4 de jan. de 2024

15 ANOS DA ANTOLOGIA "METAMORFOSE - A FÚRIA DOS LOBISOMENS"


 

Por André Bozzetto Jr

 

            Após um recesso de fim de ano, estamos de volta com a primeira postagem de 2024, dedicada a relembrar os 15 anos do lançamento do livro Metamorfose – A Fúria dos Lobisomens, organizado por Ademir Pascale (leia uma entrevista que fizemos com ele clicando AQUI), obra que ao longo do tempo adquiriu status de cult na cena da Literatura Fantástica Brasileira e, em especial, entre os apreciadores da temática licantrópica.

            A publicação teve o mérito de trazer à tona a figura do lobisomem, até então pouco explorada no meio literário nacional, além de dar visibilidade a muitos autores em início de carreira, inclusive alguns que posteriormente viriam a adquirir inegável reconhecimento, como Duda Falcão, Alex Mir, M. D. Amado (que pouco tempo depois fundou a Editora Estronho) o saudoso Adriano Siqueira e o próprio organizador, Ademir Pascale.

            O livro também teve papel central no boom de antologias de Literatura Fantástica que marcou a virada da década de 2000 para a de 2010, gerando um contexto de efervescência entre autores independentes de terror e gêneros correlatos como poucas vezes visto em outros momentos.

            Eu mesmo vinha de uma fase de muitos anos me dedicando apenas a obras de não-ficção e encontrei nessa antologia a oportunidade e a motivação para voltar às publicações de Literatura Fantástica, algo que não fazia desde a década de 90, com Odisseia nas Sombras. O conto que escrevi, intitulado “O Melhor Amigo”, marca a estreia do personagem Jarbas, que mais tarde ganharia um livro solo e se tornaria o carro-chefe do meu trabalho envolvendo lobisomens.

            Acredito que ainda é possível encontrar exemplares à venda em livrarias on-line. Se você não conhece essa obra clássica, eu mais do que recomendo! 

Adriano Siqueira, Pedro Moreno e André Bozzetto Jr no lançamento do livro em São Paulo, 2009.



     

Sinopse oficial:

Poderia uma maldição mudar o rumo da história da humanidade? Por que há tantos relatos dos homens lobos em épocas e lugares diferentes?

Publius Ovidius Naso (43 a.C – 17 d.C) escreveu a obra Metamorphoses, na qual cita as transformações de homens em animais, incluindo o rei Licaão em lobo. Ovidius influenciou William Shakespeare, John Milton, Dante Alighieri, Benjamin Britten, Cruz e Silva e tantos outros ao longo de dois milênios.

Aventure-se nestas páginas, mas tenha cuidado ao lê-las nas noites de lua cheia.

Ficha Técnica:

Organização: Ademir Pascale

Editora: All Print

Ano: 2009

Páginas: 200

Acabamento: Brochura

 ISBN: 978-85-7718-538-2

Autores e contos:
Ademir Pascale – Metamorfose

Adriano Siqueira – O Vampiro e o Lobo
Alex Mir – O Quarto da Porta de Aço
Almir Pascale – O Anjo da Escuridão
André Bozzetto Junior – O Melhor Amigo
André Catarinacho Boschi – Boa Noite
André Schuck Paim – Maldito
Armin Daniel Reichert – O Filho do Lobo
Arthur C. Bonaventura – O Mau Filho Retorna a Casa

Christian David – Última Esperança
Dione Mara Souto da Rosa – O Pacto de Carcassonne

Duda Falcão – Espírito de Totem
Elenir Alves – Anomalia
Felipo Bellini – Despertar das Gerações
Georgette Silen – O Sétimo
Jocir Prandi – Sina
Jorge Jose – Noturno
Jorge Ribeiro – Flagelo
Larissa Caruso – Fúnebre Luar
Leonardo A. Ragacini – A Mordida da Loba
Lino França Jr. – A Alcatéia
Luciana Fátima – O Choro do Lobo
M. D. Amado – O Último Baile: Pontos de Vista
Marcelo Hipólito – Razão e Fúria
Marco Bourguignon – A Sereia
Mariana Albuquerque – Em se Falando de Monstros
Maurício Montenegro – Cadeia Alimentar
Pedro Moreno – Lobo Homem
Rafael Azeredo – Bendita Maldição
Raphael Albuquerque – O Jovem Caçador
Frank Bacurau – Cogumelos Sob a Luz da Lua Cheia
Ronaldo Luiz de Souza – Zé Cão, o Zelador do Canil
Roseli Princhatti Arruda Nuzzi – Eterna Maldição
Rubem Cabral – Eu, Lobo

Simone Anton – Olhos Amarelos

Wilson Silva – Fuga em Quarto Crescente

 

 

3 de dez. de 2023

REFRESCO MORTAL

 

Por Clayton Alexandre Zocarato

 

 

Mar Mediterrâneo – Próximo a Atenas – 146 a.C.

