18 de out. de 2023

CRÍTICA DO FILME: A LENDA DO LOBISOMEM

 

Por André Bozzetto Jr

 

            Na virada dos anos 1960 para 1970, a cultuada produtora inglesa Hammer, que há duas décadas vinha se mantendo como a principal expoente no que se refere à produção de filmes de horror e suspense, começou a entrar em decadência.  O desgaste da fórmula utilizada exaustivamente durante muitos anos fez com que, com o passar do tempo, seus filmes perdessem qualidade, e consequentemente, não conseguissem mais obter o sucesso e o retorno de outrora. Com isso, muita gente – atores, diretores e produtores – começou a cair fora, na tentativa de reencontrar o sucesso trabalhando sob um novo teto.

            Tentando tirar proveito da situação, um jovem empreendedor chamado Kevin Francis decidiu fundar sua própria produtora, a “Tyburn Films”. Infelizmente, a nova produtora também não conseguiu ser muito bem-sucedida, concebendo alguns poucos filmes antes de fechar suas portas. Porém, entre as suas produções se encontra um belo filme de lobisomem, chamado laconicamente de “A Lenda do Lobisomem” (Legend of The Werewolf, 1975). Para dirigir esse filme, Kevin Francis chamou ninguém menos do que o seu próprio pai, Freddie Francis, que trabalhou muitos anos na Hammer, dirigindo uma enorme quantidade de filmes, sendo que muitos deles chegaram a ser lançados no Brasil, como por exemplo “O Monstro de Frankenstein” (The Evil of Frankenstein, 1964), “Cilada Diabólica” (Nightmare, 1964) e “Drácula – O Perfil do Diabo” (Dracula Has Risen From the Grave, 1968). Para interpretar o personagem principal, foi contratado um dos mais emblemáticos atores da história do cinema de horror, o grande Peter Cushing, astro de dezenas de filmes memoráveis como os clássicos “A Maldição de Frankenstein” (The Curse of Frankenstein, 1957), “O Vampiro da Noite” (Horror of Dracula, 1958) e “O Cão dos Baskervilles” (The Hound of The Baskervilles, 1959), para citar apenas alguns.

            Mas não foi só isso. Para escrever o roteiro, foi contratado Anthony Hinds, mais um egresso da Hammer, que sob o pseudônimo de John Elder, roteirizou várias obras clássicas como “Drácula – O Príncipe das Trevas” (Drácula – Prince of Darkness, 1966), “O Beijo do Vampiro” (The Kiss of The Vampire, 1963) e “A Maldição do Lobisomem” (The Curse of The Werewolf, 1961). E por falar em “A Maldição do Lobisomem”, é notável que esse filme foi a grande fonte de inspiração para a concepção de “A Lenda do Lobisomem”. Em primeiro lugar, ambos os filmes foram livremente baseados no livro “The Werewolf of Paris”, de Guy Endore, embora cada uma das películas priorizasse elementos distintos da obra literária. Para o filme de 1975, o roteirista Hinds ainda utilizou elementos de outro livro chamado “The Wild Child”, de Francois Truffaut, principalmente na parte inicial.

            Mas além do roteiro, também existem outras similaridades entre “A Lenda do Lobisomem” e “A Maldição do Lobisomem”, principalmente no que se refere à direção, onde Francis parece ter se inspirado no trabalho do diretor Terence Fisher, utilizando também os recursos de narração em off no início, os saltos no tempo para situar a ação em diferentes períodos e a estratégia de mostrar o lobisomem indiretamente na maior parte do filme, optando por revelá-lo completamente apenas nos ataques finais. Inclusive, o visual do lobisomem é muito parecido com aquele de “A Maldição do Lobisomem”, evidenciando uma criatura bípede, com o corpo coberto por uma camada de pelos e preservando pelo menos parte das vestimentas, mãos convertidas em garras e face monstruosa, misturando feições híbridas de homem e lobo.

