Por André Bozzetto Jr
Na virada
dos anos 1960 para 1970, a cultuada produtora inglesa Hammer, que há duas
décadas vinha se mantendo como a principal expoente no que se refere à produção
de filmes de horror e suspense, começou a entrar em decadência. O desgaste da fórmula utilizada
exaustivamente durante muitos anos fez com que, com o passar do tempo, seus
filmes perdessem qualidade, e consequentemente, não conseguissem mais obter o
sucesso e o retorno de outrora. Com isso, muita gente – atores, diretores e
produtores – começou a cair fora, na tentativa de reencontrar o sucesso
trabalhando sob um novo teto.
Tentando
tirar proveito da situação, um jovem empreendedor chamado Kevin Francis decidiu
fundar sua própria produtora, a “Tyburn Films”. Infelizmente, a nova produtora
também não conseguiu ser muito bem-sucedida, concebendo alguns poucos filmes
antes de fechar suas portas. Porém, entre as suas produções se encontra um belo
filme de lobisomem, chamado laconicamente de “A Lenda do Lobisomem” (Legend of
The Werewolf, 1975). Para dirigir esse filme, Kevin Francis chamou ninguém
menos do que o seu próprio pai, Freddie Francis, que trabalhou muitos anos na
Hammer, dirigindo uma enorme quantidade de filmes, sendo que muitos deles
chegaram a ser lançados no Brasil, como por exemplo “O Monstro de Frankenstein”
(The Evil of Frankenstein, 1964), “Cilada Diabólica” (Nightmare, 1964) e
“Drácula – O Perfil do Diabo” (Dracula Has Risen From the Grave, 1968). Para interpretar o
personagem principal, foi contratado um dos mais emblemáticos atores da
história do cinema de horror, o grande Peter Cushing, astro de dezenas de
filmes memoráveis como os clássicos “A Maldição de Frankenstein” (The Curse of
Frankenstein, 1957), “O Vampiro da Noite” (Horror of Dracula, 1958) e “O Cão
dos Baskervilles” (The Hound of The Baskervilles, 1959), para citar apenas
alguns.
Mas não foi só isso. Para escrever o
roteiro, foi contratado Anthony Hinds, mais um egresso da Hammer, que sob o
pseudônimo de John Elder, roteirizou várias obras clássicas como “Drácula – O
Príncipe das Trevas” (Drácula – Prince of Darkness, 1966), “O Beijo do Vampiro”
(The Kiss of The Vampire, 1963) e “A Maldição do Lobisomem” (The Curse of The
Werewolf, 1961). E por falar em “A Maldição do Lobisomem”, é notável que esse
filme foi a grande fonte de inspiração para a concepção de “A Lenda do
Lobisomem”. Em primeiro lugar, ambos os filmes foram livremente baseados no
livro “The Werewolf of Paris”, de Guy Endore, embora cada uma das películas
priorizasse elementos distintos da obra literária. Para o filme de 1975, o
roteirista Hinds ainda utilizou elementos de outro livro chamado “The Wild
Child”, de Francois Truffaut, principalmente na parte inicial.
Mas além do roteiro, também existem
outras similaridades entre “A Lenda do Lobisomem” e “A Maldição do Lobisomem”,
principalmente no que se refere à direção, onde Francis parece ter se inspirado
no trabalho do diretor Terence Fisher, utilizando também os recursos de
narração em off no início, os saltos no tempo para situar a ação em diferentes
períodos e a estratégia de mostrar o lobisomem indiretamente na maior parte do
filme, optando por revelá-lo completamente apenas nos ataques finais.
Inclusive, o visual do lobisomem é muito parecido com aquele de “A Maldição do
Lobisomem”, evidenciando uma criatura bípede, com o corpo coberto por
uma camada de pelos e preservando pelo menos parte das vestimentas, mãos
convertidas em garras e face monstruosa, misturando feições híbridas de homem e
lobo.
Provavelmente,
a maior sacada do diretor Freddie Francis foi ter conferido ao seu filme um
visual bastante sombrio e obscuro, o que o torna mais perturbador do que o
filme de Fisher. Além disso, em “A Lenda do Lobisomem” temos muito mais mortes,
várias delas on scream, e com doses de sangue e violência que até então não
eram vistas nos filmes de lobisomem anteriores. Francis também utilizou um
interessante recurso de câmera em primeira pessoa para simular a perspectiva de
visão dos lobos, e depois do lobisomem, onde a imagem adquire uma tonalidade
avermelhada, num efeito simples, porém eficiente.
Pois bem,
depois dessa longa introdução de contexto e bastidores, vamos à história: O
filme começa nos mostrando um grupo de camponeses pobres migrando através de
uma sombria floresta no interior da França, sendo espreitados à distância por
uma alcateia de lobos, em algum momento do século XIX. Então, uma mulher
grávida começa a sentir as dores do parto, e na iminência de dar à luz, acaba
ficando para trás com seu marido, enquanto os outros amedrontados camponeses
seguem viagem pela mata. O bebê nasce, mas a mulher acaba morrendo durante o
parto, deixando o marido sozinho com a criança. De repente, um grupo de lobos
surge da escuridão e ataca o homem, devorando-o. Por algum motivo, o bebê
recém-nascido é poupado pelas feras, e passa a viver em meio à alcateia.
