26 de set. de 2023

CRÍTICA DO FILME: BIG BAD WOLF - A FERA ASSASSINA

 

Por André Bozzetto Jr

 

            É impressionante como existem filmes capazes de despertar sentimentos extremos e opostos na plateia que os assiste. Alguns elogiam, ressaltam as virtudes da obra e se declaram seus fãs, enquanto outros a denigrem e até se irritam com os que ousam elogiar o trabalho por eles odiado. Nos deparamos com situações assim todos os dias, seja nas redes sociais ou em qualquer outro lugar onde um grupo de aficionados se encontre para debater sobre filmes.  São os casos em que se convencionou rotular de “ame ou odeie”, uma vez que não costuma haver meio-termo nessas circunstâncias. E exemplos não faltam, em especial entre os gêneros de horror e suspense. Se formos fazer uma espécie de retrospectiva, poderíamos iniciar pela década de 1980 e citar o controverso “Cannibal Holocaust”, tido por alguns como um filme ousado, inovador e chocante, enquanto para outros não passa de uma obra extremamente apelativa e de mau-gosto. Na mesma década temos os filmes da franquia “Sexta-feira 13”, capazes de despertar paixões extremas em uma imensa legião de fãs, na mesma proporção em que estimula outros a ressaltar suas falhas e classifica-los como toscos e desprezíveis. Na década de 1990 temos “Pânico”, visto por alguns como um filme revolucionário e “salvador da lavoura” do cinema de horror, enquanto outros o classificam como um filme simplório, que apenas repete todos os clichês já vistos em slasher-movies elaborados ao longo das décadas anteriores. Na década atual, talvez tenhamos mais exemplos do que nunca, com os filmes orientais sobre fantasmas vingativos (e seus sucessivos remakes americanos), como “O Chamado”, “O Grito” e “Espíritos”, que apavoram e empolgam uma grande quantidade de admiradores, enquanto enfurecem e provocam atitudes de deboche em outra grande parcela de espectadores. Poderíamos citar ainda como exemplos de obras que “se ama ou se odeia” os filmes do cineasta e músico Rob Zombie (“A Casa dos 1000 Corpos”, “Rejeitados pelo Diabo” e “Halloween 2007”) que sempre geram discussões acaloradas quando entram em pauta. Enfim, a lista de exemplos poderia se estender durante muitas páginas.

            Não por acaso, o filme que é o tema desse artigo também se encaixa perfeitamente no grupo das obras mencionadas acima, pois tanto no exterior quanto aqui no Brasil (onde foi lançado em DVD com o ridículo título de “A Fera Assassina”, que prefiro nem utilizar) ele vem recebendo uma enxurrada de críticas e elogios quase que na mesma intensidade. Trata-se de “Big Bad Wolf”, filme de lobisomem lançado em 2006, roteirizado e dirigido por Lance W. Dreesen, de “A Casa do Terror Tract” (Terror Tract, 2000). Mas, “afinal, o que torna o filme tão controverso?” podem estar se perguntando alguns. É o que veremos a partir de agora.

            O filme inicia de forma muito promissora, mostrando Scott Cowley (Andrew Bowen) e seu amigo Kenge (Martin Dorsla) caçando em uma noite chuvosa nas selvas africanas. Por rádio eles se comunicam com Charlie Cowley (Christopher Shyer), irmão de Scott, que está não muito distante dali, e diz que seu parceiro de caçada simplesmente desapareceu e agora ele está ouvindo barulhos assustadores na mata. Scott e Kenge também passam a ouvir barulhos sinistros nos arbustos que os circundam e não tarda para que sejam atacados por uma enorme e monstruosa criatura. Kenge é morto rapidamente e Scott tem sua perna brutalmente arrancada pelo monstro. Nesse instante, Charlie surge e alveja o monstro, que corre para o interior da floresta. Mas já é tarde para salvar Scott, que acaba morrendo nos braços do irmão.

            A ação corta para sete anos depois, quando Derek Cowley, filho do falecido Scott, está fazendo uma cópia da chave de um chalé pertencente ao seu padrasto Mitchell Toblat, onde ele pretende dar uma festa para convencer um grupo de colegas da faculdade a lhe aceitarem numa fraternidade. Aqui cabe destacar que o ator que interpreta Toblat é ninguém menos do que Richard Tyson, canastrão que já atuou em mais de 50 filmes, dos mais variados gêneros, e que foi imortalizado pelo personagem do temível bad boy Buddy Revell, no divertidíssimo “Te pego lá fora” (Three O’Clock High, 1987), filme de enorme sucesso na década de 1980 e que se tornou um clássico da “Sessão da Tarde” tendo sido exibido e reprisado uma infinidade de vezes na TV brasileira.

