Por André Bozzetto Junior
– E então?! – questionou Sonny com
impaciência, tão logo o irmão adentrou na sala – Por que demorou tanto?!
– Por que demorei tanto?! – repetiu
Freddy, apontando o dedo para o próprio rosto que se encontrava coberto de
hematomas e escoriações – Por que eu estava apanhando até agora! Isso responde
a sua pergunta?!
– E o que eles disseram?! –
perguntou Sonny, cortando as prováveis lamúrias do irmão.
– Aquilo que já esperávamos: nada
de acordo! – respondeu o mais novo dos irmãos Coltrane – Amanhã de manhã Raul
Prado virá buscar o dinheiro!
– Merda! – esbravejou Sonny,
atirando o chapéu no chão – Mas se eles pensam que levarão o meu dinheiro estão
muito enganados! Não vou pagar nada!
– Então eles vão nos matar. –
ponderou Freddy, em tom desanimado – É simples assim.
– Por que vocês não pedem ajuda ao
xerife Dillon? – perguntou o velho Thomas, que até então se encontrava calado,
sentado em uma cadeira no canto da sala.
– Ora, velhote, você está
desinformado! – retrucou Sonny – Dillon morreu no mês passado! Cursed já teve
outros dois xerifes depois dele! E, infelizmente, o atual é capacho dos irmãos
Prado!
– Podemos pegar em armas e nos
defender... – sugeriu Kaiowa, um ancião apache que vivia há décadas na fazenda
dos irmãos Coltrane e que, naquele momento encontrava-se sentado à porta,
fumando um cachimbo.
– E você acha
que teríamos alguma chance, seu cara vermelha?! – gritou Sonny, escabelando-se
– Thomas está tão velho e acabado que mal conseguiria erguer uma winchester!
Você só serve para ficar o dia inteiro fumando essas ervas fedorentas, e Freddy
é um atirador tão ruim que até hoje jamais acertou um disparo!
– Acertou sim! Em mim! – exclamou
Thomas – Tenho a bala na minha nádega até hoje!
– Eu já me desculpei um milhão de
vezes! – retrucou Freddy, em tom de mágoa – Você sabe que eu tentei acertar o
coiote!
– Estão vendo?! – resmungou Sonny –
É por isso que não teríamos a menor chance em um confronto contra aquele trio
de chacais!
– Coyote! Coyote! – gritou Thomas,
levantando-se empolgadamente da cadeira.
– Ah, não me venha contar pela
milésima vez a história em
que Freddy baleou você tentando acertar um coiote! –
esbravejou o mais velho dos irmãos Coltrane – Não temos tempo para isso!
– Não! Eu estou falando do Coyote!
Andrew Coyote! – insistiu Thomas.
– O matador de aluguel?! – indagou
Freddy, intrigado.
– Claro! – respondeu o ancião, com
grande empolgação – Como pude me esquecer?! Coyote está em Cursed! Fiquei
sabendo que ele está morando em um pequeno rancho do outro lado da antiga
ferrovia!
– Poderíamos contratá-lo! –
complementou Freddy, exultante – Pela fama que ele tem, certamente poderia dar
conta dos irmãos Prado!
– Será que ele aceitaria o serviço?
– indagou Sonny, com desconfiança.
– Evidentemente! – exclamou Freddy
– Afinal, é o trabalho dele! Basta pagar o preço!
– Prefiro dar tudo que eu tenho a
ele do que para aqueles calhordas dos irmãos Prado! – resmungou Sonny.
– Então não vamos perder tempo! –
concluiu Thomas – Irei procurá-lo agora mesmo, pois não pretendo ficar zanzando
por aí depois que anoitecer!
Sem
mais delongas, o ancião foi acompanhado pelos amigos até o pátio, montou no
melhor cavalo da fazenda e partiu a galope sob os olhares esperançosos dos três
companheiros.
– Vocês são loucos em deixar o Tio
Thomas sair agora! – exclamou em tom de desaprovação uma voz feminina vinda da
porta da casa – É óbvio que ele não vai conseguir voltar antes que escureça! E
vocês sabem muito bem o que isso significa, não é mesmo?
Os
três homens voltaram-se na direção da residência e depararam-se com Evelyn, a
filha adolescente de Sonny.
– Querida, eu já não lhe disse para
parar de ficar pelos cantos ouvindo nossas conversas?! – exclamou Sonny – Isso
é assunto de homens!
– Não seria mais fácil de resolver
toda essa confusão se você simplesmente pagasse o que deve?! – indagou a moça,
ignorando a repreensão do pai – Acho ridículo alguém apostar tanto dinheiro nas
cartas se depois não quer pagar!