Um salto
no tempo de alguns anos nos apresenta a carroça do Maestro Pamponi (Hugh
Griffith, de “O Abominável Dr Phibes” e “A Câmara de Horrores do Dr Phibes”)
atravessando a floresta. Trata-se de um grupo itinerante de artistas velhos,
pobres e decadentes, que se apresentam em vilarejos do interior da França para
conseguir alguns trocados. Então Tiny (Norman Mitchell), um misto de músico e
assistente do Maestro Pamponi, é incumbido de ir caçar para tentar providenciar
algo para a janta, uma vez que o grupo acamparia na floresta durante noite. A
principio, Tiny é bem sucedido, abatendo uma lebre. Mas antes que ele possa
recolher sua caça, um menino (Mark Weavers) surge da mata, pega o animal e
passa a devorá-lo. Quando tenta fugir, acaba recebendo um tiro na perna
disparado por Tiny, que depois de uma breve luta, acaba arrastando-o para o
acampamento. Com poucos escrúpulos, o Maestro Pamponi decide usar o selvagem
garoto como uma das atrações de seu bizarro espetáculo mambembe, apresentando-o
em uma jaula como “O Garoto-lobo”.
Com o
passar dos anos, o garoto vai se familiarizando com o convívio de Pamponi e sua
turma, e com isso vai ficando mais civilizado (mas não muito), e passa a
participar também de outras atrações do espetáculo, fazendo acrobacias. No auge
da juventude, Etoile (David Rintoul), como foi batizado, já quase não se
assemelha mais com aquele menino agressivo e animalesco que era na época em que
foi encontrado pelos artistas. Porém,
junto com a juventude, com o aflorar de novos sentimentos e emoções, também
passou a ter vazão em Etoile o seu lado animalesco que estava reprimido e
adormecido em seu interior. Dessa forma, em uma noite, enquanto dormia sob o
luar, o rapaz se transforma em lobisomem e rasga a garganta de seu amigo Tiny.
Ao ser descoberto, na manhã seguinte, acaba abandonando apavoradamente o grupo
de Pamponi, e foge para Paris. Como se pode ver, aqui está mais uma semelhança
entre “A Lenda do Lobisomem” e “A Maldição do Lobisomem”, já que em ambos os
filmes a explicação para a origem da criatura licantrópica é obscura, incerta e
muito pouco convincente. Pelo visto, nas décadas de 1960 e 1970 esse tipo de
detalhe não era considerado lá muito relevante.
Ao chegar
na periferia de Paris, Etoile logo é atraído para um pequeno e precário jardim
zoológico que funciona nas imediações, mais especificamente pela jaula dos
lobos, com os quais logo faz amizade. É então que aparece o zelador do
zoológico (Ron Moody), um velho beberrão e solitário, que convida Etoile para
ficar no zoológico, trabalhando na limpeza e no trato dos animais. Sem muitas
opções, o rapaz aceita. Surge então um grupo de prostitutas que trabalha em um
bordel localizado nos proximidades, e que frequentemente vem até o zoológico
passear e dar comida para os bichos. Entre as moças, se destaca Christine (Lynn
Dalby), que logo desperta a paixão do jovem Etoile.
Os dias
passam e Etoile é constantemente repelido por Chistine, que diz querer apenas
manter uma amizade com ele. Então, quando a lua cheia volta a surgir, o rapaz
se transforma novamente em lobisomem e começa a fazer vítimas pelas redondezas,
se esgueirando pelos becos e galerias de esgotos, atacando clientes do bordel,
mendigos e prostitutas.
Somente
depois já ter transcorrido mais de meia hora de filme é que surge em cena o
Professor Paul (Peter Cushing), que trabalha no necrotério local, e com sua
perspicácia nas autópsias ajuda a polícia a desvendar diversos crimes. Quando
os corpos mutilados das pessoas atacadas pelo lobisomem começam a chegar no
necrotério, as suspeitas do Prof. Paul e seus assistentes recaem inicialmente
sobre possíveis (porém inusitados) ataques de um lobo. Intrigado, o professor
começa a empreender uma investigação por conta própria, e sabendo que a
presença de um lobo em plena Paris é algo muito remoto, acaba chegando até o
zoológico onde trabalha Etoile, para se certificar de que nenhum animal fugiu
de lá. Mesmo recendo uma resposta negativa, o enxerido professor continua
rondando e investigando pelas redondezas, e à medida que os crimes se sucedem a
cada lua cheia, começa a ganhar força a ideia de que algo muito pior do que um
lobo anda atacando os andarilhos solitários nas escuras ruas da periferia de
Paris. Dessa forma, um encontro entre o Professor Paul e o lobisomem não
tardará a acontecer.
De uma
maneira geral, “A Lenda do Lobisomem” é um filme que tem muito mais acertos do
que erros. A caracterização do monstro é condizente com o que se fazia na
época, e as transformações utilizam os já conhecidos métodos de sobreposição e sequência de cortes de imagem. Apesar da limitação de recursos, a ambientação
do filme também ficou satisfatória, retratando a periferia de Paris como ela
realmente deve ter sido no século XIX, degradada, suja e sinistra, frequentada
em abundância por bêbados, mendigos e prostitutas. As atuações do elenco, se
por um lado estão longe de serem brilhantes, por outro não comprometem. O
diferencial, como era de se esperar, fica por conta de Peter Cushing, cujo
talento dispensa maiores comentários. As cenas em que o lobisomem aparece
atacando suas vítimas, apesar de curtas, também ficaram legais, com destaque
para a cena com o mendigo nas galerias do esgoto, próximo do final. E têm ainda
a trilha sonora, que na minha opinião, é uma das melhores já compostas para um
filme de lobisomem.
Porém, o
grande aspecto negativo do filme é a sua direção irregular. O filme começa
promissor, mostrando a primeira parte da história com dinamismo e eficiência.
Mas depois que Etoile chega a Paris, o filme fica lento, calcado basicamente em
diálogos (alguns enfadonhos), sendo entrecortados por algumas rápidas aparições
do lobisomem. Apenas nos 20 minutos finais é que a ação deslancha, fazendo com
que o filme se torne novamente empolgante.
NOTA: As críticas desta seção foram escritas
originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da
época.