7 de abr. de 2021

MENINA

 

 

Vem comigo conhecer [...]
As profundezas de um mundo
Que podemos ter
(Barbarella)

 

            Acordei assustada com gritaria e agitação pela casa. Havia vozes do lado de fora. Espiei pela janela e vi meu pai e meu irmão mais velho, Rodrigo, atravessando o milharal em direção ao mato com espingardas nas mãos. Perguntei aonde iam e meu pai – muito nervoso – respondeu apenas que era para eu trancar a janela e não sair do meu quarto. Todos da casa deveriam ficar nos seus quartos, com as janelas e portas trancadas. Depois disso, correu para dentro da mata escura. Então fiz o que ele mandou. Quando meu pai manda fazer alguma coisa, é bom obedecer.

            Além de mim, estavam em casa a minha mãe e o meu irmão do meio, Ricardo. Deviam estar todos trancados em seus quartos, como o pai mandou. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas com certeza tinha alguma coisa a ver com o ocorrido ontem de noite no baile, quando dois garotos – o Juliano e o Julinho – desapareceram. O meu irmão Ricardo começou a falar de uma mulher, uma morena bonita que surgiu por lá, teria sumido com eles. Começou a falar que ela era uma vampira, que viu ela matando o Juliano, umas coisas assim. Todo mundo achou que ele tava bêbado ou drogado. Como não se acalmava de jeito nenhum e chegou até a mijar nas calças, chamaram um médico que deu uns remédios “faixa preta” que fizeram ele dormir o dia inteiro.

            A comunidade inteira passou o dia procurando os garotos, mas até o anoitecer não tinham achado nem sinal deles. Ficaram de continuar a busca de manhã cedo. Eu demorei bastante para pegar no sono. Fiquei pensando que o meu irmão realmente bebia demais e era bem babaca de vez em quando, mas não iria inventar uma história dessas. Alguma coisa de muito estranha devia ter realmente acontecido.

            Parecia que eu mal tinha pegado no sono quando começou aquela correria aqui ao redor de casa. Não sei o que foi que o meu pai e o Rodrigo viram para sair correndo de armas na mão daquele jeito, mas por pouca coisa não estariam tão assustados.

            Eu estava ouvindo a minha mãe rezando em voz alta no quarto ao lado, quando escutei os tiros. Pareciam vir do mato que fica atrás da estrebaria e do celeiro. Foram três, e depois começaram os gritos. Com certeza, eram as vozes do meu pai e do Rodrigo. Durou pouco, mas foram gritos tão horríveis, tão desesperados, que tive certeza que havia acontecido alguma tragédia. Comecei a chorar, enquanto a minha mãe rezava em voz ainda mais alta do outro lado da parede. No quarto em frente ao meu, escutava o meu irmão Ricardo resmungando e andando de um lado para o outro.  

            Então veio aquele barulho, tipo uma rajada de vento muito forte, e como se algo tivesse caído em cima da casa. Meu irmão e minha mãe silenciaram. Depois de algum tempo onde não se ouvia som nenhum, começaram os passos no telhado. Era muito claro: tinha alguém caminhando em cima da casa. E depois – meu Deus! – veio aquela voz.

            “Ricardinho, Ricardinho, cadê você, amiguinho? Precisamos ter uma conversinha...” dizia aquela voz, que parecia ter um eco, como se viesse de dentro de uma caverna. “Não precisa se preocupar... estou um pouco sujo, mas não é nada de mais... apenas o sangue do seu  pai e do seu irmãozinho, hehehe!”. Eu já estava chorando de pavor, e comecei a chorar ainda mais quando reconheci aquela voz. Estava diferente, mas era a voz do Julinho.

            “Sabe aquela conversa de que um vampiro só pode entrar em uma casa pela primeira vez depois de ser convidado? Pois é, você já me convidou uma vez, lembra? Naquela tarde em que você e o Juliano disseram que iriam me mostrar uma revista Playboy, mas na verdade só queriam mesmo era me jogar esterco de porco. Eu sou o Julinho Porquinho, tá ligado? Óinc, óinc! Heheheh!

            Pensei um fugir, mas não tinha para onde. Se alguém saísse da casa ficaria ainda mais fácil para ele atacar. Minha mãe voltou a rezar. Dessa vez chorava e soluçava ao mesmo tempo, desesperada. Escutei meu irmão chorando também lá no quarto dele.

