6 de set. de 2023

CRÍTICA DO FILME: GRITO DE HORROR

 

Por André Bozzetto Jr

 

       Peça para todos os fãs de filmes de lobisomem que encontrar para que elaborem uma lista com os melhores filmes do gênero, e eu seria capaz de apostar que em todas aparecerão três nomes, muito provavelmente nas primeiras posições: “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981) de John Landis, “A Hora do Lobisomem” (1985) de Daniel Attias (cuja exibição na TV se deu sob o título de “Bala de Prata”, tradução literal do título original) e “Grito de Horror” (1981) de Joe Dante. Certamente, tal lembrança é mais do que justificável, uma vez que estes filmes formam a “trinca de clássicos” que representa o que de melhor foi produzido dentro do ciclo de filmes de lobisomem da década de 1980. Além disso, todos foram exibidos e reprisados exaustivamente pelo canal de televisão SBT entre o final da década de 1980 e início da de 1990, fazendo com que ficassem bem vivas as lembranças desses filmes na memória de toda uma geração, como representantes de um período em que passavam filmes de terror na TV aberta quase que diariamente. Uma saudosa época que se foi e não volta mais.

       De qualquer forma, enquanto “Um Lobisomem Americano em Londres” marcou época com o brilhantismo de seus efeitos especiais e a empolgante mistura de terror e humor negro e “A Hora do Lobisomem” se destacou pelo envolvente suspense do enredo elaborado pelo ídolo Stephen King, “Grito de Horror” também traz consigo uma série de méritos, entre eles, o fato de ter sido o primeiro exemplar deste ciclo oitentista de filmes tratando das criaturas licantrópicas, e a inovadora abordagem conferida aos lobisomens, que, por um lado, expunham horrenda selvageria e brutalidade, e por outro, emanavam mistério e uma considerável dose de sensualidade.

       O roteiro de “Grito de Horror”, escrito por John Sayles (“Piranha”, “Alligator – O Jacaré Gigante”) e Terence Winkless, consiste em uma adaptação do livro “The Howling”, de Gary Brandner, e começa mostrando uma intrincada operação conjunta entre uma emissora de televisão e a Polícia, no intuito de dar cobertura a uma famosa jornalista chamada Karen White (Dee Wallace Stone) que irá se encontrar com um misterioso serial-killer que se identifica apenas como Eddie (Robert Picardo) e que tem espalhado o pânico pela cidade esquartejando suas vitimas nas noites de lua cheia. O encontro acontece em um sex shop de um bairro barra-pesada, mais especificamente dentro de uma cabine de projeção de filmes pornô. Lá, o maníaco se revela literalmente fascinado pela jornalista, dizendo que ela é “uma mulher especial”, e que por isso merece ver “algo” que ele tem para lhe mostrar. Então Karen vê algo horrendo acontecer em meio à escuridão da cabine, mas antes que ocorra algo ainda pior, uma dupla de policiais invade o local e mata o maníaco a tiros.

       Depois dessa macabra experiência, Karen fica muito traumatizada, e passa a sofrer com pesadelos e lapsos de memória que a impedem de trabalhar e põe até mesmo sua vida conjugal em uma situação delicada. Desesperada, decide acatar o aconselhamento do Dr George Waggner (Patrick Macnee), um psiquiatra que presta consultoria para a emissora em que trabalha, e parte com o marido Bill (Christopher Stone, que foi marido de Dee na vida real) para uma espécie de clinica terapêutica conhecida como “A Colônia”, localizada em uma afastada área florestal, onde se submeterá ao acompanhamento psiquiátrico do próprio Dr Waggner, proprietário da clínica.

       Paralelamente, Chris (Dennis Dugan) e Terry (Belinda Balaski), um casal de reportes colegas de Karen, desenvolvem uma ampla investigação sobre a trajetória do serial-killer Eddie, e a medida em que fazem surpreendentes e assustadoras descobertas, começam a desconfiar que ele fosse algo mais do que um simples psicopata. Tais desconfianças ficam ainda maiores quando o corpo de Eddie simplesmente desaparece do necrotério onde se encontrava.

       Nesse meio tempo, Karen e Bill são recebidos pelos frequentadores da Colônia e não tardam a perceber que são pessoas tão simpáticas quanto bizarras. As coisas começam a piorar quando Bill é atacado por um estranho animal enquanto andava pelo bosque à noite, ao mesmo tempo em que passa a ser frequentemente assediado por Marsha (Elisabeth Brooks), uma mulher misteriosa e sedutora, apontada pelos demais como ninfomaníaca. Por sua vez, Karen passa a ficar amedrontada com os perturbadores uivos que ouve vindo da mata durante a noite, à medida que passa a estranhar cada vez mais o comportamento das pessoas que a cercam, inclusive o do próprio marido, que agora parece um tanto mudado. E falar mais sobre o roteiro seria estragar as surpresas que a trama reserva para quem for assistir ao filme pela primeira vez.

