12 de set. de 2023

CRÍTICA DO FILME: DOG SOLDIERS - CÃES DE CAÇA

 

Por André Bozzetto Jr

 

            Imagine que você é o líder de um grupo de seis soldados num exercício de rotina do exército... E que algo sai terrivelmente errado. Você está atrás das linhas inimigas.Seus homens são inexperientes. E você não tem munição de verdade. Isolados na mais deserta e hostil escuridão. Que são iscas numa armadilha montada por forças governamentais. Imagine que o sol começa a dar lugar a uma enorme lua cheia. Que uivos arrepiantes podem ser ouvidos ao longe. Imagine que a sensação de que, a qualquer momento, vocês podem ser atacados por lobos assassinos está cada vez mais latente...

 

            Essa é a sinopse oficial do filme “Dog Soldiers – Cães de Caça”, uma produção inglesa de 2002, dirigida e roteirizada por Neil Marshall. Em um primeiro momento, o espectador mais desavisado pode achar esse resumo pouco atraente, e quem sabe até cometer o erro de julgar a obra desinteressante. Porém, a realidade nos mostra justamente o contrário: “Cães de Caça” não só é um dos melhores filmes de lobisomens concebido após “Um Lobisomem Americano em Londres” como também consiste num dos melhores filmes de terror de sua época. O ponto mais empolgante dessa obra é a surpreendente atuação do elenco (tão bom quanto desconhecido), que confere aos soldados uma condição de desespero e transtorno tão realistas que se torna quase impossível não se deixar envolver. É claro que o diretor tem grande mérito nesse quesito, pois soube criar com muita propriedade um clima sombrio, denso e instável, que deixa o espectador o tempo inteiro em estado de alerta para alguma iminente surpresa.

            Certamente, outro aspecto que contribui para o resultado final desse filme ser tão satisfatório, é o dinamismo do roteiro, que apesar de possuir algumas facetas mais complexas (evidenciadas através dos diálogos), se desenvolve de forma bastante dinâmica, não deixando o pique cair em nenhum momento. Basicamente, o que temos é um grupo de soldados despreparados, mal equipados, assustados e feridos tentando a todo custo se defender do ataque de um grupo de lobisomens em meio a uma floresta distante e isolada. Não vou entrar em detalhes sobre as reviravoltas na trama e as “revelações” de certos personagens para não estragar a surpresa de quem ainda não assistiu. Mas posso assegurar que tudo é mais grave e difícil do que parece ser.

            Como destaque, eu diria que toda a primeira metade do filme é digna de méritos. Desde os súbitos ataques dos lobisomens até a correria desesperada dos soldados em meio a mata, tudo é registrado de forma fantástica. O diretor Neil Marshall conseguiu um excelente resultado ao mesclar cenas de violência extrema e explícita com outras mais sugestivas e indiretas. Inclusive, em alguns momentos a exposição de sangue e vísceras é tamanha, que nos leva a deduzir que a equipe responsável pelos efeitos deve ser fortemente influenciada pela antiga escola splatter italiana, ou pelo menos, grandes fãs de Tom Savini.

            A partir da metade do filme, quando os sobreviventes se trancam em um casarão deserto, os sustos se tornam um pouco menos frequentes, e a história passa a introduzir uma série de informações que ajudam a compreender o real significado da inusitada condição em que o grupo de militares se encontra. Mas como já foi mencionado anteriormente, em nenhum momento o filme se torna monótono, sendo que mesmo os momentos de aparente calmaria são quase sempre apenas uma deixa para pegar o espectador de surpresa antes de uma nova sessão de horror e desespero.

            Mas como nem tudo é perfeito, esse filme também possui alguns aspectos negativos impossíveis de não serem mencionados. Em primeiro lugar, aquele que costuma ser o maior problema de 99% dos filmes recentes de terror: o excesso de situações batidas e repetitivas em meio ao roteiro. Ao assistirem esse filme, certamente os fãs mais antigos irão identificar logo de cara situações que já foram vistas de forma bem semelhante em outros filmes, como “Grito de Horror”, “A Noite dos Mortos-vivos” e até mesmo no recente “Sinais”.

            Em relação a parte técnica do filme, chama a atenção o fato de que os movimentos de câmera e a sucessão de ângulos e enquadramentos se desenvolve de forma muito frenética, sendo que em alguns momentos a velocidade com que as imagens são exibidas e sucedidas é tão grande que fica até difícil distinguir com clareza o que está se passando. Talvez esse recurso tenha sido usado propositadamente pelo diretor com a intenção de desorientar o espectador, aumentando assim a sua condição de desconforto, ou também é possível que ele tenha feito isso simplesmente para não mostrar diretamente os lobisomens, deixando isso mais para o final do filme.

            Mas de qualquer forma, esses contrapontos não são suficientes para tirar os méritos dessa obra. E por falar nisso, é interessante notar que além de ser um grande filme, “Cães de Caça” também poderia ser visto com destaque por trazer de volta uma antiga tendência: Quando os europeus querem (em especial os ingleses e italianos), eles são capazes de produzir filmes tão bons ou até melhores que os americanos. Somente para citar um exemplo, é interessante lembrar que durante os anos 80 o cinema fantástico produzido nos EUA estava bastante direcionado para os chamados “terror adolescente”, onde não faltavam slashers a lá “Sexta-feira 13” e filmes de vampiros como “Garotos Perdidos”. Em meio a várias produções divertidas e interessantes, surgiam também inúmeras bombas, que mais pareciam comédias do que propriamente filmes de terror. Além do que, franquias de sucesso como “Halloween” e “A Hora do Pesadelo” começavam a ficar desgastadas, com filmes fracos e repetitivos, o que contribuía para a ideia de que, naquela década, o gênero ainda teria muito pouco a oferecer. E então o que foi que os ingleses fizeram? Apareceram em 1988 com “Hellraiser”, um filme extremamente violento, pesado, sádico e até pervertido em alguns aspectos. Todo mundo sabe que esse filme fez grande sucesso, iniciando uma longa franquia e servindo como referência para toda uma nova onda de filmes que surgia, dessa vez voltando a apostar em temáticas mais “sérias”. E isso sem falar nos filmes italianos, especialistas em zumbis e canibais, mas que infelizmente nunca obtiveram o reconhecimento que mereciam.

            Para finalizar esse artigo, fica o pesar por “Cães de Caça” não ter sido exibido nos cinemas brasileiros, pois é bastante provável que com uma boa divulgação ele pudesse ter tido um ótimo desempenho nas bilheterias. Potencial para isso com certeza ele tem.

        Aqui no Brasil, a “Play Arte” lançou “Cães de Caça” diretamente em DVD e VHS. Não deixe de assistir.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.           

 

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