Em Myers, o silêncio é absoluto: ele não fala, não explica, não hesita. Ele age. Sua violência é a do sistema que produz e consome corpos sem significação.

            Por isso, talvez, ele permaneça tão perturbador — porque encarna o medo essencial de uma sociedade que já não encontra transcendência nem propósito.

            Historicamente, o sucesso de Halloween também impulsionou o subgênero “slasher”, que se tornaria dominante nas décadas seguintes com Friday the 13th, A Nightmare on Elm Street e outros.

            Porém, enquanto muitos imitadores reduziram o horror a fórmulas comerciais, o original de Carpenter conserva uma dimensão quase metafísica.

             O silêncio das ruas, a ausência de trilha em certos momentos, o olhar subjetivo da câmera — tudo contribui para um sentimento de vigilância e destino. Michel de Certeau, ao discutir o espaço urbano, dizia que o olhar transforma o cotidiano em território simbólico.

            Em Halloween, o subúrbio americano é o novo labirinto de Minotauro, e Michael Myers, o monstro que nos obriga a confrontar o que está escondido sob o verniz da normalidade.

            No campo cultural, o personagem também se tornou matéria de reinvenções e debates sobre o mal.

             As releituras contemporâneas, especialmente as dirigidas por David Gordon Green entre 2018 e 2022, atualizam o mito para discutir trauma, memória e masculinidade tóxica.

            Laurie Strode, sobrevivente original, ressurge como símbolo de resistência e reconstrução identitária.

            Tal reconfiguração dialoga com o pensamento de Judith Butler sobre a performatividade do gênero e o corpo como espaço político: Laurie transforma o corpo traumatizado em campo de luta e afirmação.

            Assim, a máscara de Myers — símbolo do opressor — é contraposta ao rosto marcado, mas humano, da sobrevivente.

            Em última instância, o fenômeno Halloween evidencia a permanência do mito em tempos de desencanto.

            Se, como sugeriu Joseph Campbell, os mitos são narrativas arquetípicas que estruturam o inconsciente coletivo, Michael Myers é o mito moderno do retorno eterno da morte.

            Sua presença constante nas telas, reeditada, reinventada, reciclada, confirma o diagnóstico de Nietzsche sobre o eterno retorno: o horror se repete porque o ser humano precisa revivê-lo para reconhecê-lo.

            O cinema de Carpenter, portanto, não é apenas entretenimento — é ritual, é filosofia, é espelho.

            Ao longo de quase cinco décadas, Halloween consolidou-se como uma das expressões mais profundas da relação entre medo e cultura.

            Sua estética simples, sua música hipnótica e seu personagem enigmático transcenderam o gênero, convertendo-se em alegoria da própria condição humana.   Michael Myers, mascarado e silencioso, continua caminhando — não apenas pelas ruas de Haddonfield, mas pela memória coletiva do Ocidente.

             Ele é o símbolo de uma sociedade que teme olhar para dentro de si, porque sabe que o verdadeiro monstro habita no interior.

             Halloween nos recorda que o medo não é o oposto da razão, mas seu reflexo mais fiel — e que, talvez, só compreendendo o horror possamos compreender o que resta de humano em nós.

            Michael Myers não é apenas um personagem de ficção; ele é um dispositivo simbólico que expõe a fragilidade das categorias modernas do bem e do mal.

            Slavoj Žižek, ao refletir sobre o cinema de horror, argumenta que o monstro é o retorno material do que a ideologia tenta reprimir.

            Em Myers, essa tese se torna quase literal: ele representa aquilo que a cultura americana — sustentada em mitos de pureza, moralidade e família suburbana — se recusa a ver.

            A cada aparição, Myers rompe a fachada do “american way of life”, mostrando o vazio que pulsa sob a superfície do conforto e da normalidade. Ele é a figura lacaniana do “Real”: aquilo que não pode ser simbolizado, o trauma que resiste à linguagem e retorna incessantemente para assombrar o sujeito.

            Jacques Lacan, ao discutir o conceito de das Ding (a Coisa), descreve o núcleo inominável do desejo humano, aquilo que nos atrai e repele simultaneamente. Myers é essa “Coisa” que retorna — o desejo e o medo amalgamados em um só corpo.

