Por André Bozzetto Junior
Depois do relato anterior, que para algumas
pessoas pode ter dado a impressão de que não teve nada a ver com o primeiro,
justifico que todas as histórias estão interligadas e servem para ilustrar o
tipo de acontecimentos insólitos que ocorrem nas imediações do Lago Verde e
também para evidenciar que não são tão raros assim. Vou dar mais um exemplo aqui e,
no próximo capítulo, começarei a explicar qual pode ser a razão de tais
fenômenos misteriosos. Se você ainda não leu o capítulo introdutório dessa
série, clique AQUI, e para ler a segunda parte clique AQUI. A história de hoje
eu decidi nomear como
Uma noite muito bizarra
Conforme já mencionei anteriormente,
depois da incrível e apavorante experiência vivida em uma noite calorenta às
margens do Lago Verde, comecei a buscar por todos os relatos e histórias que
conseguia compilar e, entre várias, essa é uma das mais impressionantes e
bizarras. Eu já conhecia a versão “oficial” do fato, como todo mundo na cidade,
pois o ocorrido gerou muito alvoroço e boatos, mas a versão supostamente
verdadeira só fiquei sabendo depois. E adivinhe aonde? Isso mesmo, no Bar do
Fachi! Havia cinco rapazes tomando cerveja em uma mesa naquela noite, não sei
como entraram no assunto, pois quando cheguei já estavam falando à respeito. O
personagem principal desse causo para lá de esquisito era um rapaz um pouco
mais velho que eu, natural da cidade mesmo, mas que morou durante muitos anos
em Porto Alegre, depois voltou a morar em Ilópolis, depois foi para a Capital
de novo, depois retornou para a nossa cidadezinha, e atualmente não sei onde está
morando. Obviamente, não podemos revelar seu nome verdadeiro, então, vamos
providenciar um fictício: Raimundo. Tomei conhecimento desse relato em 1998, ou
1999, mas o fato, pelo que me recordo, ocorreu em 1997.
Todo
ilopolitano conhece muito bem o Ginásio de Esportes de propriedade da Escola
Estadual, localizado na esquina das ruas Augusto Tomasini com a Luís Bresolin.
Durante muitas décadas o local sediou o Campeonato Municipal de Futsal, evento
que mobilizava muita gente, do interior e da cidade. Também servia de espaço
para a realização de eventos, festas e baladas. Ah, se aquelas paredes
falassem! Quantos gritos de gol, xingamentos às mães de juízes diversos, risos
e lágrimas… quantos namoros, brigas, romances e amizades que marcaram as
páginas das vidas de muitas gerações e hoje são apenas memórias. Há lugares que,
ao longo do tempo, constituem uma aura própria, formada por um pouquinho de
cada um que já esteve lá. O Ginásio de Ilópolis é um lugar desses e outro dia
vou escrever mais sobre ele. Por enquanto vou me limitar a dizer que naquela
noite estava acontecendo um evento grande, devia ser o concurso de escolha da
Garota Cultura, promovido pela Rádio do município vizinho, ou algo assim.
Raimundo
– que era uma espécie de galã da época – estava de olho em uma moça, aluna do
terceiro ano do Ensino Médio. Depois de algumas cervejinhas e um pouco de dança
(eu imagino a cena ao som de Barbie Girl,
do Aqua, grande sucesso daquele ano)
o casal saiu de fininho e foi para o carro do rapaz. Em poucos minutos já
estavam estacionados no bosque de pinheiros às margens do Lago Verde, que além
de ficar bem próximo, já tinha entre a juventude da época o status de local
propício a esse tipo de encontro, chegando até a ganhar o apelido extraoficial
de “Motel dos Pinheirinhos”. Dizem que em certas noites chegava até a ter congestionamento
nas estreitas estradinhas que circundam a área, e na grande maioria das vezes
não acontecia nada de anormal. Mas, naquela noite específica, aconteceria sim.
Algo muito anormal.
Pelo
que se sabe, o rapaz estacionou seu carro quase no mesmo lugar onde eu e os
meus amigos estávamos na noite do primeiro relato. Não parecia haver outros por
perto naquele momento. Talvez por isso mesmo as coisas evoluíram rápido no
interior do veículo e logo o casal já estava sem roupas. Porém, o lance parou
por ali mesmo, pois, segundo Raimundo, o carro de repente começou a balançar
violentamente, como se várias pessoas o estivessem chacoalhando ao mesmo tempo.