            Provavelmente, a maior sacada do diretor Freddie Francis foi ter conferido ao seu filme um visual bastante sombrio e obscuro, o que o torna mais perturbador do que o filme de Fisher. Além disso, em “A Lenda do Lobisomem” temos muito mais mortes, várias delas on scream, e com doses de sangue e violência que até então não eram vistas nos filmes de lobisomem anteriores. Francis também utilizou um interessante recurso de câmera em primeira pessoa para simular a perspectiva de visão dos lobos, e depois do lobisomem, onde a imagem adquire uma tonalidade avermelhada, num efeito simples, porém eficiente.

            Pois bem, depois dessa longa introdução de contexto e bastidores, vamos à história: O filme começa nos mostrando um grupo de camponeses pobres migrando através de uma sombria floresta no interior da França, sendo espreitados à distância por uma alcateia de lobos, em algum momento do século XIX. Então, uma mulher grávida começa a sentir as dores do parto, e na iminência de dar à luz, acaba ficando para trás com seu marido, enquanto os outros amedrontados camponeses seguem viagem pela mata. O bebê nasce, mas a mulher acaba morrendo durante o parto, deixando o marido sozinho com a criança. De repente, um grupo de lobos surge da escuridão e ataca o homem, devorando-o. Por algum motivo, o bebê recém-nascido é poupado pelas feras, e passa a viver em meio à alcateia.

            Um salto no tempo de alguns anos nos apresenta a carroça do Maestro Pamponi (Hugh Griffith, de “O Abominável Dr Phibes” e “A Câmara de Horrores do Dr Phibes”) atravessando a floresta. Trata-se de um grupo itinerante de artistas velhos, pobres e decadentes, que se apresentam em vilarejos do interior da França para conseguir alguns trocados. Então Tiny (Norman Mitchell), um misto de músico e assistente do Maestro Pamponi, é incumbido de ir caçar para tentar providenciar algo para a janta, uma vez que o grupo acamparia na floresta durante noite. A principio, Tiny é bem sucedido, abatendo uma lebre. Mas antes que ele possa recolher sua caça, um menino (Mark Weavers) surge da mata, pega o animal e passa a devorá-lo. Quando tenta fugir, acaba recebendo um tiro na perna disparado por Tiny, que depois de uma breve luta, acaba arrastando-o para o acampamento. Com poucos escrúpulos, o Maestro Pamponi decide usar o selvagem garoto como uma das atrações de seu bizarro espetáculo mambembe, apresentando-o em uma jaula como “O Garoto-lobo”.

            Com o passar dos anos, o garoto vai se familiarizando com o convívio de Pamponi e sua turma, e com isso vai ficando mais civilizado (mas não muito), e passa a participar também de outras atrações do espetáculo, fazendo acrobacias. No auge da juventude, Etoile (David Rintoul), como foi batizado, já quase não se assemelha mais com aquele menino agressivo e animalesco que era na época em que foi encontrado pelos artistas.  Porém, junto com a juventude, com o aflorar de novos sentimentos e emoções, também passou a ter vazão em Etoile o seu lado animalesco que estava reprimido e adormecido em seu interior. Dessa forma, em uma noite, enquanto dormia sob o luar, o rapaz se transforma em lobisomem e rasga a garganta de seu amigo Tiny. Ao ser descoberto, na manhã seguinte, acaba abandonando apavoradamente o grupo de Pamponi, e foge para Paris. Como se pode ver, aqui está mais uma semelhança entre “A Lenda do Lobisomem” e “A Maldição do Lobisomem”, já que em ambos os filmes a explicação para a origem da criatura licantrópica é obscura, incerta e muito pouco convincente. Pelo visto, nas décadas de 1960 e 1970 esse tipo de detalhe não era considerado lá muito relevante.

            Ao chegar na periferia de Paris, Etoile logo é atraído para um pequeno e precário jardim zoológico que funciona nas imediações, mais especificamente pela jaula dos lobos, com os quais logo faz amizade. É então que aparece o zelador do zoológico (Ron Moody), um velho beberrão e solitário, que convida Etoile para ficar no zoológico, trabalhando na limpeza e no trato dos animais. Sem muitas opções, o rapaz aceita. Surge então um grupo de prostitutas que trabalha em um bordel localizado nos proximidades, e que frequentemente vem até o zoológico passear e dar comida para os bichos. Entre as moças, se destaca Christine (Lynn Dalby), que logo desperta a paixão do jovem Etoile.

