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9 de nov. de 2023

CRÍTICA DO FILME: DO INFERNO

 


Por André Bozzetto Jr

 

     Em 2001, os irmãos cineastas Allen e Albert Hughes foram responsáveis por trazer de volta às telas um dos mais intrigantes e enigmáticos personagens da história do crime : Jack, o Estripador . Como todo mundo já deve saber, no outono de 1888, esse misterioso assassino matou de forma extremamente brutal cinco mulheres (todas prostitutas) que viviam em Whitechapel, bairro pobre do leste de Londres. Apesar da série de investigações e das várias teorias elaboradas a cerca dos crimes, a identidade do assassino nunca foi descoberta. Entre a insólita lista de prováveis suspeitos, estariam desde um suposto veterinário carniceiro até um terrorista judeu, passando por um médico psicopata, um vendedor de pipocas, e até uma parteira enlouquecida.

     Em “Do Inferno”, filme dirigido pelos irmãos Hughes e estrelado por Johnny Depp, o roteiro baseia-se na HQ de mesmo nome, escrita pelo prestigiado autor Alan Moore, e que expõe de forma bastante engenhosa uma das várias teorias sobre a identidade do assassino. Para escrever sua obra, Moore realizou uma exaustiva pesquisa de mais de dez anos, onde foram consultadas as mais diversas fontes, visando obter informações o mais exatas possível. Contudo, como disse o próprio Albert Hughes: “O objetivo não é descobrir a verdade, mas sim narrar a teoria mais interessante”.

     O enredo do filme mostra o estranho inspetor Fred Abberline (Jhonny Depp) embrenhado na busca por pistas que levem até o Estripador. Para auxilia-lo, Abberline conta com a ajuda do Sargento Godley (Robbie Coltrane) e da prostituta Mary Kelly (Heather Graham), com quem acaba se envolvendo. É interessante notar como o roteiro é muito bem desenvolvido, apresentando novos personagens aos poucos, e mostrando uma série de pistas aparentemente desconexas, mas que depois culminam por revelar a identidade e a motivação do assassino.

     Em meio à trama, pode-se observar várias passagens interessantes, principalmente as que se desenvolvem em Whitechapel, onde temos uma sombria visão do submundo da Londres vitoriana, imerso em sujeira e degradação, e habitado por figuras desoladas, como prostitutas, bêbados, mendigos e cafetões. Neste sentido, destaque para a ótima cenografia, que reproduz perfeitamente esse ambiente obscuro. Também são dignas de mérito as cenas de “visões” do inspetor Abberline, que misturam subjetivismo e psicodelia com perturbadoras imagens dos crimes.

     Outro aspecto positivo dessa produção, é o fato dela abordar a história sob vários ângulos diferentes. Desta forma, temos acesso não só as ideias do inspetor, mas também ao ponto de vista das prostitutas e até o do próprio Estripador, o que torna a trama muito mais rica e atraente .

     A convincente atuação do experiente elenco também conta pontos a favor do filme, uma vez que Heather Graham repete os bons desempenhos vistos em “Boogie Nights” e “Austin Powers 2”, Robbie Coltrane surpreende, e Johnny Depp mantém-se discreto e eficiente como sempre. Inclusive, o inspetor Abberline em vários momentos acaba lembrando o detetive vivido por Depp em “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”, embora sem os trejeitos cômicos deste. E por falar nisso, é curioso ver como o ator tem se especializado em interpretar figuras esquisitas, como em “Edward – Mãos de Tesoura” e “Ed Wood”.

     Além disso, não se pode deixar de mencionar o conteúdo de cunho social que se destaca ao longo do filme, onde os irmãos Hughes procuram mostrar claramente situações onde impera o preconceito e a exclusão social, como por exemplo nas passagens em que o Chefe de Polícia insiste que o assassino só pode ser “um judeu ou um estrangeiro”, na cena em que o inspetor vai a uma festa do Conselho de Medicina e é ridicularizado pelos médicos, ou ainda nos olhares maldosos e repreensivos dirigidos ao inspetor quando ele sai em companhia de uma prostituta.

