Por André Bozzetto Jr
A
casa é antiga. Está em ruínas. A maioria das lembranças já virou pó, enegrecido
e triste como a camada que recobre os velhos móveis que ninguém quis levar
embora. O pouco que sobrou está como as tábuas do assoalho, podre e prestes a ruir
para dentro de um buraco negro de abandono e esquecimento. Restos de risadas
ecoam com o vento que sopra por entre os espaços vazios onde antes houvera
janelas que se abriam para um mundo que já não existe mais. Sobras de lágrimas
gotejam de encanamentos quebrados, como corações que também se partiram e nunca
mais se recuperaram. Sonhos descascam das paredes como tinta velha e ressecada.
Planos e projetos despencam aos pedaços, junto com fragmentos de um telhado do
qual muito pouco sobrou. E por entre as telhas que não estão mais lá eu vejo o
céu escuro, profundo, infinito. Às vezes gostaria de voar até lá, como um
pássaro fugindo de um longo cativeiro. Mas dessa prisão não consigo sair. Estou
aferrado aqui como o mais profundo pilar desta construção secular.
Todos
partiram há muito tempo. Alguns ainda em vida, outros depois de mortos. Só eu
fiquei. Talvez tenha sido por opção, como o bastião de resistência contra o ciclo inexorável das
mudanças. Pode ser que foi por imposição, como um castigo por algo do qual já
não lembro. Por mais que tente, não consigo recordar o motivo. Virou um enigma,
tão etéreo como a minha própria existência, com todos os detalhes importantes desvanecidos
na névoa da noite eterna.
De qualquer forma, por muito tempo acreditei que
quando a casa desabasse por completo eu poderia finalmente sair. Só que não. Hoje
percebo que todo o seu material já foi ao chão há décadas. Suas ruínas
continuam existindo apenas na minha mente e, por tudo que posso ver, minha
mente também só existe dentro desse lar decrépito que se tornou sua perpétua
habitação. Um paradoxo eterno de restos mortais. Da casa... e de mim.
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