24 de jan. de 2024

O PARADOXO DAS RUÍNAS

 

Por André Bozzetto Jr

 

            A casa é antiga. Está em ruínas. A maioria das lembranças já virou pó, enegrecido e triste como a camada que recobre os velhos móveis que ninguém quis levar embora. O pouco que sobrou está como as tábuas do assoalho, podre e prestes a ruir para dentro de um buraco negro de abandono e esquecimento. Restos de risadas ecoam com o vento que sopra por entre os espaços vazios onde antes houvera janelas que se abriam para um mundo que já não existe mais. Sobras de lágrimas gotejam de encanamentos quebrados, como corações que também se partiram e nunca mais se recuperaram. Sonhos descascam das paredes como tinta velha e ressecada. Planos e projetos despencam aos pedaços, junto com fragmentos de um telhado do qual muito pouco sobrou. E por entre as telhas que não estão mais lá eu vejo o céu escuro, profundo, infinito. Às vezes gostaria de voar até lá, como um pássaro fugindo de um longo cativeiro. Mas dessa prisão não consigo sair. Estou aferrado aqui como o mais profundo pilar desta construção secular.
           Todos partiram há muito tempo. Alguns ainda em vida, outros depois de mortos. Só eu fiquei. Talvez tenha sido por opção, como o bastião de  resistência contra o ciclo inexorável das mudanças. Pode ser que foi por imposição, como um castigo por algo do qual já não lembro. Por mais que tente, não consigo recordar o motivo. Virou um enigma, tão etéreo como a minha própria existência, com todos os detalhes importantes desvanecidos na névoa da noite eterna.
           De qualquer forma, por muito tempo acreditei que quando a casa desabasse por completo eu poderia finalmente sair. Só que não. Hoje percebo que todo o seu material já foi ao chão há décadas. Suas ruínas continuam existindo apenas na minha mente e, por tudo que posso ver, minha mente também só existe dentro desse lar decrépito que se tornou sua perpétua habitação. Um paradoxo eterno de restos mortais. Da casa... e de mim.  

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