     Para concluir, destaca-se o surpreendente final, amargo e pessimista, que foge completamente do padrão de “desfechos felizes” de Hollywood.

     Talvez, o principal aspecto negativo desse filme tenha sido mostrar bem menos sangue do que se esperava em uma produção sobre Jack, o Estripador. Mas, de qualquer maneira, é um ótimo filme de suspense que conseguiu, à sua maneira, fazer uma digna adaptação da cultuada HQ que lhe serviu de base.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.  

2 de nov. de 2023

CRÍTICA DO FILME: A HORA DO ESPANTO

 

Por André Bozzetto Jr

 

     Atualmente, parece cada vez maior o número de filmes que surgem propondo novas ideias, inovações, que infelizmente acabam se perdendo em meio a situações repetitivas e roteiros repletos de clichês, fazendo com que produções que tinham tudo para se tornar sucessos culminem por naufragar e cair no esquecimento. Porém, existem casos (muito raros, diga-se de passagem) em que acontece exatamente o contrário: são justamente os clichês e os lances de apelo folclórico que tornam o filme divertido e interessante. Esse é o caso de “A Hora do Espanto”, filme de 1985, dirigido pelo eficiente Tom Holland, que não só se tornou um dos maiores clássicos dos anos 80, como também estimulou um verdadeiro revival de filmes sobre vampiros, sendo que no mesmo período foram produzidas obras como “Vamp – O Filme” (1986), “Os Garotos Perdidos” (1987), “Quando Chega a Escuridão” (1987), “A Hora do Espanto 2” (1989), entre outros.

     O roteiro deste filme apresenta uma história que não possui nada de muito extraordinário: um típico adolescente americano de classe média, chamado Charlie (William Regsdale), descobre inesperadamente que seu novo vizinho é um vampiro (Chris Sarandon, de “Brinquedo Assassino”), e está atacando as moças da cidade. Desesperado e sem saber o que fazer, Charlie decide pedir ajuda para um ator (Roddy McDowall, da série “O Planeta dos Macacos”), que interpreta o caçador de vampiros Peter Vincent em um programa de televisão. Logicamente, o ator não acredita na inusitada história do garoto, mas depois de muita insistência, acaba concordando em ajudar a investigar o caso. Depois de algumas confusões, a situação de Charlie fica extremamente complicada quando seus amigos passam a ser atacados pelo vampiro, e sua namorada acaba sendo raptada.

     De forma bastante despretensiosa, a trama vai se desenvolvendo e evidenciando alguns elementos clássicos na mitologia dos vampiros, que por alguma razão foram sendo deixados de lado com o passar do tempo. Por exemplo: neste filme o vampiro dorme em um caixão (desses comuns), tem medo de água benta e crucifixos, se transforma em morcego, e precisa ser convidado para entrar pela primeira vez na casa de alguém. Alguns podem achar bobagem, mas todos esses itens me parecem fundamentais em uma boa história de vampiros, pois já estão presentes em nosso imaginário, e sempre vemos (mesmo que inconscientemente) essas características como sendo cruciais para a existência dos vampiros. Eu, particularmente, prefiro essa linha mais tradicional do que ver vampiros que andam durante o dia e dormem em caixões hig-tec.

     Mas existem vários outros motivos que garantem o sucesso do filme, como a segura atuação do elenco (destaque para o divertido Roddy MacDowall), o nível dos efeitos especiais (muito bons para a época, e ainda eficientes se comparados com os das produções atuais do gênero) e a ótima direção de Tom Holland, que consegue prender a atenção do espectador do início ao fim, sem deixar o ritmo do filme cair. Em 1988, Holland também dirigiu “Brinquedo Assassino”, outro grande sucesso que gerou a franquia do famoso boneco “Chucky”. Pena que esse diretor ande meio sumido ultimamente.

     Como destaque, fica a interessante iniciativa de, em determinado momento do filme, transformar alguns heróis em vilões, pois apesar de não ser uma ideia nova, surtiu um resultado eficiente. A passagem em que o vampiro persegue os garotos na danceteria ficou muito legal, assim como o confronto no porão. 