            Os dias passam e Etoile é constantemente repelido por Chistine, que diz querer apenas manter uma amizade com ele. Então, quando a lua cheia volta a surgir, o rapaz se transforma novamente em lobisomem e começa a fazer vítimas pelas redondezas, se esgueirando pelos becos e galerias de esgotos, atacando clientes do bordel, mendigos e prostitutas.

            Somente depois já ter transcorrido mais de meia hora de filme é que surge em cena o Professor Paul (Peter Cushing), que trabalha no necrotério local, e com sua perspicácia nas autópsias ajuda a polícia a desvendar diversos crimes. Quando os corpos mutilados das pessoas atacadas pelo lobisomem começam a chegar no necrotério, as suspeitas do Prof. Paul e seus assistentes recaem inicialmente sobre possíveis (porém inusitados) ataques de um lobo. Intrigado, o professor começa a empreender uma investigação por conta própria, e sabendo que a presença de um lobo em plena Paris é algo muito remoto, acaba chegando até o zoológico onde trabalha Etoile, para se certificar de que nenhum animal fugiu de lá. Mesmo recendo uma resposta negativa, o enxerido professor continua rondando e investigando pelas redondezas, e à medida que os crimes se sucedem a cada lua cheia, começa a ganhar força a ideia de que algo muito pior do que um lobo anda atacando os andarilhos solitários nas escuras ruas da periferia de Paris. Dessa forma, um encontro entre o Professor Paul e o lobisomem não tardará a acontecer.

            De uma maneira geral, “A Lenda do Lobisomem” é um filme que tem muito mais acertos do que erros. A caracterização do monstro é condizente com o que se fazia na época, e as transformações utilizam os já conhecidos métodos de sobreposição e sequência de cortes de imagem. Apesar da limitação de recursos, a ambientação do filme também ficou satisfatória, retratando a periferia de Paris como ela realmente deve ter sido no século XIX, degradada, suja e sinistra, frequentada em abundância por bêbados, mendigos e prostitutas. As atuações do elenco, se por um lado estão longe de serem brilhantes, por outro não comprometem. O diferencial, como era de se esperar, fica por conta de Peter Cushing, cujo talento dispensa maiores comentários. As cenas em que o lobisomem aparece atacando suas vítimas, apesar de curtas, também ficaram legais, com destaque para a cena com o mendigo nas galerias do esgoto, próximo do final. E têm ainda a trilha sonora, que na minha opinião, é uma das melhores já compostas para um filme de lobisomem.

            Porém, o grande aspecto negativo do filme é a sua direção irregular. O filme começa promissor, mostrando a primeira parte da história com dinamismo e eficiência. Mas depois que Etoile chega a Paris, o filme fica lento, calcado basicamente em diálogos (alguns enfadonhos), sendo entrecortados por algumas rápidas aparições do lobisomem. Apenas nos 20 minutos finais é que a ação deslancha, fazendo com que o filme se torne novamente empolgante.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.

10 de out. de 2023

VIRTUOUS DELUSION...

 

Por Clayton Alexandre Zocarato

 

               Tudo ficará na escuridão...

             Um gosto de fel, submetido a sangue espalhado pela calçada, almejando a próxima vítima.

               As marcas da violência ficaram permutadas em cada beco escuro mal cheiroso daquela cidade, com um  gosto asco,  procurando conter encontrar algum significado para tamanha barbaridade humana.

         Toda a sua alma havia sido corrompida, por gritos intermitentes, de pecados, que poderiam serem consumidos, como um sinal de implorar para alguém, ou para algum ser, que assim aliviasse seu jugo mortal de selvageria, que viesse trazer algum alento para sua culpa.

               Não sabia ao certo o que seria depois de “sua passagem”.

               Se, encontraria com “Caronte ou com o próprio Anjo Da Morte”? Renascendo entre brumas de uma escuridão, que assim o fizesse conter alguma paixão, e voltasse a enxergar algum sinal de  clemência, perante todos os seus crimes.

               Estava agora, vegetando em uma cela, na companhia de ratos, com paredes repletas de mofos, e goteiras melodiosas no teto preste a cair,  que revelavam a estrutura precária daquela prisão secular.

