PARTE
IV
20h 44min
– Não adianta, Sr. Schneider. Ninguém responde.
– disse Charles, largando o seu rádio comunicador sobre a escrivaninha.
– Onde diabos
teriam se metido o Renato e o Duda? – questionou o dono do hotel,
desanimadamente.
– Com certeza
estão mortos, como o Rodrigues e os outros. – disse o escritor. – E é só uma
questão de tempo até ele vir nos pegar também.
– Se
conseguirmos ficar aqui até o amanhecer, alguém aparecerá. Estaremos salvos. –
ponderou o velho, tentando encontrar alternativas.
– Isso é
bobagem! – retrucou o escritor – Ele sabe que não terá oportunidade melhor
do que essa para acabar com a gente. Não creio que vá deixar passar.
– Talvez
possamos fugir a pé... – insistiu o dono do hotel – Somos em três, temos duas
armas, sairemos juntos ...
– Sinto
desaponta-lo, Sr. Schneider. Mas, naquele momento em que as luzes se apagaram,
eu estava vindo para cá, e acabei caindo e perdendo o meu revólver. – explicou-se
Charles, constrangido – Agora, o único armado aqui é o senhor.
– Mas que
merda! – gritou Sr. Schneider, furioso – Será que só nos resta esperar até
aquele maníaco vir nos matar?!
– Está vendo
no que dá contratar esses garotos para serem seguranças?! – exclamou Rubem –
Eles não têm preparo nenhum! Você nunca pensou em contratar profissionais?
– Por favor!
Agora não é hora de discutirmos isso! – respondeu o dono do hotel – Se ao menos
soubéssemos quem é esse maldito assassino, talvez tivéssemos alguma chance!
– Você já
pensou no detetive? – perguntou o escritor, em um tom de voz quase sussurrado.
– O que é que
tem o detetive? Está desaparecido, como os outros. – respondeu o dono do hotel,
sentindo-se confuso.
– Já pensou
que o assassino pode ser ele?
– Era só o
que faltava! – vociferou o velho, perplexo.
– Diga-me,
Sr. Schneider, quando foi que contratou o detetive? – continuou Rubem.
– Foi há dois
dias.
– E como o
senhor entrou em contato com ele?
– Na verdade,
foi ele quem me procurou, oferecendo seus serviços. Disse que tomou
conhecimento dos crimes através da imprensa.
– Está vendo?!
Ele tomou a iniciativa de procurá-lo, e já estava a par da situação!
– Isso não
quer dizer nada! Por que ele iria fazer isso tudo?!
– Há dez anos
atrás, o Caso do Palhaço tornou-se manchete no Brasil inteiro e até no
exterior. Uma segunda edição dessa história macabra vai repercutir ainda mais,
e ele se tornará ainda mais famoso, como o detetive que resolveu o caso! Pense
no prestígio! Estamos falando de cobiça, orgulho, poder...
– Isso me
parece complexo demais! – disse o velho, confuso.
– Mas existe
outra hipótese: já pensou na possibilidade de aquele cara não ser o detetive
Allan? – perguntou o escritor, cada vez mais empolgado.
– O que é
isso?! Não seja ridículo! Ele é um detetive conhecido no Brasil inteiro!
– Certo. Mas
antes de contratá-lo, o senhor já o tinha encontrado pessoalmente?
– Não.
– Já tinha
visto-o na televisão? Alguma vez viu fotos dele em revistas ou jornais?
–Não. Nunca.
– Quando ele
chegou, pediu suas credenciais? Olhou seus documentos?
– Não. Mas
que merda!
– Entendeu o
que eu estou dizendo?! Ele pode ser um impostor! Um maníaco se fazendo passar
pelo verdadeiro detetive Allan!
– Não sei o
que dizer ... Talvez ele esteja morto ...
– Mas não é
só isso! Há outros indícios. Veja quanto tempo faz que ele saiu daqui e não
voltou mais. Além disso, o que ele estava fazendo correndo pelo bosque, como o
seu segurança diz que viu?
Ante que Sr.
Schneider pudesse dizer qualquer outra coisa, alguém bateu na porta.
Os três
homens olharam-se, sobressaltados. Um profundo silêncio carregado de tensão
pairou no local.
– Quem está
aí? – perguntou o velho.
– Sou eu,
Allan. – respondeu a voz vinda do outro lado da porta.
– Não abra!
Pelo amor de Deus, não abra! – sussurrou Charles, em pânico.
– Está vendo?!
– exclamou o escritor – Ele já matou todos os outros, só falta nós!
– Infelizmente
não podemos abrir, Allan. – disse o dono do hotel – Não temos certeza quanto às
suas intenções.
– Deixem de bobagens
e abram logo essa porta! – gritou o detetive – Estou ferido e desarmado!
– Se você
abrir, ele vai nos matar. – insistiu Rubem.
– Por favor,
Sr. Schneider! Eu vi o assassino, e sem demora ele virá até aqui! Deixe-me
entrar!
– Pois que
seja! – disse o velho sacando a arma e abrindo a porta de supetão – Vamos
acabar com isso de uma vez por todas!