     Além dessas colocações, também é importante observar que o filme segue a típica linha das produções oitentistas, com notáveis toques de humor, e um direcionamento mais voltado para a diversão do que propriamente para os sustos.

     Concluindo, posso afirmar que “A Hora do Espanto” é um dos primeiros nomes na minha lista de favoritos, pois consegue entreter e divertir de tal forma que nem se vê passar as quase duas horas do filme, e quando acaba você fica com aquela sensação de “quero mais...”. Um pouco disso se deve ao sentimento de nostalgia que alimento em relação aos saudosos anos 80, mas a verdade é que nessa década foram concebidas algumas obras inesquecíveis, e essa certamente é uma delas.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.           

18 de out. de 2023

CRÍTICA DO FILME: A LENDA DO LOBISOMEM

 

Por André Bozzetto Jr

 

            Na virada dos anos 1960 para 1970, a cultuada produtora inglesa Hammer, que há duas décadas vinha se mantendo como a principal expoente no que se refere à produção de filmes de horror e suspense, começou a entrar em decadência.  O desgaste da fórmula utilizada exaustivamente durante muitos anos fez com que, com o passar do tempo, seus filmes perdessem qualidade, e consequentemente, não conseguissem mais obter o sucesso e o retorno de outrora. Com isso, muita gente – atores, diretores e produtores – começou a cair fora, na tentativa de reencontrar o sucesso trabalhando sob um novo teto.

            Tentando tirar proveito da situação, um jovem empreendedor chamado Kevin Francis decidiu fundar sua própria produtora, a “Tyburn Films”. Infelizmente, a nova produtora também não conseguiu ser muito bem-sucedida, concebendo alguns poucos filmes antes de fechar suas portas. Porém, entre as suas produções se encontra um belo filme de lobisomem, chamado laconicamente de “A Lenda do Lobisomem” (Legend of The Werewolf, 1975). Para dirigir esse filme, Kevin Francis chamou ninguém menos do que o seu próprio pai, Freddie Francis, que trabalhou muitos anos na Hammer, dirigindo uma enorme quantidade de filmes, sendo que muitos deles chegaram a ser lançados no Brasil, como por exemplo “O Monstro de Frankenstein” (The Evil of Frankenstein, 1964), “Cilada Diabólica” (Nightmare, 1964) e “Drácula – O Perfil do Diabo” (Dracula Has Risen From the Grave, 1968). Para interpretar o personagem principal, foi contratado um dos mais emblemáticos atores da história do cinema de horror, o grande Peter Cushing, astro de dezenas de filmes memoráveis como os clássicos “A Maldição de Frankenstein” (The Curse of Frankenstein, 1957), “O Vampiro da Noite” (Horror of Dracula, 1958) e “O Cão dos Baskervilles” (The Hound of The Baskervilles, 1959), para citar apenas alguns.

            Mas não foi só isso. Para escrever o roteiro, foi contratado Anthony Hinds, mais um egresso da Hammer, que sob o pseudônimo de John Elder, roteirizou várias obras clássicas como “Drácula – O Príncipe das Trevas” (Drácula – Prince of Darkness, 1966), “O Beijo do Vampiro” (The Kiss of The Vampire, 1963) e “A Maldição do Lobisomem” (The Curse of The Werewolf, 1961). E por falar em “A Maldição do Lobisomem”, é notável que esse filme foi a grande fonte de inspiração para a concepção de “A Lenda do Lobisomem”. Em primeiro lugar, ambos os filmes foram livremente baseados no livro “The Werewolf of Paris”, de Guy Endore, embora cada uma das películas priorizasse elementos distintos da obra literária. Para o filme de 1975, o roteirista Hinds ainda utilizou elementos de outro livro chamado “The Wild Child”, de Francois Truffaut, principalmente na parte inicial.

            Mas além do roteiro, também existem outras similaridades entre “A Lenda do Lobisomem” e “A Maldição do Lobisomem”, principalmente no que se refere à direção, onde Francis parece ter se inspirado no trabalho do diretor Terence Fisher, utilizando também os recursos de narração em off no início, os saltos no tempo para situar a ação em diferentes períodos e a estratégia de mostrar o lobisomem indiretamente na maior parte do filme, optando por revelá-lo completamente apenas nos ataques finais. Inclusive, o visual do lobisomem é muito parecido com aquele de “A Maldição do Lobisomem”, evidenciando uma criatura bípede, com o corpo coberto por uma camada de pelos e preservando pelo menos parte das vestimentas, mãos convertidas em garras e face monstruosa, misturando feições híbridas de homem e lobo.

