25 de set. de 2022

DILLODOKERS - 3º Ciclo

 

3º Ciclo

 

Por André Bozzetto Jr

 

              Quando despertei, o primeiro pensamento que me veio à mente foi: “Morri e cheguei no inferno!”. Com a tontura que senti, caí de joelhos e achei que fosse desmaiar. Na verdade, até torci para que isso acontecesse, mas, como não aconteceu, fechei os olhos com força e tentei tapar os ouvidos para fugir da realidade ao redor, sem resultado.

              Não sei quanto tempo fiquei nessa posição, mas como os terríveis barulhos que insistiam em me atormentar pareciam ficar cada vez piores e mais ameaçadores, tive aquela reação instintiva de tentar fazer algo. Além do choro, dos gritos de dor e desespero, havia também um som diferente de qualquer outro. Era um tipo de zumbido grave e profundo que não parava nunca e parecia vir diretamente do céu.

              Levantei lentamente, tentando achar justificativas para fugir daquele horror em que estava enfiado. “Estou alucinando por causa de um efeito colateral do remédio experimental”. “Bati a cabeça, fiquei em coma e isso tudo é ilusão do meu cérebro sequelado”. “Enlouqueci de vez!”. Tanto fazia. O terror estava ali. Em tudo.

              Eu me encontrava, de novo, diante do palco principal da Feira da Mandioca, ou do que havia restado dele, porque o parque inteiro estava destruído. Vários focos de incêndio eram visíveis, não apenas ali, mas também nas casas da rua próxima à entrada e, aparentemente – pelos clarões e fumaça distantes – até no centro da cidade. Havia cadáveres e pedaços de corpos mutilados por todos os lados. Sangue, tripas e ossos descarnados se misturavam aqui e ali a camadas de algum tipo de gosma escura e nojenta. O fedor que impregnava tudo era tão absurdo que chegava a arder o nariz. Tive ânsias horríveis, mas não cheguei a vomitar nada, o que pareceu piorar a sensação de tontura.

              Quando olhei para cima, vi que, além daquela escuridão anormal, havia fachos de luz avermelhada se espalhando entre as nuvens, como se o próprio céu estivesse pegando fogo.

              Mas, o pior de tudo não era nada disso. O que mais me apavorou foi ver que, em meio a tantos cadáveres, ainda havia muitas pessoas vivas perambulando por todos os lados, só que cada uma delas ou estava matando ou sendo morta por alguém. Avistei ao longe pelo menos dois caras com armas de fogo atirando a esmo em quem quer que estivesse ao redor. Também tinha gente armada com facas ou facões estripando ou esquartejando outros. Mas, a maioria mesmo usava objetos dos arredores como armas improvisadas. Vi o Alceu, da borracharia que ficava perto da minha casa, perseguindo um grupo de crianças e utilizando como porrete uma ripa da cerca de madeira. Poucos metros adiante de onde eu estava, observei – cheio de horror – o velho Sílvio, da padaria, ajoelhado sobre a sua esposa, esmagando a cabeça dela com uma grande pedra enquanto gritava “Amém! Amém!”.

              Olhei para a minha direita e vi vários pedaços de metal retorcido que eram parte da estrutura de sustentação do lonão que cobria o palco principal, mas que, naquele momento, já não era nada além de escombros. Ajuntei uma barra de ferro de pouco mais de um metro de comprimento e senti um impulso quase incontrolável de sair arrebentando as cabeças daqueles que estivessem atacando outras pessoas. Poderia começar pelo velho Sílvio, logo ali na frente. Porém, com uma força de vontade que tirei não sei de onde, consegui manter a lucidez e entender que isso era a influência dos Dillodokers agindo sobre a minha mente, tentando me induzir a fazer parte daquele show de horrores.

              Larguei a barra de ferro e saí caminhando rápido para resistir àquela tentação infernal. Mas, ir para onde? Pensei em subir até os barracões abandonados na parte antiga do parque, onde os putos dos irmãos Venganno faziam suas insanidades. Pelo visto, não restava muito a ser feito, mas, que outra opção havia? Ir para o centro da cidade? Fora de cogitação. Provavelmente estaria ainda pior do que no parque. Voltar para casa? Era melhor nem pensar no que encontraria lá.

              Com o coração apertado, tentei andar rápido, me mantendo afastado dos loucos que atacavam uns aos outros como feras selvagens. Porém, logo a minha atenção se voltou para mais uma cena bizarra no meio daquele caos todo. Perto da estradinha que dava acesso à parte antiga do parque, se encontrava um grupo de umas vinte ou trinta pessoas que parecia indiferente à matança que acontecia ao redor. Estavam todos de joelhos, como se rezando enquanto ouviam as palavras de um homem que discursava e gesticulava sobre um palco improvisado – que nada mais era do que dois engradados de cerveja com uma tábua por cima – tendo ao fundo uma grande cruz também improvisada, feita com partes da estrutura de uma das vendas de doces. Senti um calafrio sacudir o meu corpo quando identifiquei o sujeito. Era o Sabidão. Ele estava sem camisa e, com algum objeto cortante, havia talhado uma cruz no próprio peito, de onde escorria um bocado de sangue. Quase que imediatamente, ele interrompeu sua pregação e ficou me encarando, com olhar alucinado.

              – Vejam! – gritou o Sabidão, apontando para mim e induzindo todos a olharem na minha direção – Ali está o Messias que estávamos esperando! Vamos crucificá-lo para que o seu sangue traga a redenção de nossos pecados!

              Em meio a muitos gritos de “Aleluia!”, algumas pessoas pegaram a cruz improvisada e começaram a trazer na minha direção, enquanto as demais foram me cercando. Eu logo entendi o que aqueles filhos da puta queriam fazer. Mesmo tomado de pavor, comecei a dar socos e chutes para todos os lados, tentando afastar aqueles loucos o suficiente para sair correndo. Por um momento, cheguei a ter esperança de que iria dar certo. Derrubei uns quatro ou cinco na base da porrada, até que senti uma pancada muito forte na parte de trás da cabeça. Fui tomado por uma dor intensa, mas que durou apenas alguns segundos. Depois a escuridão daquele céu estranho despencou lá de cima e cobriu os meus olhos.

 

 

O próximo ciclo inicia em breve...

 

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