            “Eu vou entrar aí, Ricardinho!” dizia a voz, debochando, “Vou entrar aí e fazer você cagar nas calças! Vamos ver se você ainda é tão machão, seu puto! Vai me pagar por tudo que já me sacaneou. Depois vou ter uma conversinha com a sua mamãe. Apesar de coroa, até que ela está bem enxuta. Ainda dá um bom caldo, hehehe! E depois, ah, cara! Depois vou brincar com a sua irmã, Fernandinha! Ela já está bem gostosinha, né?!”.

            Nessa hora, não aguentei mais. Me enfiei debaixo da cama e tampei os ouvidos com as mãos. Não queria mais ouvir aquela voz. Não queria ouvir mais nada. Mas ouvi mesmo assim. Ouvi um estouro de vidros se quebrando quando ele arrebentou a janela... ouvi meu irmão falando algo, implorando, chorando... ouvi gargalhadas, e depois apenas gritos... muitos, muitos gritos. E então silêncio.

            De repente, ouvi passos no quarto ao lado e mais um grito. Dessa vez era a minha mãe. Ela gritava e ele ria, apenas ria. Então começou um outro tipo de barulho, como se eles estivessem... não! Prefiro nem pensar que eles estivessem fazendo isso! Prefiro não imaginar essa cena!

            Depois de um tempo que me pareceu muito, muito longo, tudo ficou em silêncio de novo. Então vieram os passos no corredor. Ele estava parado diante da porta do meu quarto. Podia sentir.

Sai, menina, desse seu quarto

            “Fernandinha... Fernandinha”, chamava, com aquela voz de eco, “Você já está uma mocinha, Fernandinha... vamos brincar de namorar?”.

Sai, menina

Vem, menina

            A porta estava trancada, mas ele a abriu com facilidade mesmo assim. Debaixo da cama, vi a sua sombra entrando no quarto. Com um movimento muito rápido, ele agarrou o meu pé e me puxou de uma vez só para fora do meu esconderijo. Estava coberto de sangue da cabeça aos pés, mas os olhos... havia alguma coisa naquele olhar...

Larga esse medo todo

            “Não vou te machucar, Fernandinha... vou te tornar livre...”, disse ele.

Como deve ser

            De repente, eu não estava mais com medo. Minha respiração ficou ofegante e senti um calorão crescendo dentro de mim. Tinha chegado a hora.

 

 

Por André Bozzetto Junior 


   

3 de abr. de 2021

NOITE DE VERÃO

 

Na escuridão fico a procurar 
O vento vai guiar meus passos a você
(Barbarella)

 

            Se você perguntar para qualquer pessoa de Pinhalzinho quando foi que tudo isso começou, ninguém vai saber responder. Mas eu sim. Sei dizer o dia e até a hora. Foi em 30 de dezembro de 1991, feriado de emancipação do Município. Naquela noite a nossa comunidade de Três Cachoeiras promoveu a maior festa de sua história e uma das maiores que a região já tinha visto. Para animar o baile, decidiram contratar ninguém menos do que a banda Barbarella, que estava fazendo um sucesso enorme na época, com comerciais dos seus discos aparecendo no canal da RBS TV e músicas como Só uma canção, Aldeia, Sedução e Noite de Verão, do disco novo, tocando toda hora nas rádios.

            No fim da tarde, ajudei o pai a tratar os porcos, tirar o leite das vacas, depois tomei um bom banho e vesti a camiseta gola polo novinha que tinha comprado na Casa Baratinha e fui logo para o salão da comunidade. Era certo que viria gente de tudo que era lado para ver a banda, e com certeza muitas garotas também. Talvez até alguma que desse bola para mim, né...

            Realmente, o salão lotou. Nunca tinha visto tanta gente. Quando o Barbarella começou a tocar foi uma loucura. Veio gente de Chapecó e Xanxerê, Erechim e Nonoai. Mas, meninas dando bola para mim, tinha? Nenhuma. Bem que eu tentei chegar de mansinho perto de uma ou outra, mas sempre que eu fazia isso apareciam os abostados do Ricardo e do Juliano para avacalharem com tudo. Já chegavam gritando “Julinho Porquinho!” e fazendo “óinc, óinc!”, até espantar as garotas ou, o que era pior, fazer todo mundo cair na gargalhada, me deixando envergonhado e com cara de idiota. Viviam me perseguindo e debochando de mim, aqueles putos!