– Não é tão simples, Evelyn! Miguel
Prado trapaceou durante o jogo inteiro, e quando eu reclamei ele me ofendeu, me
esbofeteou diante de todo o Saloon de Billy Monstrengo e ainda me arremessou
pela janela! É sobre reputação que eu estou falando! Ninguém me humilha desta
maneira! Jamais darei a ele um único dólar!
– Você também vive trapaceando
nesses jogos! Aliás, será que existe alguém que não trapaceia?!
– Eu não trapaceei! Miguel Prado
foi quem trapaceou!
– Então por que você simplesmente
não o desafiou para um duelo, como qualquer homem honrado faria?! – insistiu
Evelyn, com petulância.
Constrangido,
Sonny desistiu de discutir com a moça e lhe deu as costas lamentando
internamente pela morte prematura da esposa. Talvez, se ela estivesse viva,
saberia como lidar melhor com a rebeldia da filha.
Depois
das tensões da tarde, a noite chegou e com ela veio também a sombria
desconfiança de que as piores previsões de Evelyn estavam corretas. Thomas não
retornou.
– Talvez ele tenha decidido passar
a noite no Saloon de Billy Monstrengo... – especulou Freddy, sem muita
convicção.
– Ou foi pego por um espírito da
noite. – sugeriu Kaiowa, de forma bem menos otimista.
Quando
chegou a meia-noite, todos concordaram que não seria apropriado permanecerem em
vigília, pois a luminosidade dos lampiões poderia atrair visitantes
indesejados. Assim, desistiram de esperar e optaram por recolherem-se aos seus
respectivos dormitórios.
O
fato é que o velho Thomas nunca mais voltou e jamais se soube exatamente o que
aconteceu com ele. Durante os anos seguintes, passou a circular por Cursed City
o boato de que ele também era visto a bordo do trem fantasma que, de tempos em
tempos, era avistado por algum incauto circulando pela antiga ferrovia
abandonada, repleto de almas de indivíduos que, de uma maneira ou de outra,
encontraram um fim violento para as suas vidas miseráveis. Mas isso,
obviamente, era algo impossível de ser comprovado, pelo simples fato de ninguém
em sã consciência se arriscaria a ir até lá no meio da noite apenas satisfazer
uma vã curiosidade. Circular pelas bandas da decadente estrada de ferro era
algo a se fazer apenas em casos de extrema necessidade e, ainda assim, poucos
dos que para lá se dirigiam retornavam para contar suas histórias de aparições
e almas penadas.
Contudo,
se o velho vaqueiro não mais retornou, um outro sujeito apareceu na fazenda tão
logo o dia clareou. Todos estavam na cozinha, quando o som melodioso de um
violão se fez ouvir, acompanhado de uma voz suave que cantarolava uma música
desconhecida:
– And here's to you, Mrs.
Robinson,
Jesus
loves you more than you will know. Wo wo wo.
God bless you please, Mrs.
Robinson,
Heaven holds a place for those
who pray
Hey hey hey, hey hey hey.
– Mas que cantoria é essa?! –
resmungou Sonny, um segundo antes de dirigir-se para a porta em companhia dos
demais habitantes da casa e avistar, com indisfarçável perplexidade, o
indivíduo que se aproximava.
O
recém chegado era um homem jovem que tinha os cabelos negros cuidadosamente
ensebados e penteados para trás. Trajava um terno azul com gravata borboleta e
botas de bico fino. De seu pescoço pendia um chapéu branco preso por uma tira
de couro preta e em suas mãos ele ostentava um violão de aparência antiga e mal
conservada.
– Bom dia! – disse o sorridente
visitante, curvando-se em um gesto cordial – Sou Andrew Coyote, do Alabama, à
sua disposição!
– Esse é o tal pistoleiro?! –
cochichou Sonny com o irmão – Nem arma ele parece carrega!
– Talvez ele seja como Guitar
Jim... – ponderou Freddy – Aquele cara que tinha um revólver escondido em um
fundo falso do violão.
– Para mim esse sujeito está
parecendo efeminado demais para ser um terrível matador! – insistiu Sonny.
– Dê uma chance a ele! – retrucou o
irmão mais novo – Não temos outra alternativa mesmo!
Tentando
disfarçar a desconfiança, Sonny aproximou-se do recém chegado e apertou sua
mão.
– Sou Sonny Coltrane. Aquele ali é
meu irmão Freddy e o apache chama-se Kaiowa. Apesar de feio ele é inofensivo.
– E aquela dama tão formosa? –
perguntou Coyote, sorrindo insinuantemente para Evelyn, que, por sua vez sorria,
sorria de volta.