            Do alto da janela defronte ao seu catre, via a corda entrelaçada, esperando-o  até o cadafalso.

               Sabia, se seu pescoço quebrasse, com impacto da queda, não haveria muito de sofrimento e que sua agonia estaria comiserada a um suspiro de piedade.

             Caso isso não acontecesse, iria padecer de uma penúria corporal tremenda, ao ficar se debatendo, de pendurado, sem conter o fluxo suficiente de oxigênio, que chegasse aos seus pulmões e assim pudesse lhe oferecer um pouco de ar, para tentar fugir daquele azar, de estar sendo o espetáculo principal, de uma conjuração de “justos homens”, que no fundo escondiam todas as suas precárias satisfações pecaminosas,  e de que  através das execuções sistemáticas, se escondiam entre os  seus delírios de justiça, que no mais só seria uma vingança perpetuada, contra aqueles que possuíam condições mínimas de vida e dignidade, demarcando assim para sempre um forte sentimento de concentração de classe para os mais humildes

               Tudo seria consumado em questões de horas.

               O carcereiro serviu sua última refeição.

            Um seboso prato de arroz, com um sobrecoxa de galinha gordurenta, proveniente do viveiro da prisão, que continha mais ossos do que carne.

            De inicio desdenhou de tudo aquilo, mas aos poucos foi “caindo sua ficha”,  em pouco tempo sua cela, seria um passeiódromo para os camundongos, que confortavelmente caminhavam por seu corpo cadavérico durante praticamente todas as noites, e que assim, a partir daquele momento estariam com todo o espaço físico do cárcere, para prosseguirem com suas proliferações pestilentas.

             Não estava com medo, mas também não estava de peito aberto para enfrentar os perigos, de passar para “o outro lado da vida”, onde sabia. não estaria em vantagem em barganhar algum tipo de clemência com o “Criador”.

               - Clemência?

              - Isso seria muito, para um ser humano como eu. Nunca tive esse sentimento por nenhuma de minhas vítimas, sendo assim, quando viesse a me subverter algum predicado de perdão, isso seria um próprio rebaixamento de minha moral, em ter  uma mente sádica, que se deliciava com qualquer tipo de dor alheia.

               Pensava ininterruptamente na sua carreira de Serial Killer.

               Foi perfeitamente virtuoso durante muitos anos em desafiar a policia, e a deixar investigadores, inspetores, e praticamente toda força de segurança pública em alerta geral, para que protegessem incessantemente,  todos aqueles infelizes da dita boa classe social, que escondiam em posições abastadas cretinas, bem como também não escondia sua repugnância pelos mais famigerados

                Matar para ele, era como tecer uma obra de arte doente, que assim revelava a pior face do ser humano, e pela qual continha um orgulho, que não era comum, tanto que quando foi encarcerado, não teve o menor receio de negar seus crimes.

               - Dancei prazerosamente meu frenesi de maldade, pelos quais toda civilidade  e inteligência hipócrita desses mortais patéticos, não foi capaz de dar conta de minha virtuosidade assassina, que não conseguiram parar, todo o meu saciar de sangue alucinado. Não poupei ninguém, desde crianças, velhos, mulheres, gays, héteros, lésbicas, pobres, empregados e patrões, ateus e crentes, minha lâmina dilacerou como nunca,  gargantas contendo, os piores tipos de injúrias, e aos quais fiz todos literalmente pagarem por suas línguas afiadas, arrancando todas elas, e demonstrando para essa corja de cretinos, que se dizem pessoas de bem, como as leis protegem apenas os que se submetem as suas vontades particulares e egoístas, que promovem as piores desigualdades, com um discurso funesto de ética,  visando manterem as tradições de ricos e abastados, que assim fazem com que os mais carentes fiquem sempre dependentes de seus desejos e boas vontades. Como também,  não perdoei  essa raça de esfomeados que promovem uma série de patéticos chamativos psicológicos socais, de sempre ficarem vivendo em uma pobreza, que muitas vezes não passa de uma desculpa esfarrapada, para continuarem na mendicância plena e eterna, vivendo nas custas dos outros.