Quando Allan
entrou, todos puderam ver o estado lastimável em que se encontrava: estava
bastante abatido, ensanguentado e caminhando com dificuldade.
– Onde você
esteve até agora? – perguntou Sr. Schneider, apontando-lhe a arma.
– Fiquei
desacordado por um tempão! – justificou-se o detetive – Depois de bloquear o
elevador como você me pediu, eu estava voltando para cá, quando vi alguém
correndo pelo corredor lateral. Pensei que fosse Sidnei, e fui atrás dele. Porém,
quando cheguei no final, não havia ninguém lá, mas a janela estava aberta.
Logo, presumi que não deveria ser Sidnei, pois ele não teria a agilidade necessária
para saltar do segundo andar daquela forma. Quando me reclinei para olhar
através da janela, alguém me atingiu por trás com um forte golpe na cabeça, me
fazendo despencar lá para baixo. Caí sobre um canteiro de flores, no jardim
interno, e desmaiei. Provavelmente o agressor estava escondido em algum quarto,
no final do corredor.
– Isso é apenas
uma desculpa esfarrapada! Não acredite nele, Sr. Schneider! – gritou o
escritor.
– Cale-se! –
disse o velho, irritado – Deixe-o continuar.
– Quando
recobrei os sentidos, percebi que havia passado um bom tempo. – prosseguiu Allan
– Me senti debilitado, pois perdi muito sangue. Levantei-me com dificuldade.
Notei que o segundo andar estava às escuras. Contornei o jardim e entrei pela
porta dos fundos do restaurante. Quando me aproximei da cozinha, vi um homem arrastando
um cadáver! Só então percebi que havia perdido minha arma. Esperei o assassino
se afastar e corri para cá. No caminho encontrei o corpo do Rodrigues. Foi
decapitado! Aproximei-me procurando sua arma, mas não estava mais com ele.
– Só faltava
o senhor acreditar em uma história dessas! – intrometeu-se novamente o
escritor.
– Rubem, cale
a boca! – gritou o Sr. Schneider – Como era o tal assassino, Allan?
– Grande.
Maior do que o Rodrigues. E jovem. Vinte e quatro ou vinte e cinco anos, no
máximo.
– E o cadáver?
– perguntou Charles, angustiado. – Conseguiu ver como era?
– Também era
jovem. Pelo uniforme acredito que era um dos seguranças.
–
Provavelmente era o Duda. – concluiu Charles, com pesar.
– Atire nele,
Sr. Schneider ! Ainda não entendeu que é ele o assassino?! – gritava Rubem.
– Cale a
boca, seu retardado, ou eu quebro a sua cara! – ameaçou o detetive.
– Parem,
vocês dois! – exigiu o dono do hotel.
A discussão
prosseguia exaltada e tensa, quando, do lado de fora da sala, alguém gritou:
– Ei! O que está
acontecendo aí dentro? – indagou o desconhecido.
Os homens
calaram-se. Como de praxe, o Sr. Schneider tomou a dianteira da situação.
– Quem é você?
– perguntou o velho, sem tirar os olhos do detetive.
– Não reconhece
minha voz, Sr. Schneider? Sou um dos seus seguranças, o Renato.
– Graças a
Deus algum se salvou! – comemorou Charles.
– Por onde
andou? Estamos passando o diabo por aqui! – questionou o dono do hotel.
– Meu
rádio comunicador parou de funcionar... – explicou Renato – Fiquei preocupado
com a falta de notícias e fui até o estacionamento, procurar pelo Dinho. Quando
cheguei lá, o encontrei morto. Vi quando as luzes do segundo andar se apagaram.
Achei arriscado entrar no hotel, então corri até a propriedade vizinha e
telefonei para a polícia. Eles já devem estar chegando. Agora me deixem entrar!
Estou ouvindo passos lá embaixo!
– Até que
enfim, apareceu alguém sensato! – exclamou o escritor, juntando as mãos em um
gesto de súplica.
Por um
instante, Charles percebeu que algo não estava certo na cronologia da história
contada por Renato. Mas não houve tempo para discussão. Tão logo o Sr. Schneider
abriu a porta para o recém-chegado, o detetive começou a gritar:
– É ele! O assassino!
O cara que eu vi na cozinha!
Numa fração
de segundos, Renato sacou uma arma e atirou duas vezes no peito do detetive,
arremessando-o contra a parede. Em seguida, com uma rapidez incrível, apontou
para Charles e atirou novamente, fazendo seu crânio arrebentado expirar sangue
de encontro às paredes do aposento.
Antes que o
Sr. Schneider pudesse recuperar-se da surpresa, sentiu o cano frio de um
revólver sendo encostado na sua cabeça.
– Solte a
arma Sr. Schneider, ou os seus miolos vão voar por essa sala. – ordenou o
escritor, em meio a um sorriso sarcástico.
A conclusão da história virá na próxima semana!
O Caso do Palhaço é um livro escrito por André Bozzetto Jr em 1999
que acabou não sendo publicado no época e, posteriormente, seus originais foram
considerados perdidos, fazendo com que permanecesse inédito por mais de 20
anos. Recentemente redescoberta, a obra está sendo agora disponibilizada gratuitamente na forma de capítulos semanais no blog Relatos Noturnos.