– É minha filha, Evelyn. –
respondeu o patriarca, com certa rispidez – Vamos entrar, pois precisamos
conversar.
Sem
perda de tempo, Sonny perguntou se Coyote não tinha noticias de Thomas e o
rapaz prontamente respondeu que não, explicando que, após visitá-lo em seu
rancho, o velho foi embora e depois disso ele não mais o viu. Mesmo reticente,
o patriarca deu prosseguimento à conversa e disse que Coyote deveria acabar com
o trio de irmãos Prado que, em breve, aparecia para cobrar um dívida de jogo,
fosse em dinheiro ou em sangue.
– Está vendo
isso? – continuou Sonny, mostrando um volumoso saco de tecido – É o dinheiro
que os irmãos Prado querem tomar de mim. Ele será todo seu se você nos livrar
daquele trio de vermes!
– Confesso que nunca fui muito
apegando a dinheiro. – retrucou Coyte, em meio a um sorriso.
– Pois eu lhe darei qualquer coisa!
– insistiu o fazendeiro – Acabe com aqueles nojentos, peça o quiser e eu lhe
darei! É simples assim!
– Sonny! Sonny! – gritou Freddy,
entrando na sala afobadamente – Ramon Prado está vindo aí!
– Ótimo! Agora é com você! –
exclamou o mais velho dos irmãos Coltrane, apontando o dedo para Andrew Coyote.
– Mas, já?! – indagou o rapaz – No
meio da manhã?!
– Percebe-se que você é novo em
Cursed. – disse Freddy – Aqui as contas são acertadas de dia. Ninguém perambula
impunemente pela noite.
Pegando
Coyote pelo braço, Sonny o conduziu até a entrada principal da residência e
praticamente o empurrou para fora, trancando a porta em seguida. Mesmo
demonstrando uma inesperada insegurança, o rapaz andou na direção do segundo
dos irmãos Prado, que acabava de desmontar do cavalo.
– Bom dia, amigo! – exclamou
Coyote, com o sorriso que lhe era característico.
– E então?! Coltrane vai pagar o
que deve ao meu irmão, sim ou não! – Vociferou Ramon Prado, ignorando a
cordialidade com que foi recebido.
– Infelizmente, não. – respondeu o
rapaz – Sonny mandou avisar que não vai pagar nada.
– Ah, é mesmo?! – retrucou o outro
– Então deixe esse recado para ele!
De
forma súbita, Ramon Prado desferiu um violento soco no rosto de Coyote, que,
surpreendido, tombou pesadamente no chão poeirento. Sem perder tempo, o
agressor se aproximou do rapaz e desferiu contra ele meia dúzia de chutes que o
atingiram no estômago, nas costelas e no rosto.
Como
se querendo concluir o espancamento de forma apoteótica, Prado ajuntou o violão
que Coyote trazia a tira colo e, com um único e vigoroso golpe, quebrou-o
contra a cabeça do próprio dono.
– Agora vocês já sabem o que lhes
espera quando eu voltar com meus irmãos! – exclamou Ramon, um instante antes de
montar em seu cavalo e partir a galope, levantando poeira pela estrada.
Um
minuto depois todos os moradores da fazenda já estavam no pátio, observando
perplexamente o ensanguentado Andrew Coyote tentando juntar os pedaços de seu
violão.
– Por Manitu! Que surra! – exclamou
Kaiowa.
– Isso não é nada. – retrucou
Coyote – O pior foi ele ter quebrado o meu violão!
– Meu Deus! Como o famoso Andrew
Coyote é espancado desse jeito sem nem ao menos reagir?! – esbravejou Sonny.
– Eu estava despreparado. –
respondeu o rapaz, mais preocupado com seu instrumento musical.
– Agora Ramon irá voltar com o
resto dos irmãos Prado e vão acabar com a nossa raça! – desesperou-se Freddy.
– Não se preocupem... – disse
Coyote, em tom sereno – Quando eles voltarem o negócio vai ser diferente. Podem
deixar comigo.
Compreensivelmente,
ninguém levou a sério as palavras do cada vez mais desmoralizado matador de
aluguel. Kaiowa foi o que se revelou mais cético a ponto de, discretamente,
esgueirar-se até o estábulo e literalmente picar a mula. Fugiu montando em
jumento e nunca mais apareceu por aquelas bandas. Tempos depois, surgiu em Cursed City o boato de
que o velho apache havia se estabelecido como ajudante de um traficante de
armas em Tijuana, no México, mas tal boato, assim como tantos outros que
circulavam sobretudo no Saloon de Billy Monstrengo, nunca veio a ser
comprovado.