 

A galera romana navegava próxima ao Porto de Atenas.

Estava há dias no mar, e seus soldados, como seus  marinheiros estavam exaustos.

A força dos seus remos não era suficiente para empurrar a embarcação rústica, e já em  grau considerável  de decomposição.

Nemestrino era um comandante com vasta experiência dentro da marinha romana.

Já tinha participado de muitas campanhas e combates, mas sabia que aquele sinal de desdém perante o lar de Poseidon, em ficar praticamente à deriva por vários dias, semanas,  tinha algo de incomum.

A águas estavam furiosas, a tripulação faminta, e a alimentação estava escassa.

A cólera avançava de forma abrupta e impiedosa.

Olhava  para o horizonte, e tinha seu pensamento em encontrar alguma embarcação grega e assim fazer daquele marasmo, algo que pudesse lhe devolver a habilidade de  lutar com destreza,  e combater de forma violenta  os  “bárbaros”, e assim honrar sua terra e assim poder voltar para os portões de Roma como herói do império.

Sonhava com o dia ao qual seria conduzido por Pretores, como sendo o articulador de uma nova Armada, ao  poria fim de uma vez aos  helênicos.

Todavia sabia que por aquelas águas,  várias embarcações já haviam desaparecido de forma misteriosa.

Alguns diziam que aquela região era habitada por criaturas, metade humana e metade peixe, e que com seu canto infernal,  pudesse atrair, marinheiros para suas profundezas e assim alimentarem de seus fluidos, e conservar suas almas no mais remoto reduto de escuridão possível.

Nemestrino, com um odor apavorante, e tendo a companhia frenética de mosquitos, assim caminha para o centro de seu barco.

Fita todos com frieza.

Sabe bem que o risco de um motim é eminente.

Ordena a seu assistente que coloque todos em atenção, para ouvirem sua fala.

- Caros irmãos romanos. Gloria e Poder eterno a nossa querida Roma. Que assim, nossa missão possa ser cumprida em todo esplendor, e que nada e ninguém nos detenha de conquistar a terra de Zeus.

Navegando lentamente, o capitão comanda sua embarcação com mãos de ferro.

Tudo era uma contemplação para se chegar a conquistar o intuito de levar todo o lucro para o Império.

Porém ao horizonte, vozes vinham como uma frota de prontidão para lutar,   rompendo  todos os obstáculos, para assim saciar uma sede vingança inexpugnável.

Um canto atroz.

Um pouco feroz.

Repleto de vozes...

Procurando novos algozes.

Nemestrino sai da sua sala  de comando.

Caminha por entre seus remadores, e vê muitos rostos cheios de temores, mas não abaixa sua guarda.

Chama um de seus comandantes.

- Soldado. O que é essa cantoria? Tem alguma ideia do que seja isso? E quem está tirando a paz de meus homens?

- Senhor! Isso pode ser classificado como o poder das sereias. Não tenho muito esclarecimento sobre isso, mas ouvi algumas pessoas dizerem que no meio de seu mergulho, por essas águas,  ocorre muito sofrimento, e aqueles que são arrastados  por elas jamais regressam.

Nemestrino caminha de um lado para o outro.

Durante aquele dia todo, ficou em volta de seus pensamentos  , dançando freneticamente angústias a  horas afins, buscando na sua  razão, algum tipo de explicação para tudo aquilo.

- Sereias? Mais uma tola maldição lançada por esses malditos gregos, para assim conseguirem parar as chances do Imperador, de conquistar suas ricas terras.

No entardecer, colocou toda sua tripulação em alerta máximo.

Na madrugada se tornou o canto,  mais agudo.

Os vigilantes estavam com muito medo, e faziam suas funções de vigilância e suas  sanidades ficassem ainda mais comprometidos.

