18 de set. de 2023

CRÍTICA DO FILME: LUA NEGRA


 

Por André Bozzetto Jr

 

            Lembro que assisti este filme pela primeira vez em VHS, no final de 1996, e uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foi a inexplicável opção nacional pelo título de “Lua Negra” quando a versão original em inglês é “Bad Moon” e, portanto deveria ser traduzida como “Lua Má”, que além de mais fiel, também me parece soar melhor e ser mais representativo tendo por base o teor da história. A segunda vez que o assisti foi um ou no máximo dois anos depois, quando ele passou no canal de televisão aberto SBT com o intrigante nome de “Bad Moon – Na lua cheia” e mais uma vez fiquei contrariado com a falta de fidelidade ao nome da obra original. Mas, deixando a questão dos títulos de lado, lembro que em ambas às circunstâncias julguei o filme como sendo fraco e nada memorável. Mais havia um motivo para isso, e só agora me dou conta: eu estava sofrendo de um mal que, na falta de uma opção melhor, vou chamar de “percepção viciada”, cujo principal sintoma é assistir um filme sempre o comparando de forma rigorosa com outro do mesmo gênero. Nesse caso, o filme que era tomado como paralelo comparativo era “Um lobisomem americano em Londres”, que considero não apenas como o melhor filme de lobisomem já feito como também um dos melhores que já assisti em toda minha vida, englobando todos os gêneros. E assim, logicamente, ficou difícil para o “Lua Negra” me agradar, uma vez que até hoje não encontrei outro filme que se equiparasse com o clássico de John Landis, e, obviamente, não seria a modesta obra de Eric Red que atingiria tal meta.

            Bem, depois dessa introdução divagante, vamos ao que interessa: a análise do filme propriamente dita. “Lua Negra” foi roteirizado e dirigido por Eric Red, conforme já mencionado, e para quem não se lembra dele, podemos citar como informação adicional o fato de ele ter feito um relativo sucesso como roteirista na década de 1980, tendo criado os enredos de clássicos da época, como “A morte pede carona” e “Quando chega a escuridão”. No início dos anos 1990, Red também escreveu o roteiro e dirigiu o viajante e violento “Anatomia de um assassino”, que foi exibido e reprisado várias vezes no saudoso Cine Trash da Band. O roteiro de “Lua Negra” foi baseado no livro “Thor”, de Wayne Smith, que mostra a história através do ponto de vista do pastor alemão que dá nome ao livro. Sobre o elenco, o que podemos dizer é que ele é bem reduzido e composto basicamente por atores que na época eram vistos como promessas a astros, mas que com o tempo não foram capazes de fazer suas carreiras decolar. Os melhores exemplos são o garoto Mason Gamble, que surgiu com a clássica adaptação infantil dos desenhos animados “Dennis, o Pimentinha”, mas que atualmente se dedica a fazer pontas em série de TV, e também o protagonista Michael Paré, que atuou em alguns filmes de ação antes de “Lua Negra”, depois ficou basicamente atuando em séries televisivas e atualmente parece ter caído nas graças do famigerado diretor Uwe Boll, que o escalou para atuar em filmes como “BloodRayne”, “BloodRayne II” e “Alone in The Dark II”.

            Quanto ao roteiro, ele é simples e eficiente, sucinto a ponto de fazer com que o filme tenha apenas 80 minutos de duração. O trabalho de direção é igualmente simples e não menos eficiente, com destaque para algumas boas passagens destinadas a criar um clima de suspense é as ótimas cenas de ação envolvendo o lobisomem.

            O filme começa com uma bela imagem de uma floresta isolada no interior da Indonésia, onde o casal de fotógrafos Ted (Michael Paré) e Marjorie (Johanna Marlowe) se preparam para se recolher à sua barraca em um acampamento cercado por nativos indonésios recrutados como assistentes. A lua cheia já desponta no céu enquanto o casal transa em sua barraca, em uma cena de nudez gratuita bem ao melhor estilo anos 80. Nesse meio tempo, algo se aproxima pela mata, e deixa os cavalos desesperados a tal ponto que conseguem romper as cordas que os mantinham presos e fogem em disparada pela floresta. A maior parte dos ajudantes da expedição sai correndo atrás dos animais, deixando apenas um para trás, que logo é atacado por algo vindo detrás das árvores. Ted e Marjorie continuam fazendo amor sem tomar conhecimento de nada, até que a sombra de algo gigantesco e monstruoso surge por detrás da barraca. Em um ataque extremamente violento, um lobisomem invade a tenda, fere Ted e o arremessa para longe, enquanto estraçalha a moça que grita desesperadamente. Rastejando, o fotógrafo consegue pegar um rifle que se encontra próximo a uma mesa e dispara um tiro que explode a cabeça do monstro. É depois dessa empolgante introdução que entram os créditos iniciais. Sabe-se que essa cena inicial foi concebida por Red para ser ainda mais longa e violenta, contando também com cenas de sexo mais explícitas, mas devido à censura ou a preocupação dos produtores com as possibilidades comerciais do filme, acabou sendo reduzida e simplificada até ficar da maneira que está no filme. Inclusive, essa versão estendida do começo da obra pode ser encontrada na internet sem maiores dificuldades.