Como
estava muito escuro ao redor, Raimundo pensou que seus amigos os haviam seguido
e estavam de sacanagem. Abriu a porta e já saiu do veículo – pelado mesmo – xingando
quem quer que fosse. Até então ele estava irritado, mas não com medo. Só
começou a sentir medo de verdade quando percebeu que não havia ninguém do lado
de fora, ao mesmo tempo em que a música e a luz interna do carro se desligaram,
tornando a escuridão praticamente total. Antes que pudesse fazer qualquer
coisa, o rapaz ouviu um estrondo muito forte vindo do próprio veículo e a moça
começou a gritar desesperadamente.
Apavorado,
Raimundo percebeu que o som dos gritos foi ficando mais fraco, não porque a
garota estava se acalmando, mas sim porque ela estava ficando mais distante!
Estava sendo arrastada, ou levada para longe – por alguém ou alguma coisa – de forma
muito rápida. O rapaz tentou gritar o nome dela, mas sua voz se perdeu na
escuridão da noite quando percebeu que ele próprio estava sendo arrastado. Ao
contrário da moça – que pela direção da voz parecia ter saído voando – Raimundo
foi puxado rente ao chão, como se estivesse com o tornozelo amarrado junto ao
para-choque de um carro em movimento.
Embora
não saiba precisar por quanto tempo isso durou – e ele teve a impressão que foi
muito – na verdade deve ter sido rápido, pois apesar de estar completamente nu,
não se machucou muito, ficando apenas com alguns esfolados, terra e palha de
pinheiro pelo corpo.
Quando
conseguiu se levantar, Raimundo chamou pela moça e ainda conseguia ouvir ela
gritando, mas parecia cada vez mais longe. Então sentou ao volante do carro e
tentou ligá-lo, mas sem sucesso. Ele não ligava de jeito nenhum. Naquele momento, a única
ideia que passou pela sua mente desesperada foi a de pedir ajuda. E precisava
ser o mais rápido possível. Imediatamente!
Então
ele simplesmente saiu correndo pelas estradinhas em meio ao bosque, seguindo em
direção ao Ginásio de Esportes, que fica a apenas 1 km do Lago Verde, talvez um
pouquinho mais ou um pouquinho menos. Não me pergunte como ele fez isso, pois
eu já estive em situação semelhante e sei como é difícil correr na escuridão,
com a sensação constante de que há uma ameaça que você não consegue enxergar,
lhe espreitando por entre as árvores.
Contudo,
o fato é que ele conseguiu chegar de volta à festa, sem sofrer maiores danos.
Mas, havia um detalhe: estava pelado. Ao se aproximar do Ginásio, mais ou menos
lá pelas cercanias da casa do Celso Secco, ele começou a se esgueirar por trás
dos carros estacionados, procurando avistar algum conhecido do lado de fora,
sem ser visto pelo povo que circulava diante do evento.
Como
em Ilópolis todo mundo conhece todo mundo, ele logo avistou alguém que sentiu
confiança em chamar. Deu alguma explicação rápida e mandou o sujeito entrar na
festa e buscar os seus amigos que estavam lá. Enquanto o cara fazia o que ele
pediu, pois qualquer um entenderia o senso de urgência do momento, Raimundo
tentou permanecer escondido detrás dos carros, mas era óbvio que alguém mais
iria vê-lo e, como sempre acontece em lugares pequenos, a notícia se espalhou à
velocidade da luz e rapidamente um monte de gente já estava saindo do recinto
com os pescoços espichados, tentando enxergar onde estava o tal cara pelado
zanzando por entre os veículos.
Em
meio ao tom de comédia, sem saber se era para achar graça ou se apavorar,
quatro ou cinco amigos de Raimundo saíram da festa, embarcaram em dois carros e
seguiram em direção ao Lago. O rapaz então precisou sair de onde estava
parcialmente escondido para que eles o deixassem embarcar também, e foi nessa
hora que muita gente viu o tal sujeito “com o bundão branco e o bilau de fora”,
como me contaram as más línguas depois.
Enquanto
Raimundo tentava explicar o ocorrido – sem ninguém entender quase nada – o grupo
rapidamente chegou ao local onde estava o carro abandonado e todos começaram a
procurar e chamar pela moça desaparecida, pois esta parte era a única que
tinham entendido.