            Desanimado, peguei uma Coca-Cola e sentei num canto. Parecia que ainda não seria dessa vez que eu finalmente ficaria com alguma menina. Lembro de ter olhado o relógio acima da parede da bodega e mal passava da meia-noite quando ela apareceu. Apesar de o salão estar empilhado de gente, parece que todo mundo notou a chegada dela. Aparentava ter vinte e poucos anos, tinha a pele muito clara e cabelos bem pretos e compridos. Usava um vestido preto que destacava muito bem o seu lindo corpo. Era, com certeza, a mulher mais gostosa que eu já tinha visto assim, na minha frente.

            Ela deu uma volta no salão, observando as pessoas com atenção, mas ao mesmo tempo parecendo estar insatisfeita. Até que passou na minha frente. Não tem como descrever o que senti quando ela olhou nos meus olhos. Um calafrio de chacoalhar a espinha, seguido de um calorão e a sensação de que o meu coração iria parar. A música parecia ter sumido e a minha mente ficado vazia. Ela foi saindo – parecia em câmera lenta – ainda me encarando, olhando no fundo dos meus olhos por sobre o ombro, e então se foi, saiu porta afora. Na minha cabeça surgiu como uma voz – um eco, na verdade – sussurrando um nome: Ayara! Me sentia como se o mundo ao meu redor tivesse parado e a única coisa que me interessava era ela. Eu precisava ir atrás dela! Precisava de qualquer maneira!

         Saí do salão meio alucinado, passei pelas luzes do estacionamento e mergulhei na escuridão da estrada. Não enxergava quase nada, mas sabia exatamente onde devia ir, como se ela estivesse me guiando por telepatia. Caminhei um pouco – na verdade dava a impressão eu flutuava, sem tocar o chão – e logo cheguei ao meu destino: a parte de trás do cemitério da comunidade. Ela estava lá, no escuro. Me olhava com aqueles olhos que pareciam hipnotizar. Chegou lentamente perto de mim – bem perto! – e eu entendi o que iria acontecer. Meu coração estava disparado, parecia que iria sair para fora do peito. Sua pele era tão... gelada!

            De repente, barulho de passos às minhas costas. Saí – pelo menos por um momento – daquele estado de transe e olhei para trás. Juliano e Ricardo nos observavam com cara de apavorados. “Porquinho...” chegou a dizer Juliano. Não sei o que mais ele iria dizer, porque não teve tempo. Como uma pantera, a moça saltou sobre ele, agarrou sua cabeça e torceu para trás, como se estivesse torcendo uma boneca de pano. O barulho que o pescoço dele fez quando quebrou foi terrível. Ricardo saiu correndo imediatamente, gritando e chorando feito uma criança. Ela nem tentou impedir. Apenas segurou o corpo morto de Juliano – com a mesma facilidade com que alguém segura uma toalha de banho – e o aproximou do próprio rosto, como se estivesse cheirando. Em seguida, o atirou no chão, com cara de nojo.

            “O sangue desse verme aí fede a álcool, cigarro e gonorreia...” disse ela, falando diretamente na minha mente, “Por isso gostei de você... seu sangue é puro... e você tem cheiro de virgindade...”.

            De forma lenta e sensual, ela tirou o vestindo e encostou seus lábios no minha orelha. Sentia minhas pernas tremendo como vara verde. “Você pode ter a força para fazer isso...”, disse ela, apontando para o cadáver de Juliano, “Pode fazer todos eles pagarem pelos deboches e gozações... pode pegar para você as mulheres que quiser... e pode ter a mim, aqui e agora... você quer?”

            Ela estendeu a mão e apalpou algo duro feito rocha pulsando em minhas calças. Eu entendi tudo, sabia que teria consequências, mas naquele momento, era impossível qualquer outra resposta. Eu precisava dizer “sim”. Precisava... sim... SIM!

            Como descrever aquele momento? Calor, desejo, prazer, uma pontada de medo, dor... um mergulho – ou seria um voo? – para dentro dela, e dela para dentro de mim... sangue! Depois a escuridão e o silêncio, como de um sono do qual nunca mais se desperta. Pelo menos não do mesmo jeito. Porque, na verdade, eu despertei. Estava no meio da mata. Pela cor do céu, havia acabado de anoitecer. Percebi que tinha ficado o dia inteiro apagado. Ela não estava ali, mas havia deixado algo em mim. Eu ainda estava deitado, imóvel – tinha apenas aberto os olhos – mas mesmo assim senti uma força tremenda vibrando através do meu corpo. Eu sentia – tinha certeza – que poderia partir uma árvore ao meio com apenas um soco, e estava adorando isso. Mas havia mais alguma coisa, uma sensação. Sede! Uma sede que crescia segundo após segundo. Eu assistia a novela Vamp da Rede Globo. Já tinha lido o livro do Drácula quando retirei na biblioteca do Colégio Marcolino. Eu sabia de que os vampiros têm sede. Lembrei daquele bosta do Ricardo. O que será que ele acharia desse novo “Julinho Porquinho”? Será que ainda teria coragem para rir, ou iria chorar de medo, feito uma menininha? Era o que iríamos descobrir!