            Provavelmente, a maior sacada do diretor Freddie Francis foi ter conferido ao seu filme um visual bastante sombrio e obscuro, o que o torna mais perturbador do que o filme de Fisher. Além disso, em “A Lenda do Lobisomem” temos muito mais mortes, várias delas on scream, e com doses de sangue e violência que até então não eram vistas nos filmes de lobisomem anteriores. Francis também utilizou um interessante recurso de câmera em primeira pessoa para simular a perspectiva de visão dos lobos, e depois do lobisomem, onde a imagem adquire uma tonalidade avermelhada, num efeito simples, porém eficiente.

            Pois bem, depois dessa longa introdução de contexto e bastidores, vamos à história: O filme começa nos mostrando um grupo de camponeses pobres migrando através de uma sombria floresta no interior da França, sendo espreitados à distância por uma alcateia de lobos, em algum momento do século XIX. Então, uma mulher grávida começa a sentir as dores do parto, e na iminência de dar à luz, acaba ficando para trás com seu marido, enquanto os outros amedrontados camponeses seguem viagem pela mata. O bebê nasce, mas a mulher acaba morrendo durante o parto, deixando o marido sozinho com a criança. De repente, um grupo de lobos surge da escuridão e ataca o homem, devorando-o. Por algum motivo, o bebê recém-nascido é poupado pelas feras, e passa a viver em meio à alcateia.

            Um salto no tempo de alguns anos nos apresenta a carroça do Maestro Pamponi (Hugh Griffith, de “O Abominável Dr Phibes” e “A Câmara de Horrores do Dr Phibes”) atravessando a floresta. Trata-se de um grupo itinerante de artistas velhos, pobres e decadentes, que se apresentam em vilarejos do interior da França para conseguir alguns trocados. Então Tiny (Norman Mitchell), um misto de músico e assistente do Maestro Pamponi, é incumbido de ir caçar para tentar providenciar algo para a janta, uma vez que o grupo acamparia na floresta durante noite. A principio, Tiny é bem sucedido, abatendo uma lebre. Mas antes que ele possa recolher sua caça, um menino (Mark Weavers) surge da mata, pega o animal e passa a devorá-lo. Quando tenta fugir, acaba recebendo um tiro na perna disparado por Tiny, que depois de uma breve luta, acaba arrastando-o para o acampamento. Com poucos escrúpulos, o Maestro Pamponi decide usar o selvagem garoto como uma das atrações de seu bizarro espetáculo mambembe, apresentando-o em uma jaula como “O Garoto-lobo”.

            Com o passar dos anos, o garoto vai se familiarizando com o convívio de Pamponi e sua turma, e com isso vai ficando mais civilizado (mas não muito), e passa a participar também de outras atrações do espetáculo, fazendo acrobacias. No auge da juventude, Etoile (David Rintoul), como foi batizado, já quase não se assemelha mais com aquele menino agressivo e animalesco que era na época em que foi encontrado pelos artistas.  Porém, junto com a juventude, com o aflorar de novos sentimentos e emoções, também passou a ter vazão em Etoile o seu lado animalesco que estava reprimido e adormecido em seu interior. Dessa forma, em uma noite, enquanto dormia sob o luar, o rapaz se transforma em lobisomem e rasga a garganta de seu amigo Tiny. Ao ser descoberto, na manhã seguinte, acaba abandonando apavoradamente o grupo de Pamponi, e foge para Paris. Como se pode ver, aqui está mais uma semelhança entre “A Lenda do Lobisomem” e “A Maldição do Lobisomem”, já que em ambos os filmes a explicação para a origem da criatura licantrópica é obscura, incerta e muito pouco convincente. Pelo visto, nas décadas de 1960 e 1970 esse tipo de detalhe não era considerado lá muito relevante.