               - Ou seja, me deliciei com todos, sem exceção, meus delírios assim  foram saciados, como uma sentencia infernal, dada pelo próprio Satã a mim, para assim lembrarem para toda a humanidade, que  vocês, tem contas para acertarem com o destino mais cedo ou mais tarde.

               - Deixei entranhas espalhadas por todos os cantos dessa cidade, que se diz tão temente a Deus, mas que se esquecem  que há muitos outros caminhos translúcidos para causar mortes brutais e destruição da paz alheia. Fiz do terror do assassinato, cores a serem pintadas,  cheios de dores, repletos de horrores, que deram um tom de melodia infernal, sem intervalo da imundice, que a alma humana detém em sua perfídia, situação de dependência material e metafísica, em se apegar a alguma crença, ou cultivo de ídolos e mitos, que viessem supostamente a afastarem todos de sua culpa particular.

            - Uma culpa que adorei fazer, com  esses  mortais, lembrando-os que mesmo quando se escondem perante seus quartos, eu pude realçar minha virtuosidade em matar-los,  e espalhar um sentimento de medo constante entre  essas  pessoas.

               - E como o medo é bom. É uma agastada situação de fugir do sistemático júbilo das regras sociológicas  mais imbecis, que nos eleva para uma realização individual, de colocar todos nossos desafetos, perante nosso jugo, e assim ser tanto juiz, como promotor, que faz com que implorem por suas vidas, enlatadas pelos seus pecados mais sórdidos, que mesmo assim ficam na hipocrisia de se fazerem de “bonzinhos”, mas que no fundo não passam de mais algum criminoso, senil, cruel e vagabundo como eu sou.

           - A única diferença minha entre vocês ditos pessoas inocentes, para mim, é que não tenho vergonha nenhuma em admitir e fazer minhas monstruosidades, seja elas com quaisquer pessoas, e que assim  fui sendo envolvido, sempre naquela acusação patética, de como Deus ou Natureza poderia ter gerado uma mentalidade tão doentia, como minha.

           - Ora bolas, porque insistem em  pronunciarem palavras boas e eloquentes para justificarem suas atrocidades, de ficarem vivendo obsessivamente em  meios os seus luxos pecadores, que servem unicamente para manter uma aparência de boa índole, que se perde em vícios, e mediocridades comportamentais, que estão em torno de consolidar, um orgulho de individuação muito egoísta, em sempre fazer dos mais carentes, uma desculpa da culpa da predestinação privilegiada, ao qual “uns nascem agraciados e abençoados, e outros nascem comum menos sorte, tendo que pagarem por isso?”.

            - Pois bem, eu sou a má sorte de todos vocês.

           - Vai ser muito fácil me executarem, como sempre fazem com aqueles que os desagradam.

            - Mas eu sei, que  desagradei e muito, e não arrependo disso.

            - Mas todos detêm algum tipo de culpa no “cartório”.

         - Então não adianta  justificar minha conduta por conta de alguma tentação, ou  justificar como me tornei uma aberração por algum tipo de trauma ou moléstia mental, sendo que sou fruto de todas as suas indiferenças, pois não  tive nem o direito de ser pobre, pedinte, andarilho, ou qualquer outro tipo de miserável possível, me foi outorgado tornar-me, ou seja, nenhuma  estética “comum” de maldade, que os ditos seres civilizados condenam, e tentam a todo o custo esconderem, mas que no fundo não fazem mais do que realçar, me foi  dado direito de servir, fazendo assim  uma série de atitudes  sacramentadas pela minha condenação e de outros infelizes, como uma forma  teatral de esconder seus piores pecados, como sendo  uma indiferença coletiva, e uma concentração de sarcasmo disseminados para os mais carentes.

            - Ou seja, me tornei a imagem de todos os seus piores anseios e desejos.

           Terminada toda essa autoconfissão, sabia que os ponteiros dos relógios estavam caminhando lentamente, que o  seu  derradeiro fim estava mais do que próximo do que nunca.

          Sua existência foi à construção em salientar, os mais cruéis desejos e pecados, que foi envolvida a humanidade, se constituindo uma estética, de não conter nenhum sinal de compaixão perante aqueles que sofriam dos piores delírios de saudade ou descaso, pelo qual seu ímpeto psicótico, não tinha  feito a menor questão de perdoar.