 

 

Por André Bozzetto Junior  


 
 
   

30 de mar. de 2021

EUGÊNIO COLONNESE, O MESTRE DO TERROR NACIONAL

 

Por Gian Danton

 

    Eugênio Colonnese foi um dos mais importantes desenhistas de quadrinhos do Brasil. Italiano radicado no país há mais de quatro décadas, ele faleceu na madrugada do dia 8 de agosto de 2008.
 
     Colonnese começou sua carreira na Argentina, em 1949. Passou vários anos naquele país, trabalhando em revistas de sucesso, mas em 1964 veio para o Brasil, onde ajudou a fundar o estúdio D´Arte em parceria com o argentino Rodolfo Zalla. Juntos, produziram histórias em quadrinhos dos mais diversos gêneros, indo dos quadrinhos de guerra aos de super-heróis. Mas foi o terror que tornou Colonnese uma celebridade, especialmente por causa da criação de Mirza, provavelmente a primeira heroína vampira dos quadrinhos.
 
     Também criou o Morto do Pântano, um personagem de nome muito parecido com o Monstro do Pântano, que faria sucesso anos depois na DC Comics.

 
     Na década de 1970, ele abandonou os quadrinhos para se dedicar à ilustração de livros didáticos para editoras como Ática e FTD. Acabou se tornando um paradigma do gênero, trazendo a linguagem dos quadrinhos para os livros escolares. Seu traço elegante era facilmente reconhecível pelos fãs, muitos dos quais ainda guardam esses livros apenas por causa das ilustrações.
 
     Na década de 1980, quando o amigo Zalla transformou a D´arte em editora e começou a publicar as revistas Calafrio e Mestres do Terror, Colonnese voltou aos quadrinhos, fazendo antológicas histórias de terror.
 
    Também ficaram célebres as histórias em quadrinhos institucionais que ele fez para o Instituto Universal Brasileiro, nos anos 1980.
           
     Em todos os trabalhos, Colonnese sempre se revelou um exímio artista, com um traço detalhista, anatomicamente perfeito, e uma habilidade fora do comum para desenhar mulheres.
 
     Nos anos 1990 ele continuou na ativa, produzindo obras como A Arte exuberante de desenhar mulheres (Opera Graphica), Curso Completo de Desenho (Escala), ilustrou duas aventuras de Mister No, para  a editora italiana Bonelli e criou novas personagens, como Bruuna. Um de seus últimos trabalhos foi o álbum War – histórias de guerra (Opera Graphica), com roteiro de Gian Danton.
 
     Poucos meses antes de morrer, Colonnese finalizou a graphic novel A Vida de Chico Xavier, sobre o mais importante médium brasileiro.
 
  
* Publicado originalmente no blog ivancarlo.blogspot.com em 2017.
 
 

 

28 de mar. de 2021

PAIXÃO MORTAL

 


Por Adriano Siqueira

 

        Seus dentes caninos eram colocados no meu pescoço novamente. Maldita vampira. Ela me sugava toda noite… Eu tinha medo até de dormir. Sabia que ela iria aparecer de novo. Só que, desta vez, estaria preparado. Fiz uma estaca com um cabo de vassoura e peguei um martelo de carne da cozinha apaguei a luz e fiquei ali, escondido atrás da porta do quarto.

            Eu estava suando muito e ficava pensando nas noites em que fui atacado e seduzido por está vampira. Desde que a conheci eu nunca mais consegui dormir novamente. Você sabe o que é ser sugado por onze anos? Onze anos indo a clínicas, fazendo exames, tratamentos médicos, pílulas, antibióticos… Quase não conseguia sair mais da cama. Chamavam-me de louco, mas hoje ela iria pagar.