Por
sua vez, Sonny voltou para o interior da residência em companhia do irmão e da
filha. Estava tão furioso que chutava as cadeiras que encontrava pela frente.
– Esse tal Coyote mais parece uma
ovelhinha! – esbravejou o fazendeiro – Estamos ferrados!
– Talvez ele ainda possa nos
ajudar... – ponderou Freddy, sem muita convicção – Se não acreditarmos nisso só
nos restará fugir!
– Nunca abandonarei minhas terras e
meu gado!
– Então por que você simplesmente
não paga o que deve e resolve esse problema de uma vez por todas?! –
intrometeu-se Evelyn.
– Jamais! – gritou Sonny – Prefiro
morrer a pagar um dólar sequer!
– Então vou rezar para que seu
desejo se realize! – retrucou a moça, antes de correr e trancar-se em seu
quarto.
Alheio
a discussão que ocorria no interior da casa, Coyote sentou-se na varanda e, com
muita concentração e empenho, dedicou-se a tarefa de tentar consertar o violão
quebrado. Passou praticamente toda a tarde entretido com esse objetivo e quando
finalmente conseguiu deixar o instrumento em condições de ser tocado – pelo
menos de forma improvisada – já estava anoitecendo.
Ao
perceber que Evelyn o observava através da janela de seu quarto, o rapaz sorriu
para ela e começou a entoar uma canção:
– Sweet home Alabama
where the skies are so blue.
Sweet home Alabama, Lord, I'm coming home to you.
Sweet home Alabama where the skies are so blue.
Sweet home Alabama, Lord, I'm coming
home to you.
A moça sorria, divertindo-se com a música e Coyote seria
capaz de cantar para ela durante a noite inteira se a performance não tivesse
sido bruscamente interrompida pelos gritos de Freddy, que a mais de uma hora
encontrava-se plantado junto à porteira da fazenda.
– Eles estão
vindo! Os irmãos Prado estão chegando!
Em uma atitude pretensamente heroica, Freddy posicionou-se com uma winchester por sobre a cerca de madeira e
esperou até o momento em que julgou que o trio de cavaleiros inimigos já se
encontrava ao alcance de suas balas. Nervosamente, descarregou a espingarda
contra os rivais sem acertar um tiro sequer.
Sonny, que assistiu a tudo da porta
de sua residência, não chegou a se surpreender com a péssima pontaria do irmão,
da mesma forma que também não ficou surpreso ao ver o corpo de Freddy desabar
com uma bala na testa um segundo depois do estrondo de um tiro ecoar da direção
da estrada. Afinal, todos os membros da família Prado carregavam o status de exímios
atiradores.
Assim que adentraram a porteira da
propriedade, os irmãos Prado deram mais uma demonstração de que a fama de
pistoleiros quase imbatíveis que acompanhava a família era mais do que
justificada. Com grande destreza, Miguel Prado sacou seu colt e, com um único
disparo, abateu Andrew Coyote, fazendo-o tombar ao chão com uma bala no peito
tão logo este havia se levantado da varanda.
Apavorado, Sonny simplesmente saltou
para dentro de casa e trancou a porta detrás de si.
Achando graça da situação, uma a um
os irmãos Prado desmontaram calmamente de seus cavalos. Eles sabiam que Sonny
Coltrane era muito avarento para abandonar seus bens e covarde demais para
tentar enfrentá-los. Certamente estaria enfiado debaixo da cama, rezando por um
milagre.
Em meio às risadas, Raul passou ao
lado do corpo de Coyote e ajuntou seu violão. Em tom de deboche, começou a
dedilhar grosseiramente as cordas do instrumento enquanto improvisava versos de
ofensa aos Coltrane, estimulando ainda mais as gargalhadas dos irmãos.
O trio estava tão absorvido na
diversão que nenhum de seus membros percebeu quando Andrew Coyote abriu os
olhos e levantou-se sorrateiramente. Apenas Evelyn viu – através de uma fresta
na janela de seu quarto – quando o famoso matador de aluguel despiu-se
silenciosamente sob a luminosidade pálida da lua cheia que acabara de raiar.
Somente a espantada garota percebeu que o corpo do rapaz – que se revelou
repleto das mais variadas e bizarras cicatrizes – estava distendendo-se e
aumentando de envergadura, ao mesmo tempo em que presas pontiagudas emergiam de
sua boca e garras afiadas brotavam de seus dedos. Quando a metamorfose se
completou, o rapaz de aparência pacata havia desaparecido e em seu lugar estava
um monstro de quase três metros de altura, recoberto por uma densa camada de
pêlos negros e ostentando uma horrível carranca de feições lupinas.