            Todo o espetáculo judicial para a execução estava pronto.

          O Capelão do presídio daria a extrema-unção, e ouviria sua confissão.

            - Me confessar? Isso soa como a mais pura heresia, pois tudo o que fiz, não me arrependo nenhum pouco, então vamos logo por um fim nisso tudo por gentileza.

            Seus delírios seriam finalmente silenciados, mas os efeitos de seus frutos macabros, para sempre estariam impregnados, no seio dos familiares, das pessoas que padeceram sobre sua fúria assassina.

            Foi sendo conduzido lentamente, para a forca.

           A cada passo, ouvia todo tipo de xingamento, mas gostava de toda aquela virtuosidade de revolta massificadora, que crescia contra sua imagem.

        Havia conseguido um pouquinho de gloria e atenção finalmente.

              - Vou morrer daqui alguns minutos, mas nada poderá apagar meus feitos assassinos mais dilacerantes, que destroçou corpos como um exército pronto para marchar sobre o inimigo indefeso. E também, para onde minha alma está destinada, não vai ser muito diferente, para muitos de vocês, hipócritas descrentes da boa fé, que apenas lembram   de exaltar o mito de Deus, quando sofrem algum tipo de malefício.

            - Deveriam é me agradecerem isso sim. Pois assim aproximei vocês mais do Criador como nunca antes, e que através de seus devaneios de virtuosidade, em serem classificados como pessoas boas,  no  fundo realmente  só pensam em saciarem seus desejos mais viris. Então não precisam ficarem com toda essa falsidade de chorarem e lamentarem por aqueles, fiz se apresentarem á Deus antes do chamado oficial do próprio,  sendo um pouquinho mais cedo, pois sei que assim que a última pá de terra desceu sobre os caixões de minhas vítimas, poucos se importaram realmente,  e que assim só foram mais alguns  instrumentos para suas reuniões sociais patéticas e idolatras, que escolheram a mim, como algoz principal, para justificarem seus mesquinhos sensos de justiça, que somente desejam por algum momento, poder conter  um ávido sentimento de punir alguém como sendo exemplo para sua idiotices sociais em nome dos bons costumes.

            - Uma tremenda hipocrisia, mas fazer o que? Se todos servem para algum objetivo, eu servi para “arranjar mais filhos para Javé”, que possam assim estar,   defronte  Deus diretamente, mas como realcei, logo todos nós nos veremos novamente.

             E assim foi sendo levado para o momento crucial de sua vida devassa.

        - Tens alguma coisa para dizer, antes que sentença seja efetuada? Pergunta o carrasco.

           - Não muito, mas já que perguntou, digo a vocês, que depois de mim virão outros delirantes homicidas, aos quais diante suas falsas virtudes também serão julgados, mas nada os livrará das nossas memórias sanguinárias, que deixaremos para toda a posteridade. Ou seja, para sempre o mal se reinventará  lembrando aos ditos “Filhos de Deus”, de que alguma forma seus pecados serão julgados e apresentados, seja aqui nesse mundo ou no outro, vocês pagarão por suas falhas, assim como eu, mas que diferente de vocês não tem medo, da morte, pois eu represento a própria a morte.

             Tendo acabado seu discurso, o cadafalso se abriu.

             Um clique, e tudo acabado.

             Não houve ninguém que reclamasse o seu corpo.

           Estranhamente depois da sua execução, uma série de outros assassinatos em série recomeçou naquela cidade, usando sempre a degolação e o esquartejamento como método principal, assim como o último enforcado havia feito, e confirmando assim a sucessão do mal, que  para sempre estaria  presente naquela sociedade feita de maquiagem.

             O delírio mortuário,  não acabaria assim tão facilmente.

3 de out. de 2023

CRÍTICA DO FILME: ROMASANTA - A CASA DA BESTA

 

Por André Bozzetto Jr

 

       Inicialmente, é preciso fazer a ressalva de que, para curtir adequadamente essa produção espanhola de 2004, é necessário que se evite o impulso natural que temos de sempre associar os filmes recentes que assistimos com outros clássicos do seu respectivo gênero. Esqueça filmes como “A Hora do Lobisomem”, “Grito de Horror” ou “Um Lobisomem americano em Londres”. Esse “Romasanta” é totalmente diferente, e poderia se enquadrado muito mais no gênero drama do que propriamente terror.

