Por Adriano Siqueira
Acordei com um barulho, parecia um
grito. No caminho para a cozinha vejo uma gota de sangue no chão. Rapidamente
chamo por minha mulher. Não ouço resposta. Vou para o quarto da minha filha e
vejo o que eu temia. Ela estava olhando para mim. Com os olhos arregalados e
algumas partes do seu corpo, estavam espalhadas pelo quarto. Comecei a vomitar,
não acreditava no que via!
– Minha filha!... Meu Deus! Quem
teria feito isso?
Andei bem devagar... Olhando para
seus olhos, toquei em seu rosto ensanguentado... Lembrei dos momentos em que a
vi crescer.
Não conseguia tirar os olhos do
corpo mutilado. Foi quando eu vi... Vi claramente ela sorrindo. Sua cabeça virou
em minha direção... Eu caí de joelhos e coloquei minha mão na boca para não
gritar. Meu Deus... Por favor meu Deus... Seus pedaços pelo chão. E se ela
perceber que faltam algumas partes do seu corpo. O que vou fazer? Ela sorriu...
– Pai, me abraça?
– Eu estava louco? Fiquei ali.
Paralisado e apavorado.
– Me abraça papai!
– Eu me arrastava tentando
compreender tudo.
De repente ela começou a gritar
desesperadamente!
– Lobisomem! Papai! Me ajuda! Quando
olhei para trás vi a fera com sangue na boca e os olhos vermelhos. Uivando, enquanto
suas garras me rasgavam.
Consegui me livrar e corri
para a cozinha. Minha mulher estava de costas perto do fogão. Porque ela não me
ouviu gritar? Ela estava tirando os bolinhos de queijo do forno e falou comigo
sem me olhar:
– Querido! O café está quase pronto.
Lourdes a nossa filha...
– Oh! Sim ela já vem.
Ela virou para me olhar... Seu rosto
estava todo estraçalhado, a pele caia, misturando-se com o seu pescoço e sua
roupa estava ensopada de sangue...
– Lourdes, Meu Deus!
Ela cai sem vida. Escuto novamente
aquele uivo. Saio de casa e corro pela floresta.
Meu coração estava disparado... Gritei por socorro, mesmo sabendo que ninguém
me ouviria ali. Cansado, desmaiei próximo a estrada...
Aos poucos meus olhos se abriram e
eu estava em uma cama. Aos poucos fui conhecendo o local. Eu estava na casa do
meu irmão Heitor. A porta abre e Verônica aparece com um pouco de chá.
– Você teve uma noite difícil.
Verônica era a esposa do meu irmão.
– Minha família? Um lobo...
Devorou minha família.
– Eu sei.
Ela me abraçou por alguns instantes.
– Deus! Eu ainda não acredito o que
fizeram com a sua família.
– O lobo... Tinha um lobo...
– Como era o lobo?
– Grande... Parecia humano... Grande
demais para um lobo. Ele andava como a gente. Nunca vi algo assim.
Ela estava olhando fixamente para
mim, e aos poucos Verônica desabotoou a sua camisa e me disse:
– Era humano?
– Não, era um lobo. Olhos vermelhos.
Todo preto. Garras enormes não pareciam ser de um simples lobo. Parecia mais um
leão. Seus olhos eram a própria morte.
Ela olhou para mim e abriu a camisa
sorrindo.
– Olhe, veja o que ele fez. Venha me
dar um beijo?
Ela estava sem a pele da barriga...
Tinha sangue por toda a calça.
– Pelo amor de Deus Verônica! Por
favor! Não chegue perto de mim. Por favor.
– Mas eu quero você. Quero fazer amor.
Antes que o lobo apareça.
Eu escuto o uivo novamente quando o
vejo na janela, e saio correndo.
– Volte Cícero! Não corra do lobo!
Eu preciso de você!
Olho para trás e ainda a vejo cair
sem vida.
Continuo correndo pela floresta. De
repente alguém me segura com toda força. Tento lutar, mas é em vão. Quando minha
visão clareia, vejo que é meu irmão Heitor que estava me segurando.
– Pare! Eu sei quem é o lobo. Venha!
Venha agora!
Eu não conseguia mais falar. Ele me
pegou pela mão e me levou para a casa do meu outro irmão, Doutor Prático ou
simplesmente Doc, um apelido que usávamos depois que ele se formou em veterinária. Era
bem perto dali. Ele falava muitas coisas, mas eu ainda não entendia direito o
que estava acontecendo. Já não sabia se era real ou pesadelo. Minha cabeça era
um grande vazio preenchido pelo terror. Era muita coisa em uma só noite.
Entramos na casa do Doc. Lá, tinha
uma grande sala e fiquei no sofá.
– Cícero. Fique aqui. Vou
chamá-lo.