Com uma agilidade impressionante, a
enorme criatura urrou e saltou na direção de Raul Prado. Como estava com o
violão nas mãos, o surpreso pistoleiro instintivamente tentou defender-se
desferindo um pontapé contra o monstro. Porém, o lobisomem agarrou sem
dificuldades a perna do infeliz, girou-o no ar como se fosse um mero saco de
batatas e bateu com a sua cabeça de encontro a um dos pilares que sustentava a
varanda, fazendo com que o seu crânio se despedaçasse ao mesmo tempo em que uma
parte do teto desabou.
Mesmo estando terrivelmente
espantados, Miguel e Ramon sacaram seus revólveres e dispararam uma saraivada
de tiros contra o monstro. Alvejada, a criatura urrou de dor, cambaleou para
trás e chegou mesmo a cair ao chão, mas apenas por um breve instante. Quando as
balas dos pistoleiros acabaram, o lobisomem se levantou e partiu para cima
deles sem lhes dar chance de recarregar suas armas.
Com uma única e violenta patada, o
mostro atingiu o peito de Ramon e o arremessou dentro do bebedouro dos cavalos
– que àquela altura já havia fugido relinchando apavoradamente. Antes que
Miguel pudesse escapar, o lobisomem agarrou-o pelo pescoço e suspendeu-o no ar.
Com um golpe brutal desferido com suas garras afiadas, a criatura rasgou o
ventre de sua vítima, fazendo com que suas entranhas escorressem de encontro ao
chão arenoso.
Enquanto gritava de dor e desespero,
Miguel sentiu as próprias vísceras sendo enroladas pelo monstro ao redor de seu
pescoço e, dentro de poucos segundos, sua voz foi agonizantemente sufocada para
sempre.
Sentindo tanta dor a ponto de supor
que estava com algumas costelas quebradas, Ramon rastejou para fora do
bebedouro, mas não conseguiu percorrer mais do que dois ou três metros antes
que o lobisomem o alcançasse. Pisando nas costas de sua vítima para
imobilizá-la, o mostro agarrou a cabeça do último dos irmãos Prado e – emitindo
um urro de triunfo e satisfação – arrancou-a do corpo e arremessou-a para
longe.
Quando Andrew Coyote chutou a porta
e adentrou na residência de Sonny Coltrane, já havia retornado à sua forma
humana. Encontrou o fazendeiro agachado detrás da mesa da sala, espiando com desconfiança.
– Pe... Pegue! –
disse o fazendeiro com voz trêmula, ao mesmo tempo em que oferecia o saco de
tecido para Coyote – Você fez o seu trabalho... Merece todo esse dinheiro!
– Já lhe disse
que não me importo com dinheiro. – respondeu o rapaz, em tom sombrio.
– Então peça o
que quiser e eu lhe darei!
– Eu quero ela! –
disse Coyote, apontando o dedo para Evelyn, que acabara de entrar na sala.
– Como?! Minha
filha?! – gritou Sonny – Isso nunca! Evelyn é minha! Minha! Minha!
Nesse momento, um estrondo ecoou
pelo recinto. O fazendeiro teve um espasmo e um filete de sangue escorreu de
seus lábios, um instante antes de ele tombar sem vida no assoalho, alvejado com
um tiro nas costas.
– Finalmente
estou livre de você, seu velho nojento! – exclamou Evelyn, com um revólver
fumegante em mãos.
Com um sorriso enorme nos lábios,
Andrew Coyote se aproximou da moça, tomou-a nos braços e a beijou longamente.
– Vamos? –
indagou ele, puxando-a pela mão.
– Claro! –
respondeu a garota, ajuntando o saco de dinheiro que estava caído ao lado do
cadáver de seu pai.
No pátio da fazenda, Coyote vestiu
novamente seu terno, ajuntou o violão e – enquanto tomava o ruma da estrada em
companhia de Evelyn – começou a cantarolar uma nova canção:
– Country
roads, take me home
To the place I belong,
West Virginia,
Mountain mamma, take me home
Country roads
– Nunca tinha ouvido nenhuma destas
músicas... – disse a moça, sorridente – Foi você quem as compôs?
– Não... – respondeu o rapaz – Quem
me ensinou a tocá-las foi um negro vidente que conheci no Mississippi.
– Um vidente?! – exclamou Evelyn,
com indisfarçável curiosidade.
– Sim. – afirmou Coyote – E ele me
disse que todas essas canções farão muito sucesso no futuro...
* Conto
publicado originalmente no livro Cursed City – Onde as almas não têm valor
(org. M.D. Amado, Estronho: 2011).