            Entre o grupo que vai participar da festa no chalé estão dois casais formados por Jason (Adam Grimes) e Alex (Jason Alan Smith), dois manés metidos a gostosões que só pensar em transar e encher a cara, e suas respectivas namoradas, a interesseira Cassie (Sarah Smith) e a bobinha Melissa (Robin Sydney). A contragosto, também vai com eles a motoqueira Sam (Kimberly J. Brown), melhor amiga de Derek e ostentadora de um visual rocker, com muito couro, piercings e maquiagens pesadas. Depois de horas dirigindo sem conseguir encontrar o chalé, o grupo para na beira da estrada para auxiliar um velho que está tendo problemas com sua camionete. Sam, que é mecânica, logo identifica o defeito e resolve o problema. Em retribuição, os jovens pedem para que o velho lhes indique o caminho para o chalé, e este o faz, mas não sem antes dar os tenebrosos avisos corriqueiros nesse tipo de filme, como “vocês não deveriam ir para lá” e “quando anoitecer não saiam do chalé”. Sem dar muita importância para as palavras do sujeito, o grupo segue o caminho indicado e chegam ao chalé quando a lua cheia já está brilhando no céu.

            A festinha então tem início, e como manda a tradição, é movida por muita bebida, música alta e insinuações eróticas. Apenas Derek e Sam se encontram entediados e sem disposição para o agito.Um ponto interessante a ser destacado até aqui, é que o filme vai se desenvolvendo com um clima que de cara me lembrou o clássico “Um Lobisomem Americano em Londres”, onde tudo acontece em meio a uma leve dose de humor, mas ao mesmo tempo vai acrescentando em seu decorrer uma tensão sutil, porém crescente, que deixa o espectador com aquela sensação de algo ruim irá eminentemente ocorrer em breve. Em certa altura, Alex e Melissa decidem dar um passeio ao luar e o aconchego de uma grande árvore acaba se revelando um lugar propício para uma transa. No quarto do chalé, Jason e Cassie também estão às voltas com as mesmas ideias, embora para o desespero do rapaz, tudo que ele consegue da namorada é uma sessão de sexo oral. Então temos a primeira das cenas que realmente confirmam a intenção do diretor Dreesen em fazer uma divertida homenagem a “Um Lobisomem Americano em Londres”, no momento do primeiro ataque do monstro ao grupo de jovens, onde os enquadramentos, a sequência e a edição das cenas foram montadas de forma idêntica ao primeiro ataque visto na obra de John Landis: Alex e Melissa percebem que alguma coisa está os espreitando e os cercando na escuridão e decidem voltar para o chalé o mais rapidamente possível. Quando começam a andar, Alex cai no chão (com as calças nos tornozelos!) e quando Melissa se volta para observá-lo é subitamente atacada pelo monstro, de forma rápida e brutal. Alex consegue correr para o chalé, mas o lobisomem o segue e rapidamente comete um grande massacre, com direito a mutilações, sangue e tripas para todos os lados e até uma incômoda cena de castração! Para se ter uma ideia da crueldade do lobisomem, ele ainda estupra Cassie antes de rasgar a garganta da moça com suas garras! A muito custo, apenas Derek e Sam conseguem fugir do massacre.

            Na hora da dupla prestar depoimento na delegacia, temos a segunda e definitiva homenagem a “Um Lobisomem Americano em Londres”, quando entra em cena o ator David Naughton, astro do filme de John Landis, e que aqui faz uma participação especial de poucos minutos, interpretando o xerife Joe Ruben. Tudo isso acontece nos primeiros 25 minutos de filme. Desse ponto em diante, Derek e Sam passam a investigar o caso na tentativa de descobrir a identidade do lobisomem, e as suspeitas logo recaem sobre Mitchell Toblat, o padrasto do rapaz, uma vez que Sam viu o carro dele estacionado nas imediações do chalé na noite dos assassinatos. Depois que Charlie Cowley, tio de Derek, aparece trazendo sua própria carga de suspeitas sobre Mitchell, a investigação se torna mais intensa e mais perigosa, uma vez que o lobisomem não está nem um pouco a fim de ser pego. Também se envolvem no caso um grupo de estudantes e aspirantes a jornalistas, que ficam tentando realizar um documentário sobre o massacre do chalé e não param de seguir Derek e Sam. Na verdade, podemos identificar aqui mais uma homenagem aos filmes dos anos 80, pois em “Te pego lá fora”, também protagonizado pelo ator Richard Tyson, havia um grupo idêntico, que ficava tentando fazer um documentário sobre a badalada luta do malvado Buddy Revell na saída da escola. A conclusão da história vai levar todos de volta ao chalé, de onde muito poucos sairão com vida.