            Ao chegar na periferia de Paris, Etoile logo é atraído para um pequeno e precário jardim zoológico que funciona nas imediações, mais especificamente pela jaula dos lobos, com os quais logo faz amizade. É então que aparece o zelador do zoológico (Ron Moody), um velho beberrão e solitário, que convida Etoile para ficar no zoológico, trabalhando na limpeza e no trato dos animais. Sem muitas opções, o rapaz aceita. Surge então um grupo de prostitutas que trabalha em um bordel localizado nos proximidades, e que frequentemente vem até o zoológico passear e dar comida para os bichos. Entre as moças, se destaca Christine (Lynn Dalby), que logo desperta a paixão do jovem Etoile.

            Os dias passam e Etoile é constantemente repelido por Chistine, que diz querer apenas manter uma amizade com ele. Então, quando a lua cheia volta a surgir, o rapaz se transforma novamente em lobisomem e começa a fazer vítimas pelas redondezas, se esgueirando pelos becos e galerias de esgotos, atacando clientes do bordel, mendigos e prostitutas.

            Somente depois já ter transcorrido mais de meia hora de filme é que surge em cena o Professor Paul (Peter Cushing), que trabalha no necrotério local, e com sua perspicácia nas autópsias ajuda a polícia a desvendar diversos crimes. Quando os corpos mutilados das pessoas atacadas pelo lobisomem começam a chegar no necrotério, as suspeitas do Prof. Paul e seus assistentes recaem inicialmente sobre possíveis (porém inusitados) ataques de um lobo. Intrigado, o professor começa a empreender uma investigação por conta própria, e sabendo que a presença de um lobo em plena Paris é algo muito remoto, acaba chegando até o zoológico onde trabalha Etoile, para se certificar de que nenhum animal fugiu de lá. Mesmo recendo uma resposta negativa, o enxerido professor continua rondando e investigando pelas redondezas, e à medida que os crimes se sucedem a cada lua cheia, começa a ganhar força a ideia de que algo muito pior do que um lobo anda atacando os andarilhos solitários nas escuras ruas da periferia de Paris. Dessa forma, um encontro entre o Professor Paul e o lobisomem não tardará a acontecer.

            De uma maneira geral, “A Lenda do Lobisomem” é um filme que tem muito mais acertos do que erros. A caracterização do monstro é condizente com o que se fazia na época, e as transformações utilizam os já conhecidos métodos de sobreposição e sequência de cortes de imagem. Apesar da limitação de recursos, a ambientação do filme também ficou satisfatória, retratando a periferia de Paris como ela realmente deve ter sido no século XIX, degradada, suja e sinistra, frequentada em abundância por bêbados, mendigos e prostitutas. As atuações do elenco, se por um lado estão longe de serem brilhantes, por outro não comprometem. O diferencial, como era de se esperar, fica por conta de Peter Cushing, cujo talento dispensa maiores comentários. As cenas em que o lobisomem aparece atacando suas vítimas, apesar de curtas, também ficaram legais, com destaque para a cena com o mendigo nas galerias do esgoto, próximo do final. E têm ainda a trilha sonora, que na minha opinião, é uma das melhores já compostas para um filme de lobisomem.

            Porém, o grande aspecto negativo do filme é a sua direção irregular. O filme começa promissor, mostrando a primeira parte da história com dinamismo e eficiência. Mas depois que Etoile chega a Paris, o filme fica lento, calcado basicamente em diálogos (alguns enfadonhos), sendo entrecortados por algumas rápidas aparições do lobisomem. Apenas nos 20 minutos finais é que a ação deslancha, fazendo com que o filme se torne novamente empolgante.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.

3 de out. de 2023

CRÍTICA DO FILME: ROMASANTA - A CASA DA BESTA

 

Por André Bozzetto Jr

 

       Inicialmente, é preciso fazer a ressalva de que, para curtir adequadamente essa produção espanhola de 2004, é necessário que se evite o impulso natural que temos de sempre associar os filmes recentes que assistimos com outros clássicos do seu respectivo gênero. Esqueça filmes como “A Hora do Lobisomem”, “Grito de Horror” ou “Um Lobisomem americano em Londres”. Esse “Romasanta” é totalmente diferente, e poderia se enquadrado muito mais no gênero drama do que propriamente terror.

