3 de jan. de 2021

RESSURREIÇÃO

 

Por André Bozzetto Junior

            Ele não tinha a menor ideia de quem eu era. Deve ter pensado que estava diante de uma mera patricinha esnobe que saiu da cidade grande para zanzar por uma região de caipiras brucutus. Por isso se mostrou tão confiante quando me raptou na saída do bar, quando me violentou sobre a relva úmida e quando bateu na minha cabeça com a chave de rodas que retirou do porta-malas de sua lata velha. Lembro do sorriso de escárnio no rosto dele enquanto me batia.  Embora estivesse desacordada, posso imaginar que foi com aquela mesma expressão asquerosa que ele me enterrou no meio do mato. Tudo isso aconteceu ontem, e o caipira nojento não faz ideia da sorte que teve. Afinal, ainda não era noite de lua cheia.

            Porém, sua sorte acabou. Neste exato momento a lua começa a despontar no horizonte, e eu já pude sentir o seu poder ainda enquanto estava debaixo da terra, reunindo as forças necessárias para voltar à superfície.

            O fedor daquele porco imundo está impregnado nas minhas roupas e na minha pele. Não será difícil rastreá-lo. Enquanto a metamorfose se processa, ergo a cabeça para o alto e emito com prazer um uivo longo e potente. Meu último pensamento articulado é a convicção de que, ao amanhecer, o nosso mundo ordinário será um lugar um pouco melhor. Haverá um estuprador a menos para espreitar mocinhas indefesas em meio às sombras da noite.     


Nenhum comentário:

Postar um comentário