            Estava certo que ela morreria esta noite. Minhas mãos tremiam, minha boca estava seca, meus olhos mal conseguiam manter-se abertos. Chovia muito quando ouvi um barulho na janela. Isso não era comum. Ela nunca fazia barulhos. De repente escutei a janela sendo quebrada e logo em seguida ouço gemidos bem baixos. Finalmente tomei coragem e olhei para ver o que estava acontecendo.

            Era ela. Caída, com uma estaca no peito e cheia de sangue… Larguei o cabo de vassoura e o martelo. Corri para ver o que estava acontecendo e coloquei-a em meu colo… Ela olhou para mim, chorando… Alisando meu cabelo, bem devagar, ela me disse, bem baixinho:

            — Eu te amo!

            Eu arranquei a estaca de seu peito e a coloquei em meu colo. Conforme as minhas lágrimas alcançavam seu corpo, uma fumaça tomava conta daquele lugar. E quando a fumaça parou, seu corpo já não existia mais…

            Aquela noite foi longa…

25 de mar. de 2021

CIDADE FANTASMA

 

 

Por Renato Rosatti

 

                Caminhando entre as ruínas de uma pequena cidade no início desse século, o jovem Anderson Souza, de 25 anos de idade, observava ao seu redor uma brutal devastação, muitos corpos estraçalhados ou carbonizados em meio à destroços e um odor fétido de morte emanando dos cadáveres podres que foram massacrados. Ele estava ali, dois dias após a carnificina, observando a destruição total de uma cidade que não mais existia. A pequena vila no Estado de Goiás, interior central do Brasil, estava agora inexplicavelmente morta. O jovem parecia hipnotizado ao visualizar os escombros a sua volta, pensando estar vivendo um terrível pesadelo, onde a morte reinava soberana e satisfeita com sua vitória. Mas tudo era real. E nem o forte cheiro desagradável de putrefação proveniente da decomposição da carne parecia afetá-lo.

                Aquela era a sua cidade, mas ele não sabia o que havia acontecido. Estava ausente há duas semanas, acampado nas montanhas muito longe dali, descansando e pescando solitariamente. Ao retornar, encontrou tudo aniquilado e esmagado de maneira impiedosa.

                “Seria uma guerra?”, pensou. “Provavelmente não, pois não existem armas tão poderosas capazes de tamanha destruição”, concluiu.

                Os destroços não pareciam terem sido causados pelas armas convencionais que Anderson conhecia.

                Retomou a caminhada, agindo instintivamente, pisoteando escombros e restos de cadáveres que um dia foram seus amigos. Em certo ponto, ouviu um gemido agonizante próximo e localizou um homem ainda consciente entre as ruínas. Correu em sua direção e o pegou nos braços. O pobre homem não tinha uma das pernas e o sangue lhe cobria todo o corpo. Estava morrendo há dois longos dias. Delirando, balbuciou algumas palavras utilizando suas últimas forças:

                - Cuidado! Eles podem voltar!

                Mais alguns instantes se passaram e o homem morreu.

                O rapaz prosseguiu a jornada pensando nas palavras finais de agonia de um homem à espera da morte. “O que será que ele queria dizer com Eles podem voltar!?”

                Após caminhar por cerca de meia hora na cidade fantasma, o jovem repentinamente avistou no céu um estranho objeto de formato discoide repleto de luzes sobrevoando à baixa altitude a pequena vila, algo nunca visto antes. Depois apareceram muitos outros iguais, rompendo o silêncio da morte com o ruído de motores em funcionamento. O rapaz fugiu em desespero, sem entender nada, correndo por sua vida, tomado de medo e pavor.

                Ao olhar novamente para o céu, seu espanto não tinha dimensões após avistar uma gigantesca espaçonave exatamente sobre sua cabeça. O imenso disco pairava acima da pequena cidade destruída, não muito longe do solo. Ele então viu que as primeiras naves entravam e saíam dessa outra enorme.

                Agora Anderson, mergulhado em agonia, pensou estar totalmente insano perante o que via a sua volta.

                Eram seres alienígenas que preparavam um novo ataque. Suas intenções não pacíficas consistiam numa invasão em massa do planeta, destruindo tudo que encontravam. Seus objetivos eram dizimar toda forma de vida inteligente e se apossar do planeta para torná-lo seu mundo.

                Sem tempo para reagir, o jovem foi atingido por uma arma desconhecida disparada por um dos objetos menores. O tiro certeiro explodiu sua cabeça, espalhando pedaços de seu cérebro num raio de alguns metros e derrubando seu corpo inerte ao chão, mergulhando numa imensa poça de sangue e miolos.

                Eles voltaram...