            Em seguida, através de um corte espaço-temporal, a ação se desloca para uma bela casa campestre nas imediações de uma pequena cidade no interior dos EUA, onde conhecemos Janet (Mariel Hemingway), uma advogada recém chegada de Chicago, seu filho Brett (Gamble) e Thor, o esperto cão de estimação. Nesta cena também aparece um vendedor de livros charlatão, que provoca Thor a fim de fazer com que o cachorro o agrida, com o objetivo de posteriormente pedir dinheiro para Janet em troca de não processá-la por negligência no ataque do animal. Mas como ele está lidando com uma advogada astuta, acaba tendo que ir embora sem um tostão, mas ameaçando voltar para se vingar. Essa passagem tem a clara intenção de mostrar o quanto Thor é protetor em relação aos donos e também introduzir o personagem do vendedor, que mais tarde terá a péssima ideia de retornar em busca de vingança justamente numa sinistra noite de lua cheia.

            Na sequência, presenciamos uma disparatada cena noturna, onde um engenheiro florestal, ou algo que o valha, anda pela mata no meio da noite medindo o diâmetro das árvores. A esfarrapada desculpa para algo tão inusitado é dada através das reclamações do próprio personagem, que diz que ao trabalhar até altas horas ganha “o adicional noturno”. Logo o sujeito se vê perseguido por uma criatura feroz e não tarda à virar comida de lobisomem.

            No dia seguinte, Janet recebe uma ligação de seu irmão Ted, o fotógrafo do início do filme, que convida ela e Brett para visitá-lo em seu trailer, que se encontra estacionado na margem de um grande lago. A visita transcorre agradavelmente, mas Janet repreende Ted por ter ligado para ela apenas agora, uma vez que ele já havia voltado da Indonésia há três meses. O fotógrafo também conta que não está mais com a namorada Marjorie, mas não dá detalhes sobre o que aconteceu a ela. Enquanto isso, Thor está dando um passeio pela mata, nas imediações do local onde está o trailer, e avista sobre uma árvore os pedaços do cadáver do engenheiro florestal morto na noite anterior. Junte a isso um livro sobre licantropia que Brett encontra escondido em meio aos apetrechos do tio, e pronto, mesmo o mais desavisado dos espectadores entende que, após ser atacado na Indonésia, Ted também passou a se transformar em lobisomem, e agora anda fazendo vítimas pela região.

            Depois de retornar para casa, Janet recebe uma nova ligação de Ted, dizendo que gostou muito da visita e que, conforme a vontade da irmã, está indo passar uns dias com ela e Brett. O fotógrafo alega o bem-estar proporcionado pela proximidade com a família como sendo a principal razão para sua decisão, mas vemos também que ele está assustado pela presença de policiais na região, devido à descoberta do corpo do engenheiro florestal. Tão logo chega a casa de Janet, Ted passa a ser progressivamente hostilizado por Thor, que devido aos seus instintos caninos, percebe algo de ameaçador no sujeito. Durante as primeiras noites, o fotógrafo se esconde na floresta e algema-se nas árvores para não atacar ninguém quando se transforma em lobisomem, mas com o passar dos dias, as coisas vão ficando cada vez mais complicadas até o ponto em que o monstro fica à solta, pondo em risco a vida de todos que cruzarem seu caminho.