       Provavelmente para os apreciadores de filmes de horror, o primeiro nome que chama a atenção quando os créditos surgem na tela é o do produtor Brian Yuzna, responsável pela produção da cultuada franquia “Re-Animator” (sendo que também dirigiu o 2º e o 3º filme da série) e também encarregado da direção de filmes como “A Volta dos Mortos-vivos 3” e o hiper-trash “O Dentista”. O elenco também possui alguns nomes conhecidos, como Julian Sands – falecido recentemente, em 2023 – (“Aracnofobia”, “Warlock – O Demônio”, “Encaixotando Helena”) no papel de Romasanta, a belíssima Elsa Pataky (Beyond Re-animator) e John Sharian, que já fez participações em filmes como “O Operário”, “Drácula II: Ascensão” e “O Resgate do Soldado Ryan”.

       Dirigido pelo então desconhecido Paco Plaza – que posteriormente ficou mundialmente famoso ao dirigir junto com Jaume Balagueró o clássico REC, de 2007 – essa obra mostra uma história supostamente inspirada em um caso real acontecido na Espanha em 1852, quando um tal Manuel Blanco Romasanta foi preso por ter assassinado mais de dez pessoas, e no seu julgamento alegou ter cometido os crimes por se transformar em lobisomem.O filme tem um desenvolvimento lento, mais calcado nos diálogos do que nas cenas de ação, o que pode se revelar um tanto quanto chato para quem aprecia filmes mais dinâmicos e agitados. De qualquer forma, é interessante salientar que a obra se desenvolve em meio a uma ambientação um tanto quanto obscura, e por diversos momentos apresenta algumas cenas bastante pesadas, não economizando no sangue, e mostrando explicitamente imagens de mutilações, animais esquartejados, cadáveres putrefatos e até algumas ousadas cenas de nudez (masculina e feminina). Em uma dessas cenas, em especial, uma garota está tomando banho em uma espécie de banheira improvisada, quando o personagem de Julian Sands chega e começa a masturbá-la. Algo que chama a atenção por nos fazer pensar o quanto seria improvável de se ver cena semelhante na maioria filmes americanos atuais, onde a “caretice” e a censura parecem estar voltando a imperar.

       Um dos pontos altos do filme é a convincente atuação de Julian Sands, que consegue conferir uma personalidade tridimensional ao seu personagem, que hora age com astúcia e fúria no encalço de suas vítimas, e em outros momentos se mostra melancólico e deprimido por ver sua vida seguir um caminho de violência e morte do qual não consegue se livrar.

       Também é interessante a abordagem que é dada para a questão da licantropia, que era vista pelos personagens de forma misteriosa e controversa, apontada por alguns como uma simples, porém pouco conhecida doença mental, e por outros como algo verdadeiramente maldito, obra do diabo.

       Temos ainda uma interessante e nojenta cena de metamorfose, de uma forma bem diferente do que costumamos a ver nos filmes do gênero.

       Entre os aspectos negativos, chama a atenção a já mencionada lentidão, que torna o ritmo do filme irregular e um pouco maçante em alguns momentos, e também a indecisão que marca tanto o roteiro como a própria direção do trabalho, fazendo com que a obra não se defina em apostar em um drama obscuro ou descambar para o terror propriamente dito. O resultado parece ter ficado em um meio termo onde temos a nítida impressão de que faltou alguma coisa para que o filme engrenasse de vez.

       Também não se pode deixar de mencionar o ridículo subtítulo nacional, afinal em nenhum momento o filme concentra suas ações relevantes em uma casa, fazendo que esse “A Casa da Besta” soe tão falso quanto apelativo.

       No geral, “Romasanta” não chega a ser um grande filme, não vai se tornar um clássico do gênero, mas é uma obra bastante original e instigante, e que, ao meu ver, vale a pena ser conhecida.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época. Este texto, particularmente, passou por pequenas atualizações para citar a morte de Julian Sands e o sucesso posterior de Paco Plaza.