            Mas então, afinal de contas, porque tanta gente considera o filme ruim? Em primeiro lugar, porque levam o filme muito a sério, quando na verdade nem ele próprio faz isso. “Big Bad Wolf” é um filme que segue os moldes da grande maioria das obras concebidas ao longo da década de 1980, misturando terror e humor, e que por si só não devem ser levadas a sério, como é o caso, por exemplo, de “A Hora do Espanto”, “A Volta dos Mortos-vivos” e o supracitado “Um Lobisomem Americano em Londres”. Seriedade e coerência certamente não são os elementos predominantes desses filmes, mas isso não faz com que eles deixem de ser extremamente divertidos. E com “Big Bad Wolf” não é diferente.

            Porém, na visão daqueles que abominam essa obra, o maior problema parece ser mesmo o lobisomem. Muitos dizem que a caracterização do monstro é muito tosca, e em partes isso é verdade. Com certeza, o licantropo desse filme não se compara aos de “Grito de Horror” ou de “Um Lobisomem Americano em Londres”, mas isso não é justificativa suficiente para desmerecer a obra, uma vez que os lobisomens de filmes como “Cães de Caça” e “Possuída”, também deixam bastante a desejar em termos de caracterização, e mesmo assim a grande maioria dos fãs de filmes das criaturas licantrópicas consente que se trata de trabalhos muito divertidos e marcantes. Mas o detalhe que mais desperta o ódio nos detratores do filme é o fato de que o lobisomem fala. Isso mesmo, ele fala! E isso torna o filme ruim? Pra mim não. Primeiro, porque não está escrito em nenhum lugar que os lobisomens não possam falar. Ao longo do tempo, os lobisomens usaram roupas (“O Lobisomem”, “O Lobisomem de Londres”), se transformavam quando bem entendiam, inclusive de dia (“Grito de Horror”), foram quadrúpedes (“Um Lobisomem Americano em Londres”), se transformavam de forma progressiva e permanente (trilogia “Possuída”) e tiveram inúmeras outras variações. Era questão de tempo até alguém ter a ideia de acrescentar essa “inovação”, mesmo que isso não signifique lá grande coisa. Até porque, as coisas que o lobisomem fala se resumem a ameaças irônicas e debochadas, no melhor estilo Freddy Krueger, o que acaba realçando a crueldade do mostro. Por exemplo: no inicio, quando alguns personagens estão trancados no chalé, com o lobisomem pelo lado de fora, ele grita “Porquinhos, porquinhos...abram a porta e me deixem entrar ou eu mesmo irei derruba-la!”. Em outro momento, uma turma de jovens foge do monstro e se tranca em um certo aposento. Ao chegarem lá, se dão conta que uma das moças ficou para trás. Então, pode-se ouvir a voz do lobisomem gritando: “Podem se esconder, que eu irei achar vocês! Mas antes vou me divertir um bocado com essa loirinha que vocês perderam no caminho!”. Em seguida, ouve-se os gritos desesperados da pobre garota. Enfim, na minha humilde opinião, o fato do monstro falar não prejudica o filme em absolutamente nada.

            Além disso, o diretor Dreesen se mostrou corajoso ao incluir no seu filme muito gore, com sangue e tripas em profusão, cenas de mutilação, esquartejamento, castração e violência psicológica, misturando a isso doses significativas de sexo, já que temos duas cenas onde personagens aparecem fazendo sexo oral, além da já mencionada cena de estupro e uma outra transa mais “convencional”. Ou seja, não se trata de um filme feito para qualquer público, mas sim para os já iniciados no gênero.

            “Big Bad Wolf” ainda tem outras virtudes, como o fato de todas as atrizes, sem exceção, serem bonitas e sensuais, possuiu uma trilha sonora muito legal, e ainda ganha pontos pelo final extremamente irônico e condizente com o restante do filme, e que deixa o gancho para uma eventual sequência, embora, se isso vier de fato a acontecer, deverá conduzir a história sob outra perspectiva.

            Para finalizar, recomendo que assistam ao filme e decidam se farão parte do grupo que ama ou do grupo que odeia essa obra. De minha parte, pertenço ao primeiro grupo, uma vez que considero “Big Bad Wolf” não apenas um dos melhores filmes de lobisomem feitos na década atual como também uma divertidíssima obra de terror em termos gerais.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.           

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