Espero por um momento e logo
vejo meus irmãos vindo em minha direção e discutindo:
– Não me importa! Sinceramente
isso não é da minha conta. Você sempre protegeu o nosso caçula. Resolva o
problema você mesmo. Ele deixa Heitor na sala e sai rapidamente daquele cômodo
sem falar comigo.
Eu não acreditei! Nossa família
estava morta e o meu maldito irmão mais velho não queria se envolver?
– Não se preocupe com ele Cícero.
Ele sempre foi assim.
De repente escuto as portas e
janelas se fechando. Ouço uma gargalhada. Era o Doc. O
som era alto, estava vindo de um alto-falante colocado na sala. Fiquei atento, ouvindo
tudo:
– Heitor! Heitor! Finalmente você
entendeu que nosso irmão caçula deve morrer.
– Por favor! Não faça isso Doc! Eu
sei que você me avisou, mas eu simplesmente não posso. Não posso! É nosso
irmão! Será que você não tem coração.
– Eu tinha... Até o lobo aparecer em
nossas vidas. Até ele destruir nossa família e por isso hoje sei o que deve ser
feito.
Fiquei desesperado. Nossas famílias
mortas e eles discutindo daquela forma? Não fazia sentido! Eu tinha que dizer
algo.
– Do que é que vocês estão falando?
Heitor? Doc? Por favor, vamos chamar a policia. Nossa família está morrendo por
causa desse maldito lobo.
Heitor abaixa a cabeça, olha para a
cintura, pega uma arma e aponta para a minha cabeça.
– Cícero. Perdoe-me. Eu não tinha
coragem para fazê-lo, mas vendo você mencionar a família só me da mais coragem
de atirar. Por favor, não se mova.
– Mas que diabos está acontecendo
aqui? Porque esta apontando essa arma para mim?
Heitor, com a arma na mão fala para
o Doc.
– Eu sei que está certo. Sei que
viveu seus últimos quinze anos estudando veterinária. Escreveu muitos livros
sobre a vida dos lobos. Cícero merece saber a verdade antes de morrer...
– Tudo bem Heitor eu conto:
– Cícero, quando éramos mais jovens,
fomos atacados por um lobo você lembra?
– Sim, Doc! É Claro. Ele voltou e é
por isso que estamos aqui pedindo ajuda, mas eu não esperava que meu próprio
irmão apontasse uma arma para mim...
– Eu salvei vocês dois, só que Heitor
me escondeu um segredo.
– C... Como assim? Que segredo?
Heitor corre em minha direção e me
segura pelo colarinho, aponta a arma para minha cabeça e grita:
– Ele te mordeu idiota! Será que não
se lembra disso? O maldito lobo te mordeu!
Eu escondi este segredo de você e do
Doc, mas ele sempre desconfiou. Por isso ele colocou uma bala de prata neste
revolver. Para acabar com isso. Acabar com sua vida. Com a maldição e principalmente
matar o Lobo.
– Lobo? Eu? Você está Louco. Eu o
vi!
Eu não estava acreditando. Meu
próprio irmão dizendo que eu era o autor dos assassinatos, da minha própria
filha, esposa e cunhada. Heitor me levou até uma das janelas da sala... Olhei
para a janela e Gritei.
– O lobo! Ele está bem aqui na janela!
Atira Heitor! Atira Agora.
Ele me segurava e gritava.
– Cícero esta não é uma janela
comum. Ela é de prata. Está mostrando seu verdadeiro reflexo. Você esta vendo o
que realmente é.
– Oh. Meu Deus. Não é possível. Não
pode ser. Eu, eu...
Não havia mais o que falar. Fiquei
olhando meu reflexo. Estava, o tempo todo, tentando fugir de mim mesmo, dos meus
crimes, da minha maldição.
Por um momento olhei para o Heitor e
finalmente disse.
– Então atira. Atira agora e acabe
com isso de uma vez!
Heitor me empurra e caio sentado no
sofá. Ele aponta a arma no meu peito e fica tremendo... Eu fecho os olhos e
escuto ele dizer que me ama e logo em seguida um tiro. Dou um grito.
Finalmente escuto o Doc correr para
a sala.
– Não... Não!
Eu abro os olhos e vejo Heitor no
colo do Doc. Atirou nele mesmo e estava sangrando muito, mas ainda estava vivo
e disse:
– Fracassei Doc! Ele é meu irmão...
Eu o amo.
Vejo Heitor lentamente para de respirar.
O Doc fica chorando.
– Era para ser tão simples... Tão...
Tão "Prático".
Eu queria dizer algo, mas não
conseguia me mover. Algo me possuía. Olho para a janela e a vejo quebrada. A
bala passou por Heitor e quebrou um dos vidros da janela. Fiquei tonto e a
última coisa que vi foi a lua cheia, através da janela.