As águas estavam condenadas pelas brumas da escuridão, mas lentamente suas moléculas foram sendo atravessadas por diferentes tipos de seres, balançando suas caudas, e que estavam suculentas por ouvirem gritos de desespero e pavor.

Seus gingados traziam um ódio abissal, desejando se vingarem daqueles que estavam destruindo seus conterrâneos.

Por entre cantos de uma leveza e tonicidade alucinante, estava o desejo de destruição, e de levarem todos àqueles para as profundezas de suas águas sem nenhum tipo, de piedade ou clamor.

As sereias estavam enfurecidas.

Queriam muito mais que lhes dar um refresco.

Realizariam uma carnificina marítima, que levassem esses homens, para um gozo de dor, onde suas almas ficariam para sempre empaladas sem nenhum tipo de clemência, ouvindo gritos de sufocamento, com seus pulmões sendo revestidos de águas, até chegarem as suas bocas.

Isso seria uma forma de suplício para aqueles, que só pensam em cobiça, e que em torno da ambição de seus corações, postergam a igualdade perante os homens.

As donzelas da perdição começam a subirem por entre a galera, e com sua astúcia, vão lentamente abraçando os marujos de Reno e Rômulo, e os transportando para as profundezas.

O mergulho dessa noite, seria  mais do  que refrescante.

Vai passar a ser mais uma morada dos infiéis, aos quais irão fazer companhia para Hades, e estarão em um labirinto de medo sem fim, como o Minotauro.

Os alaridos de suas canções de destruição avançam sem precedentes, levando incertezas de salvação, para uma perdição sem fim.

As sereias não se conformaram com pouco.

A matança dessa noite foi significativa.

Seu coro de sangue foi enaltecido com agudos sentidos de uma inteligência buscando almejar, uma paz, não sendo  ela plenamente  verdadeira.

A única verdade sensitiva será a destruição.

Uma humilhação esplêndida, de que mitos podem vim a se tornarem verdades em alguns momentos.

Mergulhos de ódio,  em  fazer o ser humano pagar por sua ingratidão espiritual.

Uma ontologia de medo, lapidada na destruição da ética.

A beleza feminina, sendo austera perante um mundo de homens, que só detinham na força física, alguma existência que viesse despertar uma consciência que viesse a dar conta de suas miserabilidades, em deixar seu egocentrismo e  de que pelo poder das armas poderia se conseguir de tudo.

Depois, de terem levados todos os homens para as mais ignóbeis profundezas, Nemestrino saiu do seu diálogo, com Morfeu.

O teatro do horror, já havia composto toda a sua trama de perdição, e o comandante estava agora enfrentando sua Abjuração.

Olho para o vazio, as águas estavam calmas.

Remos, copos, pratos, todos espalhados, por entre a madeira contendo gosto de sal.

Fica perdido por entre seus pensamentos.

Suas memórias estão borbulhantes...

Com muito esforço, quebra o claustro noturno.

- Talassa apareça? Deixe de jogos? Sei que é você? Se quer, meu sangue venha me buscar logo?

Um splash, e uma sereia cor de esmeralda salta diante de si, contendo cabelos em tom ensolarado reluzente, com um tridente brilhoso, e olhos amedrontadores.

- Até que enfim, exaltou meu nome Nemestrino!

- Bem aqui estou não vou mais fugir.

- Sempre observei e sei bem o que é o orgulho de um velho desbravador das minhas águas. Você derramou muito sangue, por essas rotas, e agora terá que pagar por isso.

Nemestrino vendo que sua navegação pelo mar da vida terrena, estava se encerrando, alarde um suspiro tedioso e triste.

- Calou-me, por todo esse tempo, e agora ainda zomba de mim. Talvez eu,  mereça esse refresco de morte mesmo. Não vou pestanejar, me  leve consigo.

Talassa em uma voz de pouco caso responde.

- Não irás comigo, e também não te levarei para lugar algum. Só apareci para dizer, que o iludi, e que seu castigo será saber, que toda a sua dedicação para esse maldito Império de nada adiantou. Acreditou mesmo que és tão importante assim? Se quisesse,  já estaria morto há tempos.

        A galera continua seu viajar à deriva e Nemestrino seria para sempre, até o fim dos seus dias espectador privilegiado dos mais belos cantos diferidos pelas sereias mais cruéis e belas do Mediterrâneo.