            Este é o enredo básico do filme, e como se pode ver, é realmente bastante simples. Acredito que um dos principais méritos do diretor Eric Red é justamente fazer uso apropriado dessa simplicidade, construindo de forma eficiente a relação entre os personagens e dando o devido destaque para o lobisomem, que ao contrário da maioria dos outros filmes do gênero, aqui é mostrado de modo claro e direto. Entendo que isso ocorra principalmente pelo fato de que a concepção do lobisomem é algo realmente excelente e ficou a cargo de uma equipe comandada pelo experiente Steve Johnson, responsável pelos igualmente ótimos efeitos das criaturas do filme “Grito de Horror IV – Um arrepio na noite” e também de obras como “A volta dos Mortos-vivos III”, “Cemitério Maldito II” e “A Hora do Pesadelo IV”. Também é interessante mencionar que Johnson foi assistente de Rick Backer na produção dos efeitos especiais de “Um lobisomem americano em Londres”, o que demonstra que ele teve uma formação mais do que apropriada para trabalhar em filmes do gênero. E, de fato, na minha humilde opinião, o lobisomem de “Lua Negra” é o melhor que já vi em um filme sobre criaturas licantrópicas: um monstro bípede, de cerca de 2m de altura, cinzento, forte e voraz. Tudo isso concebido através de efeitos de maquiagem bem elaborados e convincentes, de forma que, mesmo nas cenas de ação, onde o lobisomem corre, salta ou luta com o cachorro Thor, ainda assim se mostra verossímil, algo poucas vezes alcançado em outros filmes similares.

            Sobre a cena de transformação, sempre tão aguardada pelos fãs desse tipo de filme, o que posso dizer é que ela é um tanto irregular, mesclando alguns ótimos efeitos de maquiagem com outros feitos em computação gráfica que, como de costume, deixam bastante a desejar. De uma maneira geral, a transformação não está à altura do lobisomem em si, que depois de completamente metamorfoseado possui um visualmente realmente arrasador.

            Acredito que apenas a possibilidade de ver em ação um lobisomem tão bem feito já seria motivo suficiente para recomendar o filme, mas “Lua Negra” tem outros aspectos positivos, como a boa atuação do elenco e em especial de Michael Paré, que convence no papel de um homem deprimido e atormentado por uma maldição da qual ele não sabe como se livrar e que progressivamente vai pondo a perder tudo que ele ama. Outra coisa legal foi a homenagem ao clássico “O Lobisomem de Londres”, de 1935, que Brett aparece assistindo na TV em um determinado momento. Temos ainda a já mencionada cena de abertura, que considero um dos pontos altos do filme, e também o último e empolgante ataque do monstro onde boa parte da casa de Janet foi destruída. As imagens de um lobisomem gigantesco correndo por dentro dos cômodos apertados de uma casa, trombando e destruindo tudo que vem pela frente de forma furiosa é algo a ser lembrado para qualquer possível antologia de melhores momentos de filmes sobre criaturas licantrópicas.

            Mas apesar dos méritos, “Lua Negra” também tem seus evidentes defeitos. Não há como não se irritar ao ver o enorme tempo que é preciso para Janet se dar conta de que existe algo de muito errado com o irmão, pois a impressão que temos no início do filme é que ela é uma mulher muito inteligente e perspicaz. Igualmente, não parece fazer muito sentido para a lógica da história a afirmação de Ted de que os lobisomens podem se transformar com qualquer lua, uma vez que sempre que o monstro aparece o diretor faz questão de mostrar uma enorme lua cheia brilhando no céu. Por fim, o que mais me desagrada nessa obra é ver as grandes dificuldades enfrentadas pelo lobisomem nas cenas em que ele luta com o cachorro Thor, pois, sob a minha ótica, um monstro de enorme envergadura como aquele deveria ser capaz de partir um cão ao meio com um ou dois golpes, diferentemente daquilo que é mostrado no filme. Mas, obviamente, isso é só uma questão de ponto de vista sobre um detalhe específico da obra, que em nada denigre os méritos de sua totalidade.

            Após essa longa análise, motivada por uma observação do filme de forma menos negativamente engajada do que nas primeiras vezes que o assisti, não apenas passei a encarar o filme de Eric Red de forma muito mais positiva, como ainda arrisco afirmar que, embora não possua o brilhantismo da trinca de clássicos da década de 1980 (“Um lobisomem americano em Londres”, “Grito de Horror” e “A Hora do Lobisomem”), ainda assim “Lua Negra” é o melhor filme de lobisomem dos anos 1990. Quem é fã do gênero poderá olhar em retrospectiva para os filmes realizados nessa década e verá que, além deste, as únicas produções portadoras de maior destaque foram “Lobo” (1994), de Mike Nichols e “Um lobisomem americano em Paris” (1997), de Anthony Waller, de forma que quem conhece tais obras provavelmente irá me dar razão.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.

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