             Ele não deseja o prazer, mas a repetição; não busca a morte alheia por vingança, mas por compulsão. A repetição, em Lacan, é o que tenta simbolizar o trauma, e é exatamente essa lógica que estrutura a franquia Halloween: cada novo filme é uma reencenação do mesmo ato primordial, uma tentativa sempre fracassada de dar sentido ao sem-sentido. O horror, portanto, é a pedagogia do vazio.

            Ao mesmo tempo, o sucesso duradouro da figura de Michael Myers revela a necessidade social do mito em um mundo desencantado.

            Edgar Morin, em O Espírito do Tempo, afirmou que o cinema é a mitologia moderna: ele cria deuses e demônios adaptados à sensibilidade tecnológica da era industrial. Myers é um desses novos deuses — um deus negativo, sem palavra, sem rosto, sem promessa.

             Ele é o símbolo da transcendência impossível, da espiritualidade ausente, da morte como única permanência. Em sua mudez, ecoa o silêncio de um mundo que perdeu a fé, mas ainda teme o abismo.

            Byung-Chul Han, ao analisar a sociedade contemporânea em A Sociedade do Cansaço e A Agonia do Eros, descreve o desaparecimento da alteridade e a crise da experiência.

            Vivemos cercados por imagens e estímulos, mas incapazes de encontro real. Myers, nesse contexto, é o retorno brutal do Outro.

             Ele invade o espaço seguro da casa, do corpo, do cotidiano, lembrando-nos de que a alteridade radical — o desconhecido, o diferente — ainda existe, mesmo que tentemos bani-la através da tecnologia, do consumo e do espetáculo.

             Ele é o que resta de real em uma civilização saturada de simulações.

            Albert Camus via na figura de Sísifo a metáfora da condição humana: a busca incessante por sentido em um mundo indiferente.

             Em Halloween, o ciclo eterno de mortes e retornos de Myers repete essa lógica absurda. Ele é Sísifo ao contrário — em vez de empurrar a pedra da existência, ele a faz rolar sobre os outros, impondo o peso da finitude como destino comum.

            A ausência de motivação transforma sua violência em gesto filosófico: o absurdo tornado carne.

            O espectador, diante disso, não teme apenas o assassino, mas o reconhecimento de que a vida, em última instância, é o território do incompreensível.

            Jean-Paul Sartre, ao definir o homem como “condenado à liberdade”, afirmava que a angústia nasce da responsabilidade absoluta sobre nossas escolhas.

            Michael Myers é a negação dessa liberdade: ele é o homem sem escolha, pura facticidade. Contudo, sua ausência de vontade provoca no espectador uma forma de angústia ainda maior — o medo de ser dominado pela própria ausência de sentido.       Assim, Myers encarna o extremo oposto do existencialismo: a completa desumanização, o ser reduzido a ato, a ausência de consciência. Sua existência é pura facticidade mecânica — o “em-si” sartreano levado ao extremo da monstruosidade.

            Do ponto de vista sociológico, o ciclo de consumo e revival da franquia Halloween também pode ser interpretado à luz de Zygmunt Bauman.

            Em Medo Líquido, Bauman descreve a modernidade como uma era em que o medo se torna difuso, global, sem objeto definido. Myers simboliza esse medo líquido: não há lugar onde ele não possa estar, não há razão que o delimite.

            Ele é o medo desterritorializado, a encarnação da insegurança existencial. Por isso, sua figura se adapta a cada tempo — o mesmo rosto vazio que, nos anos 1970, denunciava o mal reprimido da família tradicional, hoje reflete as ansiedades digitais, o anonimato, a solidão e a violência estrutural da era das redes.

            É interessante observar como, nas últimas décadas, o Halloween se transformou em um espaço de convivência paradoxal entre a morte e a celebração.

            As festas, fantasias e decorações macabras convertem o medo em estética, e o horror em prazer visual. Walter Benjamin já advertia, em A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica, que a reprodutibilidade transforma o sagrado em mercadoria.

            A imagem de Michael Myers, multiplicada em máscaras, memes e produtos, perde sua aura — mas, paradoxalmente, ganha onipresença.

             Essa difusão do medo como consumo revela a contradição central da pós-modernidade: o terror é desejado, o mal é estilizado, e o vazio é vendido como experiência estética.

            Nessa perspectiva, o Halloween cinematográfico é também um espelho político. O subúrbio branco e ordenado de Haddonfield, onde a narrativa se desenrola, simboliza a América idealizada — limpa, controlada, previsível.

