3 de jan. de 2021

SEXTA-FEIRA SANTA

 

         Por André Bozzetto Junior

          Pois se tem um conseio que eu posso dá pra vocêis, é esse: respeitem e acreditem naquilo que a mãe de vocêis fala. Hoje eu duvidei da minha e me dei mal, muito mal! Eu disse que ia na bodega tomá uns trago e jogá um carteado. Deus me livre! Ela me xingou uma barbaridade! Disse que já que eu não tinha ido na missa de tarde, que tratasse de ficá em casa, pois era Sexta-feira Santa e no dia em que Jesus morreu o capeta aproveita pra aprontá as suas. Disse que nessa noite quem fica zanzando por aí acaba encontrando alma penada, boitatá, lobisome e todo o tipo de coisa d’outro mundo.

            Eu disse que tava cansado de trabaiá a semana inteira na roça, que já tava cabreiro por não ter tido baile nenhum durante a quaresma, e que por isso mesmo já tava sentindo falta de muié. Só tomando uns trago de graspa bem ardida pra aliviá a brabeza. Daí a nona se meteu na conversa, falô que se o meu pai e o meu nono tivessem vivo iriam me dá uma sumanta de relho, mas eu respondi que como eles já tinham partido dessa pra uma mió, era que eu que me governava e que já tava saindo. As duas véia ficaram reinando e fazendo o sinal da cruz, bem desacorçoadas. Eu montei no Pingo e me fui. Eita cavalinho bão, tchê! Esse sim corre feito o vento!

            Cavalguei durante uns vinte minuto e cheguei na bodega depois que já tinha escurecido. Eu sabia que taria aberto, porque o Bépi não acredita nem em Deus e muito menos no diabo, e não ia perdê uma chance de ganhá uns trocado a mais. Mas, quando entrei na bodega só tinha um vivente ali drento, tomando uma cachaça no balcão. Era um sujeito desconhecido. Mal cheguei e ele já foi dizendo que ainda bem que alguém apareceu pra jogá uma bisca com ele, que já tava de saco cheio de beber ouvindo os papo do Bépi. Eu dei uma risada e falei que o povo daquelas bandas era muito cagão, que ficava em casa em dia santo com medo de mula-sem-cabeça. Sentei numa mesa, mandei o Bépi me trazê uma graspa e o baráio que eu ia jogá um carteado com o desconhecido. O sujeito veio loguinho, disse que o nome dele era Joaquim e que tava por ali só de passagem, indo lá pras bandas de Guaporé. Bebemo e jogamo bastante.

            De lá umas altura da noite, o vivente disse que não queria mais jogá. Eu desconfiei que ele tinha ficado nervoso porque perdeu umas cinco partida a fio e chamei ele de corrido. E não é que o vivente se envaretô?! Levantou, jogou o baráio na minha cara e disse que não tinha medo de nada e nem de ninguém. Que ia embora porque tinha um compromisso, mas que eu me aprontasse que uma hora dessas ele me daria uma lição. Eu puxei da minha adaga e disse que aquela conta nóis acertaria ali mermo, mas o Bépi se meteu, disse pra deixá disso que o outro tava bêbido e era melhor não se incomodá. O tal Joaquim atirou uns dinheiro em cima do balcão e se foi embora, carrancudo. Eu deixei por assim e fiquei bebendo mais algumas.

            Mais tarde, quando vi que a marvada já tava me pegando, decidi ir embora. Disse adeus pro Bépi e meu fui, cavalgando num trote macio com o Pingo. A lua cheia já tava alumiando o pampa e dava pra ver tudo nos arredor mesmo tando meio bêbido. Quando cheguei na encruzilhada da estrada grande, notei que o Pingo se agitou, relinchou, empinou e quase me derrubou no chão. Enquanto tentava acalmar o bicho, olhei pro lado e vi um vivente se rolando nas moita, como se tivesse tendo um ataque. Cheguei mais parto e vi que era o tal de Joaquim! Pensei que o desgramado tava passando mal de bêbido, e decidi que seria ali mermo que eu lhe daria uma boa surra por ter me desaforado na bodega. Mas, de repente, ele deu um grito mais feio que o inferno e se levantou de sopetão! Cruiz de pau e as arma que me proteja! Não é que o vivente começou a se rasgá as roupa e começou a virar numa coisa?! Nunca tinha visto nada mais feia nesse mundo! Parecia um cachorrão, só que era do tamanho do meu cavalo e tinha uma bocona enorme, e cheia de uns dente comprido e que parecia mais afiado do que a minha adaga! E não é que o cão do tinhoso ainda caminhava em duas pata, como se fosse gente!? Quando ele veio pro meu lado, não consegui fugir porque o cavalo tava muito agitado, esperneando feito louco. Logo percebi que a coisa ia me pegá e me rasgá no meio se eu não fizesse nada. Quando ela chegou bem perto, me bateu o destempero, puxei da adaga e dei uma passada bem no meio dos zóio do bicho do inferno. Tenho quase certeza que uma vista dele eu furei. Daí o môstro recuou, gritando feito uma cadela véia dando cria de atravessado, e eu aproveitei pra fugir. Esporeei o Pingo com tudo e corri no rumo de casa.

            Mas, quando a coisa ruim cisma com a gente não é fácil se livrá. Sempre que eu olhava pra trás, lá vinha o môstro correndo detráis. Acho que só consegui manter uma vantage boa porque o Pingo é um baita dum cavalo corredor. Mas, pelo jeito, só uma vantage não basta pra fugir de um diabo desse. Agora eu to aqui, me cagando de medo debaixo da cama, enquanto que o bicho tinhoso tá rondando ao redor da casa, soltando uns urro que faz até nego véio ficá branco de pavor. A mãe e a nona tão lá na sala, rezando o terço diante da estatueta da Virge Maria. Agora a pouco começou uns estouro na porta da cozinha. Deus todo poderoso que mora no céu! Se fizer com que aquela porta aguente até o amanhecer eu juro que não vou duvidá da minha mãe nunca mais! Nunca mais!

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