Embora
não conseguissem enxergá-la, os rapazes ouviam a voz da garota ao longe. Alguns
diziam ter a impressão que o som vinha de uma direção, outros de outra, e havia
até quem achasse que os gritos vinham do alto. Os dois carros com os quais o
grupo chegou ao local estavam funcionando perfeitamente e parece que até o de
Raimundo voltou a funcionar quando tentaram ligá-lo de novo. E foi assim, com o
auxílio dos faróis, que finalmente avistaram a moça, depois de muito
circularem pelos arredores. Ela estava dentro da água, a mais de 500 metros do
local de onde havia sumido. Para ser mais específico, estava próxima daquela
área onde há um laguinho menor, do outro lado da estrada que passa sobre uma
tubulação de concreto.
Como
ela sabia nadar, já estava se aproximando da margem por conta própria e não foi
nada difícil para os rapazes a retirarem da água. Estava com o corpo repleto de
arranhões e pequenos cortes, como se causados pelo atrito com os galhos dos
pinheiros, mas nenhuma lesão mais séria. O dano maior parecia ser psicológico
mesmo, pois não parava de chorar e balbuciar palavras incompreensíveis, em
choque. Não conseguia explicar o que havia acontecido, assim como Raimundo
também jamais conseguiu.
Provavelmente
você que está lendo isso deve estar achando que essa história não pode ser
verdade, que é maluquice, invencionice, ou simplesmente uma bela mentira, não
é mesmo? Pois então, com certeza a maioria das pessoas pensaria do mesmo jeito
e por isso foi preciso inventar uma história mais plausível para tentar
justificar o injustificável. Raimundo e seus amigos decidiram contar para todo
mundo a seguinte versão: o casal estava no carro, namorando, quando de repente
apareceu um cara da cidade vizinha, Arvorezinha, acompanhado de dois amigos.
Esse sujeito gostava da moça que estava com Raimundo e, enciumado e irritado
por ter sido rejeitado na festa, decidiu seguir o casal com seus comparsas para
se vingar. Então esses três indivíduos teriam agredido o casal, o que
justificava os machucados. Como na época havia uma forte rivalidade entre
grupos de Ilópolis e de Arvorezinha, tendo inclusive gerado diversas brigas, é
possível que muita gente tenha acreditado na história.
Porém,
bastaria uma reflexão mais atenta para se perceber que tinha muitos furos nessa
versão, a começar pelo peladão circulando lá pelos arredores do Ginásio.
Provavelmente os primeiros a perceber que algo estava muito estranho nessa
história toda – além do vexame – foram os pais da moça, tanto que a mandaram
para concluir o Ensino Médio em Porto Alegre, onde a família tinha parentes, e
depois ela já ficou por lá mesmo para fazer a faculdade. “Quem não é visto não
é lembrado”, diz o ditado, e mantendo a garota afastada, poderia ser que o povo
se esquecesse mais rapidamente daquele caso constrangedor. O mais engraçado é
que, como sempre acontece nas cidadezinhas do interior, com o passar do tempo a
história vai ganhado versões alternativas, reduzidas, aumentadas ou
simplesmente modificadas a tal ponto que quase ninguém mais se lembra de como
as coisas ocorreram na época. Ao longo dos anos, eu já ouvi gente contando essa
história – na verdade, parte dela – dando a entender que o Raimundo teria
circulado nu pelo entorno do Clube Recreativo, da Praça e até do Salão
Paroquial. Sabemos que as coisas não foram bem assim, mas, de qualquer forma, “a
tal festa onde um cara apareceu pelado na rua” se tornou parte do folclore
popular de uma geração. Uma festa muito bizarra, mas que nos dias de hoje,
talvez fosse classificada como uma mera lenda urbana.
Depois
de ouvir atentamente esse relato, me convenci de que os acontecimentos
insólitos envolvendo o Lago Verde eram mais comuns do que se poderia imaginar,
o detalhe é que quem passou por isso raramente assume publicamente. O mais
normal é se ficar sabendo assim, em uma mesa de bar ou entre aqueles pequenos círculos de amigos de confiança. Eu poderia inserir vários outros relatos nessa
série, mas não vou fazer isso. Creio que já ilustrei como os fenômenos ocorrem –
há diferenças, mas também padrões de semelhança – e agora vou me dedicar a
explicar porque eles ocorrem. A
primeira possível explicação para a origem dos eventos misteriosos chegou até mim
em 2001 ou 2002, enquanto eu trabalhava na Escola EMAFA e apareceu por lá um
professor da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) que estava fazendo sua
tese de Doutorado – ou Pós-doutorado – sobre Educação Ambiental. Foi ele quem
primeiro me falou sobre Linhas Ley.
Mas, isso é assunto para o próximo capítulo.