            A irrupção do assassino rompe essa ilusão, revelando a violência latente que sustenta a ordem. Frantz Fanon, em Os Condenados da Terra, descreve como o poder colonial projeta o mal no Outro para manter a pureza do centro.

            Myers, nesse sentido, é a projeção reversa: o mal que emerge do próprio centro, da própria branquitude, da própria normalidade. Ele destrói não por vir de fora, mas por nascer de dentro.

            Há também uma dimensão teológica invertida em Michael Myers. Se o cristianismo tradicional personifica o mal em figuras demoníacas externas ao homem, Carpenter o reconfigura como ausência total de transcendência. Myers não é o Diabo — ele é o vazio deixado pela morte de Deus.

             A máscara, nesse contexto, torna-se o símbolo da teologia negativa: não há rosto porque não há essência.

             Emmanuel Lévinas, ao refletir sobre a ética do rosto, afirmava que o rosto do outro nos convoca à responsabilidade. Myers, sem rosto, é a negação da ética — o Outro que não interpela, apenas destrói. Diante dele, o sujeito não encontra alteridade, mas abismo.

            A filosofia contemporânea do medo, especialmente em pensadores como Paul Virilio e Hans Jonas, também encontra eco na estética de Halloween. Virilio via o medo como consequência da aceleração tecnológica — a consciência de que o progresso gera novos riscos.

            Myers é uma figura lenta, quase imóvel, e justamente por isso assustadora: ele representa a resistência do terror à velocidade, o retorno do arcaico no seio da modernidade.

             Hans Jonas, em O Princípio Responsabilidade, defendia que o medo poderia ter função ética, como consciência do perigo coletivo.

             No entanto, no universo de Carpenter, o medo é paralisante, não moralizador — ele revela a impotência da humanidade diante de suas próprias criações simbólicas.

            Se ampliarmos a leitura para a dimensão antropológica, podemos compreender o Halloween como ritual de inversão.

            Como apontou Mircea Eliade, toda sociedade necessita de momentos de suspensão das normas — tempos do caos que reafirmam a ordem.

            O cinema de terror ocupa esse papel nas sociedades seculares: ele cria espaços simbólicos de transgressão controlada.

             Assistir a Halloween é, portanto, participar de um rito moderno em que a morte é domesticada, o pavor é estetizado e o caos é ritualizado para garantir a continuidade da vida social. Michael Myers é o sacerdote desse novo culto — o mediador entre o medo e o prazer.

            Ao longo das décadas, o personagem evoluiu sem mudar — paradoxo que reforça sua força arquetípica.

             Cada reinterpretação, de Rob Zombie a David Gordon Green, tenta decifrar o enigma de sua origem, mas fracassa, porque sua essência é precisamente a ausência de essência. O horror do inexplicável é o motor que mantém vivo o mito.

            Como observou Umberto Eco, os mitos modernos sobrevivem não pela coerência narrativa, mas pela multiplicidade de leituras que permitem.

            Myers pode ser lido como trauma, como crítica social, como metáfora existencial ou como puro artifício estético — e é exatamente nessa ambiguidade que reside seu poder.

            Em última análise, Halloween e seu protagonista constituem um espelho multifacetado da condição humana.

            A máscara de Myers devolve ao espectador o reflexo de si mesmo — não o herói, mas o vazio, a ausência de sentido, o medo de ser nada.

            Camus escreveu que “não há destino que não possa ser superado pelo desprezo”. Contudo, diante de Myers, o desprezo não basta; o horror resiste porque é estrutural, porque é humano.

             O cinema de Carpenter, com sua economia de meios e profundidade simbólica, antecipa a crise contemporânea da subjetividade: o sujeito reduzido a imagem, a emoção transformada em mercadoria, o medo convertido em espetáculo.

            Talvez por isso, ao fim de cada nova versão, Michael Myers nunca morre completamente.

            Ele é o retorno do reprimido cultural, o lembrete incômodo de que o progresso técnico não elimina a sombra.

            Como diria Jung, “aquilo a que resistimos, persiste”.

            E assim, o assassino mascarado continua a caminhar pelas telas, atravessando gerações, culturas e paradigmas, reafirmando que o medo é o idioma universal da existência.

             Se o século XXI é a era do vazio e da exaustão, então Michael Myers é seu ícone — não apenas o vilão do Halloween, mas o retrato simbólico da humanidade que se olha no espelho e já não reconhece o próprio rosto.


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