       O que se pode dizer com convicção é que “Grito de Horror” é um filme ousado e inovador, principalmente quando levado em consideração o ano em que foi produzido. Ousado porque não hesita em enfocar um dos pontos-chave da trama em uma inusitada e controversa cena de sexo. Também chama a atenção ao mostrar, de forma um tanto quanto crua, personagens desprezíveis, movidos apenas por sadismo e crueldade. Dentro desse contexto, também merece destaque o final, extremamente irônico, amargo e pessimista, que fecha perfeitamente com a proposta do filme.

       Em termos de inovações, destaca-se o fato de mostrar os lobisomens com pleno controle sobre o seu poder de metamorfose, podendo se transformar em monstro ou retroceder à forma humana no momento em que bem entendessem. Além disso, o visual adotado para as criaturas nesse filme também foi uma novidade, pois até o final da década de 1970 os lobisomens costumavam ser caracterizados ao estilo clássico imortalizado pela interpretação de Lon Chaney Jr, onde os monstros eram basicamente seres humanos, de roupa e tudo, apenas mais peludos e com presas e garras afiadas. Em “Grito de Horror” os lobisomens possuem uma anatomia bem mais animalesca, fazendo com que sua hibridização se assemelhasse muito mais ao lobo, embora de proporções monstruosas, do que ao homem. Essa tendência passaria a ser seguida na quase totalidade dos filmes de lobisomem produzidos a partir de então.

       E por falar no visual dos lobisomens, impossível não mencionar o surpreendente trabalho de maquiagem e efeitos especiais, tanto dos monstros em si como das cenas de transformações, que ainda nos dias atuais demonstram qualidade e esmero poucas vezes superadas, mesmo passados tantos anos de sua produção. Em relação a isso, existe uma história de bastidores muito comentada, sobre o fato de que o grande maquiador Rick Backer foi contratado para desenvolver os efeitos especiais do filme, mas após poucos meses de trabalho teve que abandonar a produção, pois recebera de John Landis a notícia de que o Estúdio Universal autorizara o desenvolvimento de “Um Lobisomem Americano em Londres”, e Backer já havia empenhado sua palavra com Landis, dizendo que se o projeto fosse autorizado ele estaria dentro. Então, Backer recebeu os créditos apenas pela função de “Consultor de Efeitos Especiais de Maquiagem”, enquanto o encarregado de por a mão na massa ficou sendo Rob Bottin, que a partir de então se consagrou como um dos profissionais mais requisitados da área, tendo posteriormente trabalhado em filmes clássicos e de grande sucesso como “Enigma do Outro Mundo” de John Carpenter, “A Lenda”, “Robocop”, “O Vingador do Futuro”, “Missão: Impossível”, “Clube da Luta”, entre outros.

       Também merece destaque o trabalho de direção, a cargo do cultuado Joe Dante (“Piranha”, “Gremlins”, ‘Gremlins 2”) que fez com que o filme mantivesse um ritmo bastante dinâmico, e arquitetou cenas memoráveis como a monstruosa transa ao redor da fogueira, o confronto no consultório da clínica, o incêndio no celeiro repleto de lobisomens e a cena final, no estúdio de TV, que na minha humilde opinião é antológica em se tratando de filmes de horror da década de 1980.

       Em relação ao elenco, além de Dee Wallace Stone, que participou de diversos filmes de horror e suspense, entre eles “Quadrilha de Sádicos” de Wes Craven, “Cujo”, “Criaturas”, “Alligator 2 – A Mutação”, “Popcorn” e o clássico infantojuvenil “E.T. O Extraterrestre” de Steven Spielberg, é válido citar também a participação do saudoso John Carradine, que atuou em mais de trezentos filmes ao longo de sua carreira, sendo que destes mais da metade foram obras de horror de baixo orçamento produzidos por estúdios como a Universal, onde Carradine se destacou interpretando o Conde Drácula em filmes da década de 1940, como “A Casa de Frankenstein” e “A Casa de Drácula”.

       Por fim, também me parece bastante interessante o fato de que em “Grito de Horror” os lobisomens não são vistos como meras máquinas de matar, pois é evidenciado todo um lado metafórico para a relação humanidade/selvageria, enfocando questões como a necessidade de evolução e o controle dos impulsos instintivos. A discussão na reunião no celeiro, próximo ao final do filme, é um bom exemplo dessa abordagem, nos mostrando que os lobisomens, além de despertarem nossos medos e habitarem nossos pesadelos, também podem nos instigar acerca da reflexão sobre a nossa própria existência.

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.

Nenhum comentário:

Postar um comentário