       Provavelmente para os apreciadores de filmes de horror, o primeiro nome que chama a atenção quando os créditos surgem na tela é o do produtor Brian Yuzna, responsável pela produção da cultuada franquia “Re-Animator” (sendo que também dirigiu o 2º e o 3º filme da série) e também encarregado da direção de filmes como “A Volta dos Mortos-vivos 3” e o hiper-trash “O Dentista”. O elenco também possui alguns nomes conhecidos, como Julian Sands – falecido recentemente, em 2023 – (“Aracnofobia”, “Warlock – O Demônio”, “Encaixotando Helena”) no papel de Romasanta, a belíssima Elsa Pataky (Beyond Re-animator) e John Sharian, que já fez participações em filmes como “O Operário”, “Drácula II: Ascensão” e “O Resgate do Soldado Ryan”.

       Dirigido pelo então desconhecido Paco Plaza – que posteriormente ficou mundialmente famoso ao dirigir junto com Jaume Balagueró o clássico REC, de 2007 – essa obra mostra uma história supostamente inspirada em um caso real acontecido na Espanha em 1852, quando um tal Manuel Blanco Romasanta foi preso por ter assassinado mais de dez pessoas, e no seu julgamento alegou ter cometido os crimes por se transformar em lobisomem.O filme tem um desenvolvimento lento, mais calcado nos diálogos do que nas cenas de ação, o que pode se revelar um tanto quanto chato para quem aprecia filmes mais dinâmicos e agitados. De qualquer forma, é interessante salientar que a obra se desenvolve em meio a uma ambientação um tanto quanto obscura, e por diversos momentos apresenta algumas cenas bastante pesadas, não economizando no sangue, e mostrando explicitamente imagens de mutilações, animais esquartejados, cadáveres putrefatos e até algumas ousadas cenas de nudez (masculina e feminina). Em uma dessas cenas, em especial, uma garota está tomando banho em uma espécie de banheira improvisada, quando o personagem de Julian Sands chega e começa a masturbá-la. Algo que chama a atenção por nos fazer pensar o quanto seria improvável de se ver cena semelhante na maioria filmes americanos atuais, onde a “caretice” e a censura parecem estar voltando a imperar.

       Um dos pontos altos do filme é a convincente atuação de Julian Sands, que consegue conferir uma personalidade tridimensional ao seu personagem, que hora age com astúcia e fúria no encalço de suas vítimas, e em outros momentos se mostra melancólico e deprimido por ver sua vida seguir um caminho de violência e morte do qual não consegue se livrar.

       Também é interessante a abordagem que é dada para a questão da licantropia, que era vista pelos personagens de forma misteriosa e controversa, apontada por alguns como uma simples, porém pouco conhecida doença mental, e por outros como algo verdadeiramente maldito, obra do diabo.

       Temos ainda uma interessante e nojenta cena de metamorfose, de uma forma bem diferente do que costumamos a ver nos filmes do gênero.

       Entre os aspectos negativos, chama a atenção a já mencionada lentidão, que torna o ritmo do filme irregular e um pouco maçante em alguns momentos, e também a indecisão que marca tanto o roteiro como a própria direção do trabalho, fazendo com que a obra não se defina em apostar em um drama obscuro ou descambar para o terror propriamente dito. O resultado parece ter ficado em um meio termo onde temos a nítida impressão de que faltou alguma coisa para que o filme engrenasse de vez.

       Também não se pode deixar de mencionar o ridículo subtítulo nacional, afinal em nenhum momento o filme concentra suas ações relevantes em uma casa, fazendo que esse “A Casa da Besta” soe tão falso quanto apelativo.

       No geral, “Romasanta” não chega a ser um grande filme, não vai se tornar um clássico do gênero, mas é uma obra bastante original e instigante, e que, ao meu ver, vale a pena ser conhecida.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época. Este texto, particularmente, passou por pequenas atualizações para citar a morte de Julian Sands e o sucesso posterior de Paco Plaza.